sábado, 16 de maio de 2015

A inexistência do Déficit da Previdência social á luz da Constituição Federal: o superávit da seguridade social cobre os déficits do Tesouro





RESUMO: O presente artigo busca demonstrar de forma objetiva a inexistência do déficit da previdência social sob a ótica do financiamento constitucional da seguridade social. Para tanto, será demonstrado que a forma de cálculo utilizada pelos jornalistas e técnicos do tesouro, ao separar a previdência da saúde e assistência social,não considera o regime de financiamento da seguridade social previsto na Constituição Federal de 1988. Isso porque equivocadamente, eles consideram apenas como fonte de custeio, a contribuição social sobre a folha de salários, classificando como estranhas as demais contribuições que custeiam a seguridade social. Analisar-se-ão também, os reflexos trazidos pela Desvinculação das Receitas da União (DRU) ao objetivarem a formação do famoso superávit primário, que em contraposição ocasionam impacto brutal sobre as contas da seguridade social, demonstrando que há anos, o superávit da seguridade social, anda cobrindo os déficits do Tesouro.

Palavras-chave: Previdência Social. Déficit da Previdência Social. Constituição Federal de 1988.Seguridade social.Contribuições sociais.

1 INTRODUÇÃO

Constantemente deparamos com a publicação, em veículos de comunicação em massa, de diversas notícias e análises de economistas que demonstram e apontam números sobre o famoso “déficit da previdência social”, mais conhecido com o rombo da previdência, que segundo eles, vem perdurando e aumentando durante anos seguidos. A folha de São Paulo publicou no ano de 2009 que “a combinação de receitas em ritmo mais fraco e despesas em aceleração fez o déficit da Previdência Social dar um salto e fechar 2009 em R$ 42,9 bilhões” (ROMBO..., 2009). Este ano,o principal jornal de televisão aberta, comunicou a população brasileira que “o déficit da previdência social chega a R$ 36,5 bilhões em 2011” (NACIONAL, 2012).

A mídia, em seu papel de propagandear idéias não averiguadas ou confirmadas por óticas equivocadas, leva a sociedade leiga a um entendimento errôneo com relação aarrecadação anual da previdência social. Entretanto, nesse ponto não há nada alarmante, uma vez que a influência midiática na formação do pensamento, tornou-se parte integrante da sociedade independente se seu conteúdo divulgado é arbitrário ou confiável.

Contudo, quando o próprio governo, começa a oficializar a existência do déficit da previdência social, torna-se realmente preocupante, uma vez que de forma incisiva, o Estado começa a assumir posicionamentos advindos de uma visão distorcida do cálculo do equilíbrio financeiro da Previdência social. Ao contrário dos economistas de jornais populares, espera-se do governo credibilidade, transparência e segurança ao informar aos seus governados dados referentes a despesas e arrecadações da previdência. E consequentemente, começa-se a construir mitos relacionados a própria previdência baseados em óticas não vinculadas ao direito, especificamente, à Constituição Federal de 1988.

Destarte, este breve artigo se destina a realização de uma análise tributária e constitucional sobre o regime de financiamento da previdência social, demonstrando que a ótica de cálculo do Ministério da previdência que conjetura a existência de déficit da previdência social, não considera a previdência como parte integrante da seguridade social, indo contra o sistema de financiamento expresso na Constituição Federal de 1988. Sob o prisma constitucional, será calculado e comprovado a inexistência do falso déficit da previdência social.

2. O regime de financiamento da seguridade social àluz da Constituição Federal de 1988: a sistemática do cálculo e a prova do superávit da seguridade social.

Para que seja demonstrado de forma clara e precisa que a afirmação da existência de déficit da previdência social é uma falácia, um mito, faz-se necessário partir da seguinte premissa: a previdência social não pode ser vista individualmente, ela é parte integrante da seguridade social. E o que seria a seguridade social? De acordo com o disposto no artigo 194 da Constituição Federal de 1988: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos a saúde, a previdência e a assistência social “(BRASIL, 2012, p. 70).

