Neste 7 de maio, o governo federal comemorou a aprovação na Câmara dos Deputados da PEC 665, embrulho incluído no balaio do ajuste fiscal que altera regras no seguro-desemprego. Mais uma vez, Dilma Rousseff e seus parceiros avisaram que é pelo bem do Brasil que a população será sacrificada. A mesma cantilena foi entoada para que os pagadores de impostos aceitem outra contradição absurda: os parteiros do slogan Brasil – Pátria Educadora cortaram R$ 500 milhões da verba que garantir a professores e bibliotecas públicas o suprimento de livros didáticos. Há alguns dias, enfim, o Ministério da Educação confessou que não resta um único tostão para investir no FIES.
A indigência financeira, cujo codinome é “contingenciamento de gastos”, provoca estragos que ultrapassam as fronteiras do território nacional. Já no primeiro mandato de Dilma, o Brasil perdeu o direito de voto em instituições internacionais, sofreu derrotas sucessivas na disputa por cargos relevantes e foi proibido de comandar missões de paz da ONU, entre outras sanções que deixaram em frangalhos a imagem do país. Como a soma das dívidas com as agências da Organização das Nações Unidas já passou dos R$ 600 milhões, não há perigo de melhorar.
Para recuperar, por exemplo, o direito de voto na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), perdido desde 1º de janeiro de 2015, o país precisa pagar R$ 10,3 milhões. Um débito de R$ 15,4 milhões e dois anos de calotes na contribuição financeira devida ao Tribunal Penal Internacional expulsaram o Brasil do quadro de eleitores da instituição. Na FAO, a a dívida acumulada chegou a R$ 38,6 milhões.
As embaixadas desenham um quadro de penúria. Em reportagem recente, o Estadão revelou que a representação brasileira em Benin, na África ocidental, ficou sem água nem luz por falta de pagamento. Os telefones só não haviam emudecido porque um diplomata ali baseado quitou a conta com o que restava do salário. A escassez de recursos atinge também representações em Tóquio, nos Estados Unidos e em Portugal.
No ano passado, o Brasil se recusou a pagar a contribuição obrigatória à Organização dos Estados Americanos (OEA), entidade que reúne as nações das Américas do Sul, Central e do Norte. Dos 8,1 milhões de dólares esperados, depositou apenas 1 dólar. Em contrapartida, o salário dos parlamentares saltou no começo do ano de R$ 26.723,13 para R$ 33.763,00. E as despesas federais no primeiro trimestre cresceram R$ 5,4 bilhões, passando de R$ 822 bilhões para pouco mais de um trilhão de reais por ano. “Sem contar a Petrobras”, ressalva o jornalista Carlos Brickmann.
Tudo somado, conclui-se que o Brasil Maravilha que Lula pariu e Dilma Rousseff carregou no colo só existiu na cabeça baldia do parteiro e no cérebro desabitado da babá. Pelo menos desde 2006, a dupla insistiu em enxergar um colosso emergenteno que nunca passou de um pobretão metido a besta. Fantasiado de rico com um fraque puído nos fundilhos, há mais de 12 anos a potência de araque deu de esbanjar lá fora o dinheiro que faz falta aqui. Neste início do segundo mandato, o fraque foi reduzido a andrajos que denunciam a miséria financeira e moral do perdulário irresponsável.
Neste 12 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou a liberação de mais R$ 50 bilhões para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O governo parece achar pouco: o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, move-se nos bastidores para apressar a transferência de outros R$ 10 bilhões atualmente em poder de um fundo criado com uma fatia de recursos do FGTS. De 2006 para cá, o total de empréstimos do Tesouro ao BNDES ultrapassou a fronteira dos R$ 410 bilhões — 8,4% do PIB.
Boa parte da dinheirama esvaiu-se na construção de usinas, portos, rodovias e aeroportos no exterior ─ em transações mantidas sob sigilo e sempre com juros de pai para filho. “Fazer empréstimos internacionais sem que eles passem pelo Congresso é uma atitude inconstitucional que se cristalizou no governo Lula e Dilma”, observou Maristela Basso, professora de direito internacional da USP, numa entrevista a Heródoto Barbeiro. “Emprestar para Cuba de forma secreta para a construção do Porto de Mariel, por exemplo, é nulo perante o direito brasileiro”.
