quarta-feira, 13 de maio de 2015

Não era mesmo para valer


Apresentada como a prova cabal do renascimento do PT e de sua “volta às origens”, a proibição imposta em abril pelo Diretório Nacional do partido ao recebimento de doações eleitorais de empresas não era para valer: passado menos de um mês daquele momentoso anúncio, noticia-se que diretórios estaduais petistas continuam a passar o chapéu entre pessoas jurídicas.

Não é que alguém tenha se iludido com mais um lance de marketing de um partido que se transformou em uma caricatura de si mesmo. Mas espanta a rapidez com que os embustes petistas vêm perdendo o viço, revelando sua verdadeira natureza.

Reportagem do jornal Valor informa que o diretório do PT da Bahia, por exemplo, pretende promover uma série de eventos, entre os quais dois jantares com empresários, ainda neste mês. O objetivo é conseguir dinheiro para quitar dívidas da campanha de Rui Costa ao governo do Estado no ano passado. O total chega a R$ 13 milhões, dos quais apenas R$ 500 mil foram pagos.

O presidente do diretório, Everaldo Anunciação, muniu-se de um argumento muito justo para ignorar a determinação da cúpula petista: a dívida tem de ser paga. Ele falou em “compromisso moral” de resolver o problema, “buscando contribuições dentro da lei”. Para Anunciação, a questão é simples: “Não podemos trazer prejuízo aos credores, que nos ajudaram nas eleições”.

Situação semelhante se observa no diretório do Ceará, que tem de lidar com uma dívida de cerca de R$ 6 milhões, remanescente da eleição de 2014, e no diretório de Mato Grosso, cujos débitos somam R$ 2,6 milhões. Em todos esses casos, a interpretação que os dirigentes petistas fazem da resolução do Diretório Nacional é a mesma: o veto a doações de empresas só vale para dívidas futuras, e não para as passadas. Já o Diretório Nacional, por meio de nota, explicou que os escritórios regionais “podem continuar a receber doações empresariais” até a realização do Congresso do PT, em junho.

Nada disso está na resolução de abril, concebida com o único objetivo de criar um factoide. Mas a realidade é bem mais árida que a ficção petista. Segundo o diretório baiano, é improvável que a mera arrecadação de recursos entre os militantes do PT, por mais bem-sucedida que seja, baste para cobrir o rombo do partido – ainda mais quando essas dívidas de campanha superam R$ 55 milhões, como no caso do PT de São Paulo. “Acredito na força da militância, mas não podemos ter hipocrisia nem ingenuidade para falar de um valor tão alto”, disse Anunciação.

“Hipocrisia” é, pois, a palavra adequada para definir a atual posição do PT. Justamente no momento em que seu partido aparece como protagonista do petrolão, depois de ter sido igualmente a estrela do mensalão, os petistas defendem o fim de doações por parte de empresas.

O escândalo do petrolão tem como centro o financiamento de partidos com dinheiro de grandes empreiteiras. O caso gerou enormes prejuízos financeiros e de imagem para essas companhias. Assim, é natural que tenha havido uma retração no fluxo de dinheiro para partidos.

Como a fonte está para secar, em razão dos escândalos que protagoniza, o PT quer posar agora de campeão da moralidade, anunciando que não aceitará mais os recursos de empresas – e sugerindo que os partidos que não fizerem o mesmo estarão sendo coniventes com a corrupção.

A malandragem petista corrompe um debate muito importante para o País. O financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresas distorce o sentido da representação democrática – pois empresas não votam. Empresas fazem negócios. A doação de pessoas jurídicas resulta em um poder econômico impossível de ser equiparado pelo cidadão comum.

Há, portanto, bons motivos para abraçar essa causa, mas o PT dela se aproveita com fins oportunistas. “O partido revitalizará a contribuição voluntária, individual dos filiados, filiadas, simpatizantes e amigos”, diz a tal resolução do Diretório Nacional. Como é óbvio que apenas esses poucos recursos serão insuficientes para bancar a imensa máquina eleitoral em que se transformou o PT, a resolução não vale o papel em que foi escrita.





EDITORIAL O ESTADÃO - O Estado de S. Paulo - 12/05/15

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