A seguridade social, como um todo, vale lembrar, saúde, previdência e assistência social, vai ser financiada mediante recursos advindos das contribuições sociais, além dos recursos gerais oriundos dos entes públicos, conforme artigo 195 da Constituição Federal de 1988. Isso significa que o financiamento que se tem da previdência social advém de contribuições que financiam também a saúde e a assistência social. E é neste sentido que Marciano Seabra Godoi afirma que “a Constituição especificou com minúcias os meios de financiamento desse conceito amplo de seguridade social, e não do conceito mais restrito de previdência social “ (GODOI, 2006, p. 02)

Não há como separar a previdência, da saúde e assistência social: estes três elementos que formam a seguridade social e o respectivo regime de financiamento é composto por contribuições que destinam a custear todos os três. Então, pode-se afirmar que não há como calcular o financiamento da previdência social de forma restrita, de forma a bipartir o orçamento da seguridade social, considerando apenas e tão somente as receitas e as despesas da própria previdência pois estaria indo contra o regime de financiamento trazido pela própria Constituição Federal de 1988.

Pois bem, se a previdência social deve ser analisada no conjunto da seguridade social no que diz respeito ao seu financiamento, é necessário uma análise de quais contribuições sociais custeiam a seguridade social. Cabe ressaltar que as contribuições sociais encontram-se previstas no art. 195 da CF:

Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (BRASIL, 2012, p.72)


Primeiramente, é importante frisar que o financiamento da seguridade social advém não somente das contribuições sociais, mas também dos recursos oriundos dos orçamentos dos entes públicos. Entretanto, para pleito probatório do presente artigo, o cálculo a ser realizado levará emconsideração apenas o valor arrecadado pela seguridade social a título de contribuições. Dessa forma, será realizada uma análise de cada uma das contribuições previstas do artigo 195 CF.

A primeira contribuição social é a contribuição cobrada das empresas sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho (art. 195, inciso I, a), conhecida como INSS folha. Para que seja configurado o seu fato gerador, não importa a existência do vínculo empregatício, basta o mero pagamento de remuneração à pessoa física. Apesar de ser tipicamente denominada de contribuição previdenciária não significa que seja ela aúnica contribuição destinada a previdência, uma vez que todas as contribuições da seguridade social, em suas percentagens, são fontes de financiamento da previdência, saúde e assistência social.

Por sua vez, no inciso I, alínea “a” do artigo 195 da Constituição Federal de 1988, encontra-se a contribuição cobrada das empresas sobre a sua respectiva receita ou o faturamento. Como forma detornar efetiva essa previsão constitucional, foi criada através da Lei Complementar n. 70 de 1991, a COFINS, Contribuição para o financiamento da Seguridade Social. Cabe ressaltar, por oportuno, que a referida lei traz, juntamente com a hipótese de incidência da CONFINS, em seus artigos 1o e 2o, a sua finalidade da referida contribuição de financiar a seguridade social, confira:

Art. 1° Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.

Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. (BRASIL, 2012)


A terceira contribuição prevista no artigo 195 da Constituição Federal de 1998 é a contribuição cobrada sobre o lucro das empresas (inciso I, alínea “c”),que permitiu a criação da CSLL,Contribuição Sobre o Lucro Líquido), pela Lei Federal n. 7.689 de 1998 que também deixa claro em seu artigo 1o, que essa contribuição se destina ao financiamento da seguridade social.

A título de curiosidade, tem-se uma diferença entre as percentagens relacionadas a empresas e as instituições financeiras. Enquanto estas se sujeitam a uma alíquota de 9% sobre o lucro, as instituições financeiras se sujeitam a uma alíquota bem maior, de 15% sobre o lucro.

Além das contribuições sociais do art. 195 inciso I, ainda constam como fonte de custeio da seguridade social as contribuições do inciso II que é a contribuição cobrada dos trabalhadores e demais segurados da previdência social sobre a folha de salários. Tem-se neste ponto a contribuição de 20% que é o INSS folha, além da contribuição adicional de seguro de existência de acidente de trabalho que é utilizada para financiar as indenizações que a previdência paga quando há um acidente de trabalho, que é a denominada SAT, Seguro Acidente de Trabalho.

Ainda restam duas outras fontes de custeio: aquinta contribuição encontra-se prevista no inciso III do artigo 195 que prever a tributação sobre a receita de concursos de prognósticos. O que se entende como concursos prognósticos é qualquer sorteio de números ou outros símbolos nos âmbitos federal, estadual e municipal. Neste sentido são exemplos: apostas, loterias, os denominados jogos de azar. Com relação a receita advinda deles disponível para a seguridade social, é considerado o total da arrecadação deduzido do pagamento de prêmios, despesas e tributos.

