Mesmo uma vida piedosa, quando desapegada da inteligência, sofre com os males da ignorância e pode, até por isso, acabar sucumbindo diante da complexidade da existência.
Em primeira mão, informo meus amigos que está em andamento o projeto de meu livro que se chamará Cristianismo Inteligente. Nele, compartilharei minha ideia sobre a natureza do cristianismo, que está muito além da trivialidade da ritualística e da banalidade dos pensamentos rasteiros. Assim, segue um pequeno trecho, para vocês entenderem um pouco sobre o que estou tratando:
“O que a inteligência tem a ver com fé? Esta, como muitos pensam, não deveria recolher-se ao seu ambiente propício, falando apenas com os seus, que é para quem interessa seu discurso, sem pretender alçar-se para além de seus círculos afins? Aliás, foi isso que ouvi desde garoto: que não deveria aventurar-me demais em questões intelectuais, pois elas poderiam causar-me a perda de minhas convicções religiosas.
Cresci ouvindo que a religião é inimiga da ciência e que um bom cristão é conhecido por sua conduta, não pelo seu pensamento. Também que quem se aventura em questões profundas da razão, em especulações arriscadas, corre o risco de desviar-se da fé, de perder a pureza religiosa.
Isso, porém, não representa manifestações isoladas, de religiosos zelosos. De fato, não é possível negar que o cristianismo contemporâneo possui uma certa tradição anti-intelectual que vem de mais de um século. Principalmente em suas vertentes mais místicas, nos movimentos carismáticos católicos e no pentecostalismo protestante, o uso da razão é visto com cuidadosa suspeita. E ainda que haja um legado de cultura em outros círculos cristãos, em geral, ele está restrito a algumas poucas cabeças pensantes. A ideia comum nas igrejas e paróquias é que ser cristão é algo que nada tem a ver com inteligência, mas com devoção e fé.
No entanto, ao estudar a história da Igreja e os livros de teologia e filosofia cristãs, fica claro que o cristianismo possui uma tradição intelectual pujante, que suas razões são profundas e suas especulações chegam a ser mesmo complexas. Ao ler a Bíblia vê-se que o que está ali revelado, apesar de compreensível, não se trata de verdades simplórias. Aliás, a maioria das heresias dá-se por uma compreensão equivocada dos textos bíblicos. Além do que, são as próprias Escrituras que valorizam o conhecimento e a sabedoria como virtudes que devem ser buscadas.
Diante disso, sempre me pareceu muito claro que o anti-intelectualismo que presenciei entre as comunidades cristãs era incompatível com a própria história da Igreja Cristã, tão recheada de grandes pensadores, de desenvolvimentos filosóficos profundos e disputas teológicas acirradas. Alguma coisa nisso tudo deveria estar fora do lugar. Algo havia mudado em algum período da história para afastar os cristãos do amor pela literatura, pela Filosofia e pela própria razão, que foi uma característica tão marcante entre os antigos.
Por isso, pretendo, além de fazer um breve apanhado histórico da evolução da vida intelectual dentro do cristianismo, mostrar como ela não apenas é compatível com uma vida religiosa, como é desejável, senão necessária para qualquer cristão.
Na verdade, cheguei à conclusão que mesmo uma vida piedosa, quando desapegada da inteligência, sofre com os males da ignorância e pode, até por isso, acabar sucumbindo diante da complexidade da existência.
Apesar de tudo, tenho plena consciência da dificuldade do tema proposto, pois, à primeira vista, pode parecer que advogo a favor de um racionalismo frio, que ignora as necessidades e valores que existem na mística cristã. Também alguns podem apressadamente achar que estou colocando a intelectualidade como um requisito para a salvação humana. Porém, todas essas conclusões são levianas. Meu objetivo é apenas mostrar como o abandono da intelectualidade, o preconceito contra a razão e o desprezo pelo conhecimento podem, ao contrário do que muitos pensam, ser, sim, cruciais para a derrocada de uma vida espiritual. Aliás, demonstrarei como sequer é cabível falar em espiritualidade apartada do conhecimento.
No entanto, para compreender minhas razões será preciso saber o que eu entendo por inteligência, conhecimento e espiritualidade. E posso garantir que todas as definições que trarei nesta obra se distanciam consideravelmente das formas populares como esses termos são tratados.”
Por Fábio Blanco
Advogado e teólogo
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