Um cuidado especial para com a Previdência Social deveria estar dentre as prioridades de qualquer governo que se diga minimamente preocupado com as questões sociais. Ainda mais em se tratando do sistema previdenciário brasileiro, que sobreviveu aos periclitantes períodos de turbulência de hegemonia do neoliberalismo. Afinal, no interior da agenda do Consenso de Washington constava a proposta de privatização dos modelos previdenciários. Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional não se cansavam de pressionar os países sob ajuste macroeconômico para trilhar esse caminho nefasto. Que o digam, por exemplo, Chile e Argentina.
Mas se não obtiveram por aqui o êxito nas tentativas de privatização, os formuladores de maldades impuseram regras e condições que prejudicaram bastante os participantes do sistema, sempre na perspectiva de utilizar as receitas bilionárias da previdência para fins de pagamento financeiros e não a atribuição dos benefícios constitucionais.
Uma das mais perversas decisões foi a criação do famigerado “fator previdenciário”, pelo ex-presidente FHC, ainda em 1999. Por meio deste expediente, promoveu-se um verdadeiro tsunami de reduções nos valores devidos dos benefícios àqueles que pretendiam gozar de seus direitos adquiridos, após décadas de contribuição mensal para o sistema.
Apesar da unanimidade existente contra a medida por parte de aposentados, trabalhadores e estudiosos do tema, desde o primeiro mandato de Lula que os governos mantiveram a regra prejudicial aos participantes. Assim, está aberta a oportunidade de reparação de uma injustiça história. Se liga, Dilma! Trate com carinho uma parcela expressiva de nossa população e extinga o fator!
Outra medida que a área econômica vem impondo ao País é desoneração irresponsável da contribuição patronal da folha de pagamentos. Nosso regime prevê que as empresas contribuam com 20% do valor dos salários e os trabalhadores com 10%. O governo cedeu às pressões dos empresários e substituiu essa contribuição por uma alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento das empresas. Mas essa receita está sendo insuficiente e poderá comprometer o equilíbrio do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) a médio e a longo prazos. Se liga, Dilma! É preciso rever essa política de apagar incêndios com visão imediatista, deixando a sujeira debaixo do tapete para daqui vários anos.
Por outro lado, os responsáveis do Ministério da Previdência continuam com o discurso antigo e ultrapassado, a respeito do inexistente déficit da previdência. A maioria dos economistas e técnicos honestos que trabalham com a matéria já avisamos que isso é uma grande mentira. O nosso regime previdenciário é superavitário: a cada mês ou a cada ano, o total das receitas arrecadadas é superior ao total das despesas realizadas com pagamento de pensões e aposentadorias.
O que ocorre é que não se pode somar banana com abacaxi! E a contabilidade oficial insiste em misturar as contas dos trabalhadores urbanos com as contas dos rurais. Esse procedimento provoca uma distorção, pois o conjunto dos trabalhadores do campo foi incorporado ao regime previdenciário a partir da Constituição de 1988, quando uma decisão elementar de cidadania foi tomada. Assim uma parcela dos atuais aposentados não contribuiu ao longo de sua vida laboral e essa diferença deve ser contabilizada a cada mês pelo Tesouro Nacional às contas do INSS. Por outro lado, também deveriam ser retirados do cálculo valores relativos à isenção tributária para entidades filantrópicas, igrejas e clubes de futebol, bem como os valores de sonegação fiscal. O resultado é que a previdência, como regime contábil e atuarial, está equilibrada e apresenta superávit.
É por essas e outras que o modelo merece um tratamento de maior carinho. Os estudos estão demonstrando, por todos os lados, que a renda proveniente dos benefícios da previdência está contribuindo para a elevação do padrão de vida das camadas de menor renda de nossa sociedade e tem permitido que a nossa demanda interna se mantenha aquecida, apesar da crise internacional. Assim, se liga Dilma: é preciso recomendar às autoridades da Previdência Social que restabeleçam a verdade dos fatos e não fiquem alimentando a imprensa a cada mês com informações falsas a respeitos de inexistentes déficits do sistema.
Nosso modelo é referência para o mundo todo, com pagamento de benefícios de aposentadoria, pensão e auxílios para os trabalhadores por acidentes ou doenças. O únicos interessados em provocar o descrédito do modelo são os agentes do sistema financeiro, que olham para a massa de dezenas de bilhões de reais do INSS com olhos bem gulosos e apetite muito voraz.
Portanto, se liga Dilma: estão querendo desequilibrar a nossa previdência pública e universal. É necessário ficar alerta e tratar o sistema com o carinho e o cuidado que os atuais e futuros milhões de participantes merecem.
Por Paulo Kliass
Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.
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