A última contribuição encontra-se prevista no art. 195, IV da Constituição Federal de 1988 e tem como fato gerador a importação de bens ou serviços do exterior. O valor arrecado é revertido para a seguridade social. Essa contribuição possibilita que se tenha no país uma concorrência equilibrada e leal, uma vez que bens e serviços advindos do exterior são tributados, não os deixando em condições mais vantajosas que os internos.

Entretanto, é importante frisar que não só as contribuições sociais previstas no artigo 195 da Constituição Federal custeiam a seguridade social. Uma vez que o PIS (Programa de integração social)também a custeia. Conforme art. 239 da Constituição Federal, a arrecadação decorrente das contribuições advinda do PIS financiam o programa de seguro desemprego e o abono anual.

Além disso, também custeava a seguridade social a famosa CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação financeira). A CPMF era considera uma contribuição nova, exatamente por ela não encontrar-se prevista na Constituição Federal o que, a princípio, exigia que ela fosse instituída por lei complementar. No entanto, cediços da limitação constitucional de que tributos novos não poderiam ser cumulativos, o Governo preferiu instituí-la por emenda constitucional, ,fugindo desta restrição, mas permanecendo o ônus de sempre ter que prorrogá-la.

Atendendo aos interesses do Governo, a CPMF foi prorrogada diversas vezes, até que em 2007 não se obteve êxito no propósito de mais um prorrogação realizada através de emendas constitucionais, vindo, portanto, a ser extinta. Entretanto, mesmo a CPMF tendo sido extinta, esse tributo está sendo considerado nos cálculos relativos as contribuições que custeiam a seguridade social do ano de 2011, uma vez que milhões ainda são arrecadados pela CPMF de acordo com os dados do Ministério da Fazenda, que são advindos de ações judiciais que tiveram provimento jurisdicional favorável somente no ano de 2011. Tais informações são relevantes para esclarecer porque ainda constam créditos referentes à CPMF nos cálculos elaborados neste estudo, mesmo ela não existindo mais.

Enfim, o cálculo a ser realizado para que se comprove que o governo arrecada mais do que gasta em seguridade social, deve levar em consideração todas as contribuições sociais do art. 195 da CF/88, além do PIS e da CPMF apesar dela ter sido extinta desde 2007.

De forma precisa, o autor Marciano Seabra de Godoi explica como deve ser feito o cálculo para se comprovar que a seguridade social não encontra-se gerando déficit: “soma da arrecadação anual das contribuições sociais previstas no art. 195 da CF + arrecadação anual da CPMF e do PIS – gastos públicos anuais relativos a saúde, assistência social”. (GODOI, 2006, p. 03).

O resultado positivo desse cálculo demonstra que as contribuições sociais do artigo 195 da CF/88 são suficientes para financiar a seguridade social e não precisa sequer de mais verbas oriundas dos orçamentos dos entes públicos.

Segue abaixo a tabela que demonstra os valores arrecadados através das contribuições sociais do art. 195 da CF/88, da contribuição PIS e da extinta CPMF para custear os gastos com a seguridade social. Cabe esclarecer, que não foi considerado o valor arrecadatório que se obtém através da receita dos concursos prognósticos devido seu valor irrisório aos cálculos. De forma límpida, nota-se que o valor arrecadado é de 536 bilhões (quinhentos e trinta e seis bilhões de reais).


TABELA 1

Arrecadação em 2011 das Contribuições Sociais
Espécies
Valores
*em bilhões de reais
INSS – Folha
271,588
COFINS
161,969
CSLL
59,710
CPMF
0,148
PIS
42,879
Total:
536,294

Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2012.

De forma a complementar os cálculos tem-se a tabela que demonstra os gastos do governo relativos a seguridade social. O que se pode observar é que a União em sua previsão de orçamento, estimou o gasto para custear a seguridade social no ano de 2011em 493 bilhões (quatrocentos e noventa e três bilhões de reais).


TABELA 2

Gastos Previstos no Orçamento da união – 2011
Destinação
Valores
*em bilhões de reais
Ministério da Saúde
68,5
Ministério da Previdência
351,1
Ministério do Trabalho e do Emprego
32,5
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
41,7
Total:
493,8

Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2012.

Destarte, para que se possa averiguar que é uma grande falácia a afirmação de existência do déficit da previdência, apenas é necessário compreender que a arrecadação foi muito maior que os gatos da União para custear a seguridade social. Isso porque da arrecadação restam R$ 42,5 bilhões (quarenta e dois bilhões e quinhentos milhões de reais) de superávit, que não são gastos com a seguridade social, demonstrando de forma precisa que não existe déficit.

