O PT está em profunda crise após mais de 12 anos no poder. Os escândalos de corrupção, as contradições entre discurso e prática, as tentativas de adorar mais de um Deus (no caso Capeta) ao mesmo tempo, tudo isso fez com que o partido chegasse ao ponto de ter a própria sobrevivência questionada.
Situações estranhas, como Lindbergh Farias, talvez a mando de Lula, tornar-se um ferrenho opositor do próprio governo Dilma, pedindo a cabeça do ministro Joaquim Levy, mostram como a crise é grave. Algo que até Marco Aurélio Garcia reconheceu recentemente, quando teve que discursar para uma plateia esvaziada no congresso do partido, clamando pela volta às raízes, ou seja, a saída pela intensificação dos equívocos esquerdistas.
Se o patamar da crise é novidade, após tantos escândalos virem à tona, as contradições internas não são. Em meu livro Estrela Cadente, de 2005, eu já mostrava essa “esquizofrenia” petista, antes mesmo dos escândalos do mensalão e do petrolão. A decisão de se unir ao PMDB e ao PL já causou uma ruptura entre os “pragmáticos” e os “idealistas”. O PT quer falar uma coisa e fazer outra, e quer fazê-lo impunemente, como se fosse possível usar duas caras para sempre. Abaixo, o capítulo do livro que trata do assunto:
Diante de todo o quadro até aqui apresentado, os militantes petistas encontram-se cada vez mais divididos, vivendo uma verdadeira crise de identidade. O PT enquanto partido, com suas defesas ideológicas, difere cada vez mais do PT governo, que adere ao pragmatismo e fisiologismo, usando do autoritarismo para obter mais poder. O realpolitik tem ocupado mais espaço com o avanço do PT no poder político brasileiro. O PT teria uma dupla personalidade. A cúpula poderosa do partido migrou seu discurso para o centro do espectro político-ideológico, descartando o lado mais radical do partido, que prega uma verdadeira revolução socialista. Ainda é visível o ranço ideológico no governo, mas muitos acreditam que isso seria apenas um meio para a manutenção do poder político. Este seria o único objetivo real, na opinião destas pessoas, como o exemplo do Partido Revolucionário Institucional (PRI) do México, que tornou-se uma super máquina partidária que controlou o poder por 70 anos.
O próprio PT acaba funcionando como uma nação socialista, onde o discurso prega a “democracia participativa”, mas em nome da unidade do partido, uma cúpula decide as questões importantes. Os que discordam, acabam expulsos. Esse autoritarismo dentro do partido ficou claro quando o PT fechou uma aliança com o PL para as eleições de 2002, não submetendo tal decisão a qualquer outra instância além do Diretório Nacional, nem consultando os filiados. Ocorreram mudanças no Estatuto do partido, com maior delegação de poderes às executivas, eleitas por voto direto. A estrutura partidária concentra enorme poder sobre o restante do partido. Fora isso, até mesmo contribuição financeira obrigatória sobre os salários existe, como o dízimo da Igreja Universal. O “individualismo” é combatido dentro do PT também, e em nome da “causa geral”, todos devem ceder e contribuir. Claro que essa “causa” fica cada vez mais confusa, pois os ideais socialistas seriam possíveis através de uma revolução que os mais poderosos ou moderados não desejam, posto que atingiram seus objetivos particulares pelas vias democráticas, unindo-se aos demais partidos e afetando a coesão ideológica do PT. E até mesmo os românticos são individualistas!
Com isso, o PT de hoje difere bastante daquele imaginado por seus fundadores em 1980. Naquele tempo, reinava um romantismo utópico, e como não havia o compromisso com a governabilidade, propostas irreais ocupavam a agenda do partido. Havia uma recusa petista em ampliar suas alianças nos primeiros anos, para não corromper seus ideais. Pelo seu crescimento explosivo, assim como participação maior no governo, ocorreu uma oligarquização do partido, assim como uma quantidade enorme de alianças, que acabaram desconfigurando o PT. Ele ficou mais burocratizado, menos operário, e mais focado na pura obtenção de votos, adaptando o discurso de acordo com essa necessidade. O PT conta com enorme parcela de funcionários públicos dentro do seu quadro, e mais da metade recebe acima de 10 salários mínimos. Circula na internet uma definição interessante do que seria o partido (atribuída a Roberto Campos): “O PT é um partido orientado por intelectuais que estudam e não trabalham, formado por militantes que trabalham e não estudam, e comandado por sindicalistas que não estudam e nem trabalham”. Toda brincadeira tem um fundo de verdade.
O PT ficou mais elitista, e justamente por isso, certos radicais resolveram sair do partido, abrindo concorrência para capturar os votos da esquerda mais extrema. Enquanto isso, os que comandam o partido entraram em uma disputa pelos votos tradicionais do PSDB, com discurso mais moderado. São, na minha opinião, apenas táticas adaptadas para a chegada e manutenção no poder, como a mudança do conceito de luta de classes marxista por algo difuso como “direito à cidadania”. Os discursos foram adaptados, mas ainda estão repletos de objetivos vagos e abstratos, com conceitos subjetivos, justamente para possibilitar o atingimento do verdadeiro objetivo: o poder arbitrário.
Esse dilema, de abraçar o socialismo utópico sempre defendido, ou dedicar-se à acomodação entre diferentes grupos de interesse, vem causando uma ruptura interna no PT. E o governo Lula parece balançar entre esses dois caminhos, ora dando claras indicações de que o socialismo anda vivo nos planos do PT, ora pegando o rumo da terceira via social-democrata. O governo tenta combinar convicções ideológicas com o pragmatismo do governo. Acaba não agradando nem a gregos, nem a troianos. Os sonhadores socialistas, que almejam uma revolução, uma guinada ainda mais rápida no sentido de uma cubanização do Brasil, sentem-se traídos pelos anos de discursos e promessas. E os adeptos da social-democracia acabam vendo o PT apenas como um PSDB piorado, e ainda com fortes vícios autoritários, herança do socialismo. Enquanto isso, outros partidos buscam ocupar o lado mais revolucionário que antes era dominado pelo PT, cujo lema antigo era “Vote no Três que o Resto é Burguês”.
Segundo José Giusti Tavares, o PT é dominado pela decepção e pelo ressentimento, contendo uma nova “intelligentsia comunista” que não alimenta qualquer utopia e não possui sequer um programa de governo. Até porque uma democracia constitucional não possibilitaria a realização de um programa nas linhas ideológicas do PT antigo. Giusti considera que “seu objetivo (PT), dissimulado por uma miríade de projetos políticos exóticos, que atraem o apoio de minorias desajustadas, passa a ser a erosão dos valores, da cultura e das instituições do sistema político brasileiro”. Suas críticas são voltadas em especial para o PT gaúcho, e o levam à conclusão de que o partido é autoritário, tendo dificuldade de participar normalmente do governo da Federação. Não foram poucos os casos que corroboraram tal tese.
Por Rodrigo Constantino
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