Inconstitucional ou não, é o que o governo federal faz há mais de uma década. Entre 2006 e 2012, US$ 3,2 bilhões (R$ 6,4 bilhões) foram consumidos em empréstimos a companhias brasileiras em Angola –49% para a Odebrecht–, de acordo com uma reportagem da BBC Brasil. Trecho: “A Odebrecht conta com parte de uma nova linha de crédito do banco, de US$ 2 bilhões, para manter o ritmo de investimentos em Angola, entre US$ 500 milhões e US$ 600 milhões anuais (de R$ 1,1 bilhão a R$ 1,2 bilhão)”.
Também construído pela Odebrecht e financiado pelo BNDES, o porto de Mariel engoliu US$ 682 milhões só na primeira etapa. Com 18 metros e 12 quilômetros de ferrovias e 70 quilômetros de estradas pavimentadas com pista dupla no entorno, o primo cubano é tudo o que o Porto de Santos, em São Paulo, quer ser no dia em que o governo decidir gastar por aqui as verbas que sobram para modernizar a infraestrutura de países companheiros.
Pelo atalho do BNDES, a Queiróz Galvão fez chegar um bilhão de dólares aos canteiros de obras da hidrelétrica de Tumarín, na Nicarágua. No Equador, a Odebrecht foi contemplada com mais de US$ 90 milhões para construir a Hidrelétrica Manduriacu, além de outros US$ 240 milhões para a hidrelétrica de San Francisco. Acusada de “desleixo” no cumprimento do cronograma, a empreiteira foi expulsa do país, em 2008, pelo presidente Rafael Correa.
Cada vez mais numerosos, esses acertos internacionais são cada vez menos transparentes. Não se sabe ao certo quais são os critérios usados pelo BNDES para escolher parceiros. Boa parte das obras financiadas beneficia países da África e da América do Sul cuja irrelevância comercial é compensada pela permanência no poder de governantes amigos.
A suspeita de que o segredo de alguns contratos se presta a ocultar tenebrosas transações ameaça o sigilo que, no caso de Cuba e Angola, só seria suspenso em 2027. A reação do governo à iminente instauração de uma CPI do BNDES reforçou a sensação de que a devassa na multibilionária caixa-preta é inadiável. As descobertas podem espantar até os brasileiros convencidos de que, depois do Petrolão, não se espantarão com mais nada.
Seguem-se 14 obras no exterior financiadas pelo BNDES.
Porto de Mariel (Cuba)
Valor da obra: US$ 957 milhões (US$ 682 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Odebrecht
Hidrelétrica de San Francisco (Equador)
Valor da obra: US$ 243 milhões / Empresa responsável: Odebrecht
Hidrelétrica Manduriacu (Equador)
Valor da obra: US$ 124,8 milhões (US$ 90 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Odebrecht
Hidroelétrica de Chaglla (Peru)
Valor da obra: US$ 1,2 bilhões (US$ 320 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Odebrecht
Metrô Cidade do Panamá (Panamá)
Valor da obra: US$ 1 bilhão / Empresa responsável: Odebrecht
Autopista Madden-Colón (Panamá)
Valor da obra: US$ 152,8 milhões / Empresa responsável: Odebrecht
Aqueduto de Chaco (Argentina)
Valor da obra: US$ 180 milhões do BNDES / Empresa responsável: OAS
Soterramento do Ferrocarril Sarmiento (Argentina)
Valor: US$ 1,5 bilhões do BNDES / Empresa responsável: Odebrecht
Linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas (Venezuela)
Valor da obra: US$ 732 milhões / Empresa responsável: Odebrecht
Segunda ponte sobre o rio Orinoco (Venezuela)
Valor da obra: US$ 1,2 bilhões (US$ 300 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Odebrecht
Barragem de Moamba Major (Moçambique)
Valor da obra: US$ 460 milhões (US$ 350 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Andrade Gutierrez
Aeroporto de Nacala (Moçambique)
Valor da obra: US$ 200 milhões ($125 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Odebrecht
BRT da capital Maputo (Moçambique)
Valor da obra: US$ 220 milhões (US$ 180 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável: Odebrecht
Hidrelétrica de Tumarín (Nicarágua)
Valor da obra: US$ 1,1 bilhão (US$ 343 milhões) / Empresa responsável: Queiroz Galvão
Por Branca Nunes
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