3.  A Desvinculação das Receitas da União (DRU) e seus efeitos no superávit da seguridade social.

As contribuições especiais, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, são as espécies tributárias preferidas pelo Governo Federal para a instituição de novos tributos. Sempre que o governo precisa de aumentar a arrecadação, a regra é criar uma nova contribuição ou mesmo aumentar uma contribuição já existente. No âmbito federal, o valor arrecadado com as contribuições sociais é muito maior que o valor arrecadado através de impostos.

Por oportuno, inicialmente cabe esclarecer quais são as espécies de contribuições especiais: (i) as contribuições sociais que se subdividem em contribuições sociais de seguridade social e contribuições sociais gerais; (ii) contribuições de intervenção do domínio econômico – CIDES e as(iii) contribuições no interesse de categorias especiais.

O motivo desta predileção pelas contribuições especiais é o famoso viés necessidade x facilidade. Somente é possível que as contribuições sejam as mais exploradas pelo governo devido a três fatores determinantes.

O primeiro é que quando o governo cria um novo imposto, a sociedade tem uma receptividade muito negativa em relação ao ato do governo, sendo que o desgaste político é muito menor com relação as contribuições. E não somente isso, deve-se lembrar que, no que diz respeito aos impostos, tem-se a necessária repartição de receitas da União no que diz respeito ao montante da arrecadação. Isso significa que a União não fica com todo o dinheiro arrecadado, uma vez que, por expressa previsão constitucional,deve ela repartir o produto da arrecadação com os entes federados. Entretanto, isso não ocorre com as contribuições: o que o governo federal arrecada com elas, são mantidos exclusivamente nos cofres federais, não ocasionando a repartição de receitas.

Outro fator determinante para o aumento da carga tributária por meio de contribuições especiais é que diferentemente dos novos impostos, as contribuições especiais não precisam de lei complementar para sua criação. Especificadamente, em relação as contribuições sociais de seguridade social, as que já encontram-se previstas na CF/88 necessitam para serem criadas de Lei ordinária. E, apenas para as novas contribuições sociais que são aquelas que não se encontram na CF/88 é que seria necessário Lei Complementar para a sua criação.

Outrossim, deve-se ficar atento a uma primordial diferença entre as contribuições e os impostos. Enquanto “a característica peculiar das contribuições está na destinação do tributo a uma atuação específica. Sendo tributos afetados a execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica” (AMARO, 2012, p.107), o imposto, conforme expresso no artigo 16 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 2012) é “tributo cuja a obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Dessa forma, em breves considerações, ao contrário das contribuições, os impostos são tributos não vinculados a atividades estatais específicas, e se destinam a custear os gatos em gerais.

Nesse raciocínio, deve-se ficar bem claro que o governo federal pode muito bem se valer das facilidades encontradas para arrecadar dinheiro através das contribuições especiais. Todavia, não se pode haver um propósito de tratar as contribuições como se fossem impostos. E é nesse ponto que afirma Marciano Seabra Godoi:

O conceito de contribuições sociaise de intervenção do domínio econômico contido na Constituição originária promulgada em 1988 vem sendo paulatinamente desfigurado por diversas Emendas Constitucionais promulgas a partir de 1994. (GODOI, 2006, p. 07)

Por conseguinte, o que vem acontecendo é uma nítida intenção de desvirtuar as contribuições utilizando-as como sucedâneo de impostos. Veja: a princípio, quando o governo federal opta por criar contribuições devido a suas vantagens econômicas e facilidades formais, ele tem a sua arrecadação vinculada a determinada atividade estatal, não dispondo de liberdade para gastar os recursos em qualquer área. No entanto, a intenção de desvirtuar a instituição das contribuições era tamanha que foi criada a chamada Desvinculação das receitas da União (art. 76 ADCT),que por meio de emendas constitucionais, está permite e desvinculação de parcelas dos valores arrecadados com as contribuições. Cabe ressaltar, que a única contribuição que a partir de 2011 não se pode desvincular é a do salario educação (CF, art. 76, paragrafo 2, do ADCT).

