O início do segundo mandato da presidente Dilma foi marcado por uma mudança qualitativa da conjuntura, cujo marco central é perda de popularidade e de apoio político do governo. Sob circunstâncias normais o protagonismo do jogo político costuma ser, sempre, do governo. O Executivo, quando sustentado por maioria no parlamento, é quem pauta o Legislativo e a sociedade com suas iniciativas e projetos. Circunstancialmente a oposição consegue protagonizar algum lance capaz de incomodar o governo, mas esses casos são exceções.
A inversão da balança do poder entre Executivo e Legislativo não é o único elemento (des)estruturante do novo quadro conjuntural. Transformações importantes também estão em curso entre os partidos e dentro dos principais partidos políticos brasileiros. O marco central dessa transformação parece residir na constatação, por parte dos principais players da política brasileira, de que o PT não é apenas mais uma das legendas partidárias nacionais, mas sim, uma organização movida por uma estratégia hegemonista, orientada por um projeto de perpetuação no poder que passa pela destruição dos demais partidos, especialmente do PMDB e do PP.
A corrupção, nesse contexto, além de forma de financiamento desse projeto de poder, é usada pelo PT como ferramenta para destruir alguns dos principais personagens da política brasileira e seus partidos. O fato de que a filha de José Sarney, Renan Calheiros e Eduardo Cunha estejam envolvidos no escândalo do Petrolão e correndo sério risco de condenação e prisão introduz um ingrediente dramático ao jogo político, dada a centralidade desses personagens no controle do PMDB, partido que se constitui no fiel da balança da governabilidade há décadas; que se posicionou no controle do Congresso Nacional e usa suas posições no parlamento como arma para enfrentar o PT e barrar o projeto do partido de Lula.
A fragmentação da base alugada e as contradições e conflitos entre Calheiros e Cunha, nesse cenário, embora se constituam em elemento importante da disputa de poder dentro do PMDB e entre os partidos, interfere, de fato, como um elemento complicador para a articulação de vitórias em plenário por parte do Palácio do Planalto. Os peemedebistas se servem da confusão para encarecer o preço de seu apoio ao governo no parlamento.
A percepção, por parte dos demais partidos, da natureza do projeto de poder do PT levou ao isolamento dos petistas. O envolvimento do partido no escândalo do Petrolão está produzindo um abalo de grandes proporções na imagem e no poder do PT, cuja hemorragia em praça pública recém está no seu início e ameaça, inclusive, a própria existência da legenda.
Além disso, o conteúdo das medidas de ajuste fiscal a que o governo se vê obrigado a recorrer para corrigir as distorções econômicas produzidas a partir do segundo mandato de Lula constitui-se em mais um elemento desagregador do petismo, forçando-os a engolir suas próprias contradições para salvar seu governo moribundo, e gerando um uma fieira de traições e deserções puxadas pela saída de Marta Suplicy do partido.
Num cenário com esses ingredientes, o duro ajuste fiscal necessário e estratégico para que o país saia do quadro de inflação com recessão produzido pela política econômica petista virou moeda de troca nos jogos de poder intragovernistas. O vice-presidente Michel Temer, alçado à condição de articulador político do governo vem comemorando as parcas vitórias que costurou pescando votos na oposição para passar o ajuste fiscal, mas o fato é que os congressistas estão mitigando o ajuste das contas públicas com um jogo cínico no qual, ao mesmo tempo que aprovam as medidas do governo, paralelemente, aprovam outros gastos capazes de corroer o esforço fiscal e comprometer a saúde da economia e a sobrevida do governo Dilma.
O ministro Joaquim Levy, diante dessa situação, anuncia a necessidade de mais aumentos de impostos e de contingenciar R$ 78 bilhões do orçamento para compensar os novos gastos criados pelo parlamento. No entanto, logo encontra os limites de suas ameaças ao se defrontar com o risco de o remédio, nessa dose, matar o doente. Isto é, paralisar completamente o governo e asfixiar as forças de mercado já sobrecarregadas com a carga tributário escorchante que esfola o ímpeto empreendedor das empresas e indivíduos, desestimulados pela transferência descomunal transferência da riqueza socialmente produzida para sustentar um Estado ineficiente, gastador e corrupto.
Por mais malabarismos que faça o ministro Joaquim Levy e por mais que os editoriais da grande imprensa se esforcem para puxar as orelhas dos políticos que teimam em não colaborar para o sucesso do esforço fiscal, a cada dia que passa vai ficando claro que a variável política está impedindo o fechamento das contas que o ministro do Bradesco precisa entregar redondas.
Por outro lado, a reforma política, dessa vez pautada pelo Congresso como forma de conter o petismo e que aparentava dessa vez avançar em medidas saneadoras do jogo eleitoral, também, a cada dia que passa, vai se revelando um novo fogo de palha a ser apagado pelo balde de água gelada da falta de consenso entre os políticos sobre a ameaçadora mudança das regras com as quais se elegeram.
E, para tornar ainda mais complexo o cenário, o dono da UTC, empreiteiro Ricardo Pessoa, tido como capo do conluio de empreiteiras agenciadas pelo projeto de poder do petismo, assinou seu acordo de delação premiada revelando que dinheiro do Petrolão abasteceu os cofres da campanha da chapa Dilma/Temer, lançando a mácula da corrupção e da ilegitimidade sobre o mandato dos recém-eleitos, passíveis de cassação sem a necessidade de um processo de impeachment.
Não obstante essa possibilidade de desfecho judicial e a guerra de pareceres entre advogados de um lado e outro, o fato é que a possibilidade do impeachment, com ou sem a cassação do mandato da chapa eleita em 2014, segue pairando como um fantasma a assombrar as noites do petismo.
A inflação sobe, a recessão se aprofunda, o desemprego cresce, os panelaços se espalham pelo país, e dia 27 de maio próximo, mais um capítulo do movimento civil pelo impeachment terá seu desfecho com a chegada em Brasília da Marcha pela Liberdade, protagonizada pelo Movimento Brasil Livre, que pretende lotar a esplanada dos ministérios para pressionar o Congresso Nacional a acatar o processo de impedimento desse governo.
Assim, se alguém se julga tranquilo e confiante com o destino do ajuste fiscal e do governo Dilma, ou está mentindo ou não está entendendo nada.
Por Paulo Moura
Graduado em Ciências Sociais, Mestre em Ciência Política pela UFRGS, Doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Especialista em Educação à Distância pelo SENACRS, Diretor Presidente da PGM Consultoria em Comunicação e Planejamento Estratégico, Professor Adjunto com Doutorado da Universidade Luterana do Brasil onde ministra as disciplinas de Ciência Politica; Marketing Político e Pesquisa de Opinião. Atua na área de Ciência Política com ênfase em Análise Política, Estudos Eleitorais e Partidos Políticos e na Área de Comunicação Política e Marketing Político.
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