Na noite de 6 de maio do ano passado, a presidente Dilma Rousseff concedeu uma entrevista memorável no Palácio da Alvorada. A um grupo de jornalistas, ela falou animadamente, durante quatro horas, sobre os destinos da nação. Estava confiante, otimista. Foi até simpática – Dilma 1.0 em pré-campanha era só sorrisos. Disse que a inflação estava sob controle e que “não cogitava” trocar a equipe econômica do governo. “Dizer que o Brasil vai explodir em 2015 é ridículo. Me desculpe. O Brasil não vai explodir em 2015. O Brasil vai é bombar em 2015”, estrilou a presidente, diante da insistência em questioná-la sobre os primeiros sinais da recessão econômica, já presentes naquele momento. E ai de quem dissesse o contrário.
Um ano depois, a única coisa que bomba no Brasil é panelaço e pau de selfie. A inflação periga sair de controle, Guido Mantega é passado – e o ridículo está nos números da economia. Há duas semanas, dois desses números, precisamente os mais relevantes para a vida dos brasileiros, revelaram-se desastrosos. A crise econômica começou a abater empregos de Norte a Sul do país – e a corroer como ácido a renda de todos nós. O Brasil registrou o pior índice de desemprego desde maio de 2011. O salário médio dos brasileiros caiu como não se via há 12 anos. E todos temem, como há uma década não se percebia, que os empregos sumam. A vida do brasileiro – sobretudo dos brasileiros que dependem de seu trabalho – está oficialmente pior.
“A festa acabou”, diz o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, ligado à Fundação Getulio Vargas. “O reflexo da desaceleração econômica no emprego era uma questão de tempo.” Em março, segundo os dados divulgados pelo IBGE, a taxa de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre) subiu pelo quarto mês consecutivo e alcançou 6,2% da população economicamente ativa – um salto significativo em relação à taxa de dezembro, de 4,3%, o menor nível da série. Outra pesquisa, feita pelo IBGE em cerca de 3.500 municípios, mas sem um histórico longo, mostrou uma taxa de desemprego ainda maior, de 7,4%, em fevereiro, o último dado disponível – uma taxa pior que a de muitospaíses desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, que estavam no centro da crise global de 2008. Como é uma pesquisa mais completa e inclui regiões menos desenvolvidas, onde as oportunidades costumam ser menores, ela tende a refletir com mais fidelidade a realidade nacional. Tudo indica que os dados de março, a serem em maio, serão ainda piores.
Na contramão do IBGE, o Ministério do Trabalho divulgou um estudo no final de março que mostrou uma relativa estabilidade do emprego no país. Em Brasília, o levantamento, que leva em conta apenas as contratações e dispensas de trabalhadores com carteira assinada, chegou a ser celebrado como uma possível reversão da tendência de aumento do desemprego. Só que, quando se leva em conta o saldo acumulado entre dezembro e março, as dispensas ainda superam as contratações em 610 mil, mesmo no caso dos trabalhadores formais. “O Brasil está enfrentando possivelmente o primeiro enfraquecimento sólido do mercado de trabalho em uma década”, afirma o economista Arthur Carvalho, do banco de investimento americano Morgan Stanley, num relatório enviado recentemente aos clientes.
A região em que o desemprego subiu em ritmo mais acelerado foi o Nordeste. Entre as principais regiões metropolitanas, a mais afetada é Salvador, onde o desemprego atingiu 12% da população ativa em fevereiro. A menos afetada é Belo Horizonte, com 4,7%. A situação também varia muito de acordo com o ramo de atividade. A indústria lidera a lista dos setores que mais cortaram vagas nos 12 meses encerrados em março, em especial nas áreas automobilística e de alimentos e bebidas, seguida pela construção civil, uma atividade intensiva em mão de obra. Mesmo no setor de serviços, uma trincheira que vinha resistindo à retração da economia, houve demissões. Os serviços pessoais, como manicure e cabeleireiro, e os serviços de hospedagem e alimentação foram os mais afetados no começo do ano. Isso explica, em boa medida, o aumento de 4% na contratação de empregados domésticos em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o IBGE. Muitos empregados que perderam seus postos em outras atividades voltaram a buscar trabalhos domésticos, pela primeira vez em muitos anos, contribuindo para deflacionar os salários na área.