Mas afinal, é espantoso perceber que essa desvinculação das contribuições tem como propósito primordial permitir a formação do famoso superávit primário, desfalcando os recursos provenientes das contribuições especiais ao seu propósito original. E acaba que fica a seguinte pergunta: até que ponto, como já foi comprovado pelos cálculos apresentados nesse mesmo artigo, é possível manter um superávit da previdência social, se 20% da arrecadação das contribuições sociais (com ressalva da advinda do salário educação), foram desvinculadas da natureza e função originariamente previstos na Constituição Federal que seriam o custeio da seguridade social (saúde, previdência e assistência social)?

Mais uma vez cabe citar aqui as lições de Marciano Seabra de Godoi que elucida bem qual o intuito das emendas constitucionais e das Desvinculações da Receitas da União:

A filosofia que perpassa todas essas Emendas é a mesma: desvincular uma parcela substancial das receitas tributárias daquelas finalidades originalmente determinadas pela Constituição de 1988, liberando as quantias assim desvinculadas para a formação do superávit primário que o governo federal reserva para o pagamento dos juros nominais principalmente aos credores da dívida interna. (GODOI, 2006, p. 08)

Para se entender melhor o efeito que se produz a desvinculação de 20% dasreceitas relativas a seguridade social, é necessário realizar o seguinte cálculo:extrai-se do total arrecado com as contribuições sociais de seguridade social previstas no art. 195 da CF o percentual de 20% permitido pelo artigo 76 da ADCT. Nesse sentido, no ano de 2011 tem-se como parcela desvinculada nada mais, nada menos que R$ 107 bilhões (cento e sete bilhões de reais).

De forma clara e precisa, fica evidente que o valor advindo da desvinculação torna inferiores os recursos disponíveis para financiar a seguridade social, e mais especificadamente, a previdência. Pois com a incidência das DRU o valor que era de R$ 536 bilhões para o custeio da seguridade social, passa a ser de 429 bilhões, sendo que conforme já demonstrado, para que ocorre superávit relacionado a seguridade social é necessário que se arrecade mais de 494 bilhões. Portanto, a seguridade social anda cobrindo déficits do tesouro, de forma deturpada, e para isso, ocasionando impacto maléfico e determinante nas contas da seguridade social.

4. A falácia do déficit da previdência social: a afronta a diversificação do financiamento da seguridade social trazido pela CF/88 e suas consequências.

Contrariando a ordem constitucional de financiamento da seguridade social, o Tesouro Nacional, ao realizar os cálculos relativos àsdespesas e arrecadação da previdência social, considera a previdência separada da saúde e assistência social. E não só isso, de forma arbitrária seleciona como única contribuição social a custear a previdência, a contribuição cobrada das empresas e dos segurados incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho que se encontra prevista no artigo 195, I, a e II da Constituição federal de 1988.

O cálculo utilizado para averiguação das contas da seguridade social que demonstra o tão divulgado déficit da previdência é o seguinte: total arrecadado anualmente com as contribuições do artigo 195, I, alínea “a” e II subtraído dos gastos do INSS com relação a aposentadorias e pensões. Considerando esta sistemática (repise-se, equivocada) de cálculo, em 2011, teríamos que o valor arrecadado foi de R$ 271,588 bilhões em contrapartida ao valor das despesas do INSS de R$ 351,1 bilhões,de fato corresponde a um resultado negativo de 79,512 bilhões. Este é o tão retratado déficit da previdência social. Entretanto, esse déficit não pode der sustentado uma vez que constitui um desrespeito a norma constitucional de financiamento da seguridade social da qual faz parte a previdência.

Diante disso, nota-se uma arbitrariedade na qual tem-se uma visível exclusão das demais contribuições sociais do art. 195 da CF/88. E ainda, tem-se uma hermenêutica equivocada em torno do que traz expresso o artigo 167 ,XI da CF/88 ao vedar que os recursos arrecadados através da contribuição social cobrada das empresas sobre a folha de salários, mais conhecida como INSS- Folha, sejam utilizados na saúde ou assistência social. Somente sendo possível, utiliza-los para custear os gastos da previdência.

O que deve ficar claro é que essa vedação, não pode ser interpretada como se por causa do INSS, que só pode ter apenas sua arrecadação gasta na previdência, somente ele custearia a previdência, excluindo as demais contribuições do artigo 195 da CF. Quando o que observa-se é que enquanto todas as contribuições custeiam a seguridade social, apenas uma é limitada.

