Enquanto sua cúpula despencava estrondosamente, na mais devastadora crise de sua história, a Petrobras finalmente descobriu o que devia fazer: propaganda. Enquanto os telefones do Palácio do Planalto operavam sem descanso na busca de voluntários que topassem substituir os diretores caídos, enquanto o valor das ações da empresa mergulhava rumo ao fundo do poço, a Petrobras veio a público mostrar a saída para sua agonia: uma campanha publicitária ufanista, oca e perdulária. Não satisfeita em desperdiçar fortunas no que não devia, por descaminhos que até hoje não explicou direito, a maior empresa do Brasil, a estatal cujo faturamento corresponde, em tempos normais, a algo como um décimo de todo o PIB, resolveu agora desperdiçar dinheiro também em publicidade. Pelo menos alguma coerência lhe restou: a coerência da gastança.
Os anúncios estão aí, em toda parte, oferecendo ao país a grandiloquência dos inimputáveis megalomaníacos. Na TV, o espetáculo ganha uma narrativa épica. Por pouco não surgem anjos soprando trombetas douradas em torno do próprio Deus, que, com um cajado verde e amarelo, abençoa os escombros morais como se fossem um prodígio colossal da engenharia, da ciência e do melhor governo da Terra.
Na tela, vemos imagens de superprodução hollywoodiana que promovem um desfile hiperbólico de plataformas com ares de estações espaciais da mais ousada ficção científica. Ao fundo, a voz do locutor, mais que patriótico, bíblico, proclama os feitos heroicos da companhia, que culminaram, por certo, com a gloriosa descoberta do pré-sal. Depois, vem a moral da história: “Hoje, os desafios são outros. Por isso estamos aprimorando a governança e a conformidade da gestão. Seja qual for o desafio, a nossa melhor resposta sempre será aquela que nos acompanha desde o começo. Superação. Esta é a Petrobras. Ontem, hoje e sempre, superando desafios. Todos eles”.
Pronto. Que final feliz! Tudo está bem e nada haverá de quebrar nossa querida Petrobras. Ao fim, vêm os carimbos das marcas que garantem a autenticidade daquelas palavras tão peremptórias. Como numa assinatura, sucedem-se na tela dois selos inconfundíveis. Primeiro, o logotipo da Petrobras, com seu bordão: “O desafio é a nossa energia”. Em seguida, o logotipo do segundo governo Dilma, com o dístico “Pátria Educadora”.
Levemos isso a sério. Já que temos sido oficialmente conclamados a ser uma “Pátria Educadora”, tratemos de ler as coisas da Pátria com a devida atenção. Divergências à parte, ninguém há de discordar que saber ler é essencial em matéria de instituições “educadoras”. Apliquemo-nos, então, num exercício de leitura. Dediquemos alguns minutos a ler a mensagem que a Petrobras, com sua delicadeza mastodôntica, atira contra nossos olhos e nossos ouvidos. Vamos lá.
Com seu bordão publicitário, “O desafio é a nossa energia”, a companhia quer nos convencer de uma dupla virtude. Primeiro, ela está preparada para vencer o desafio de produzir energia para o Brasil. Depois, ela sabe extrair motivação (energia interior) dos mais duros desafios que encontra pela frente. Entendeu a sacada publicitária? O slogan tem dois sentidos, sentidos espelhados, que se reforçam reciprocamente. A Petrobras é realmente magnífica: ela vence os desafios e adora enfrentar desafios. Fantástico, não é mesmo?
E não é só. Em se tratando de Petrobras, o genial slogan publicitário resume uma filosofia de vida. Por que ela agora está “aprimorando” a “governança”? Ora, é simples. Para vencer o desafio desse pessoal que ficou lá roubando sem parar, mas, também, e principalmente, para vencer esse outro pessoal que fica falando mal da empresa. Entendeu? Nada poderá deter a Petrobras. “Seja qual for o desafio, nossa melhor resposta sempre será aquela que nos acompanha desde o começo. Superação.” Traduzindo: podem cair todos os dirigentes da companhia, que não deram conta de calcular o tamanho do rombo, a empresa pode estar hoje sendo investigada pelo mundo afora, pode estar sendo criticada na imprensa, tudo bem, não há de ser nada, ela vai superar tudo isso. Afinal de contas, “esta é a Petrobras. Ontem, hoje e sempre, superando desafios. Todos eles”.
O que se espera do povo brasileiro com essa campanha tão edificante? Que respire aliviado e acredite. “Todos” os desafios serão superados, em todos os tempos. Nessa passagem, a campanha da Petrobras ressuscita uma expressão que fez escola na comunicação oficial da ditadura militar: “Ontem, hoje e sempre”. Hoje, como ontem, o poder pede que o brasileiro simplesmente bata palmas. Se bater continência, melhor ainda.
Eugênio Bucci
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