Como se o aumento do desemprego já não fosse o bastante, começaram a aparecer também os primeiros sinais de queda na renda da população. De acordo com os números oficiais, o salário médio real teve uma redução de 2,8% em março em relação a fevereiro – a maior de um mês para o outro desde janeiro de 2003 – e ficou em R$ 2.134,60 em março. Em relação a março de 2014, a queda real nos salários chegou a 3% – a maior, em bases anualizadas, desde fevereiro de 2004. Em termos anuais, foi a segunda redução seguida no salário médio dos brasileiros. Antes disso, a última vez que havia ocorrido uma queda anual fora em 2005. Além do aumento do desemprego, que eleva a competição pelas vagas disponíveis e favorece a redução salarial, a aceleração da inflação, hoje na faixa de 8% ao ano, está corroendo a renda dos trabalhadores – um fenômeno que os mais velhos, que viveram o período de superinflação no país, conhecem bem. Agora, muita gente que estava só estudando ou se dedicando aos afazeres domésticos e não estava procurando emprego quer voltar ao mercado, para ajudar a complementar a renda familiar. “A fraqueza da economia está se generalizando”, diz o economista do Itaú Unibanco Rodrigo Miyamoto.
Muitos atribuem ao ajuste fiscal, apressadamente, boa parte da responsabilidade pela crise no mercado de trabalho. Mas, embora o ajuste proposto pelo governo para equilibrar as contas públicas, via aumento de impostos e corte de gastos, ajude a frear a economia, com reflexos no desemprego, ele não explica tudo. Os sinais de retração econômica vêm de longe. No primeiro mandato de Dilma, os investimentos privados já estavam minguando. Com o ativismo governamental e a mudança sem aviso prévio nas regras do jogo, o nível de confiança dos empresários chegou ao mínimo histórico no ano passado, provocando o adiamento de projetos, e ainda não se recuperou. A Operação Lava Jato, que investiga a corrupção bilionária na Petrobras, acabou paralisando boa parte das atividades da maior empresa do país, com um impacto fenomenal na economia.
Até as conquistas da nova classe média do país, formada pelas classes C e D, turbinadas pelo crescimento econômico da década passada, estão em xeque. Uma enquete realizada pelo instituto Data Popular, especializado nessa faixa de renda, mostra que 55% dos entrevistados esperam uma piora na questão do emprego em 2015 e 35% acreditam que os reajustes salariais ficarão abaixo da inflação. “Ninguém duvida de que a fantástica ascensão da classe média vai dar uma brecada”, diz o economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, de São Paulo, uma das escolas mais respeitadas do país nas áreas de administração, economia, Direito e engenharia. “A discussão agora é se a crise será suficiente para reverter seus ganhos.”
Diante do atual quadro de desalento e de incertezas na economia, não é de estranhar que o medo do desemprego tenha explodido, provocando uma retração no consumo, que foi o motor do crescimento nos anos de bonança. Em março de 2015, o índice de medo de desemprego, calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), subiu 34,2%, em relação ao mesmo período do ano passado, o maior crescimento desde o início da série, em 1999. “No cenário atual, antecipar o que vai acontecer no próximo semestre é uma aventura”, afirma o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica na primeira gestão de Lula. “Mesmo que o nível de atividade econômica aumente rapidamente, haverá uma defasagem de quatro a seis meses para o emprego se recuperar.”
Por enquanto, ainda é difícil vislumbrar o fim das dificuldades. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que analisa o emprego em diferentes países, diz que o Brasil conviverá com três anos de alta no desemprego. Segundo as estimativas da OIT e de analistas de mercado, a taxa de desocupação poderá chegar a 7,3% em 2016 e manter-se nesse patamar até o final de 2017. “Os dados do Brasil são decepcionantes”, diz Guy Rider, diretor-gerente da OIT. Que Dilma o desculpe.
(Foto: Getty Images)
Por José Fucs
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