Em momento algum, o artigo 167, XI CF veda que a CSSL (contribuição Social sobre o Lucro) ou a CONFINS possam custear as despesas da previdência social em conjunto com a saúde e assistência social. Até porque, conforme mencionado neste artigo, o financiamento que traz a Constituição é um financiamento da seguridade social e nela, todas as contribuições com exceção da do art. 195, I, alínea a, custeiam seus gastos.

Neste sentido, os Técnicos do Ministério da Fazenda, da Previdência Social eos economistas que manifestam sua opinião em mídias massificadas, trazendo para a população a apresentação de um déficit inexistente, ocasionam consequências que resultam em toda uma valoração moral que é construída em torno do famoso déficit. Nesse ponto, reflete a indignação com o déficit, nos aposentados e pensionistas,que seriam vistos como ocasionadores de uma imenso rombo das contas públicas, e consequentemente, teria que ser sustentado e amenizado por todos os contribuintes da previdência social.

Neste ponto, como consequência desse “déficit da previdência “ surgem e se constroem críticas relacionadas a um objetivo de reforma e melhorias de seu sistema. Conquanto, o que esse artigo visa não é adentrar a uma análise crítica sobre a reforma da previdência, suas consequências e necessidades, mas sim demonstrar que independente de existir ou não a necessidade de reforma de previdência, não se pode, nem pela mídia, muito menos pelo próprio governo ser atribuído e divulgado a sociedade um dado inexistente e falaciosocomo é o caso do “déficit da previdência social”.

5. CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 nos trouxe a regra de financiamento da seguridade social, como um todo, na qual se insere a previdência social. Considerando o orçamento geral da seguridade social e seus respectivos gastos, conforme restou devidamente demonstrado neste estudo, as contas fiscais fecham hoje com um superávit no valor de R$ 42,5 bilhões.

Nada obstante o desvirtuamento das contribuições, mediante a instituição desmedida deste tributo e da respectiva desvinculação das receitas através da DRU, fato é que a arrecadação do Governo hoje é mais do que suficiente para suportar os seus gastos com seguridade social.

É um equívoco considerar a previdência como um elemento apartado da seguridade social: trata-se de uma sistemática que vai de encontro à própria norma constitucional. Como conseqüência deste erro crasso é que costumeiramente se divulga a falsa noção de que as contas previdenciárias são deficitárias, que o nosso sistema de custeio da previdência está falido e necessita passar por uma reformulação.

Numa leitura deste discurso governamental, pode-se inclusive dizer que a veiculação massiva desta falácia tem como objetivo emplacar uma reforma que, no frigir dos ovos, vai acabar por resultar em maiores restrições aos cidadãos que dependem da previdência e, naturalmente, instituições de novos tributos,

Mas como restou demonstrado, é preciso acabar com a pérfida idéia de déficit da previdência social, para que se possa até mesmo de forma transparente discutir e aprimorar as polêmicas relacionadas a necessidade ou não de reforma da previdência, sem contudo, tenha-se como corolário um déficit inexistente.

REFERÊNCIAS

ANÁLISE da Arrecadação das Receitas Federais. Disponível emhttp://www.receita.fazenda.gov.br/publico/arre/2011/AnalisemensalDez11.pdf. Acesso em 10 de jun. 2012

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 18a ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BARROSO, Luíz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1a ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BONNER, Wilian. Déficit da Previdência Social chega a 36,5 bilhões. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/01/deficit-da-previdencia-social-chega-r-365-bilhoes.html> Acesso em 17 jun. 2012.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15 ed., rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

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GODOI, Marciano Seabra. O déficit da Previdência Social sob a ótica da Constituição Federal. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT Belo Horizonte,n. 26, Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=40232>. Acesso em: 9 maio 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32 ed. São Paulo: Malheiros,2011

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 26a ed. São Paulo: Atlas, 2010

ROMBO da previdência social cresce 12,6% e fecha ano em R$ 42,9%bilhões. Fenafisco. Disponível em<http://www.fenafisco.org.br/VerNoticia.aspx?IDNoticia=15539> acesso em 10 de jun. 2012

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32a ed. São Paulo: Malheiros editores, 2009.


Por ISABELLA FONSECA ALVES
Mestranda em Direito Processual pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerai, Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas- núcleo Praça da Liberdade). Advogada inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais, monitora de Direito Processual Civil III (março de 2012 a novembro de 2012), pesquisadora do Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo, extensionista na APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (março de 2012 a julho de 2013).

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