Não foram poucos os avisos no ano passado de que a renegociação da dívida dos estados e municípios criaria um nó fiscal e uma distribuição desigual de vantagens. O governo ignorou os alertas, menosprezou os riscos, e a lei foi aprovada e sancionada porque era ano eleitoral. Agora, a conta chegou. Há um problema com as contas: elas sempre chegam na hora que o custo é alto demais.
De volta ao começo para se entender a confusão em que o governo Dilma I nos colocou. Em 1996, começou uma difícil renegociação da dívida com os entes federados. Durou anos. Estados e maiores cidades tinham dívidas altíssimas, grande parte delas com bancos, e juros escorchantes. O governo Fernando Henrique negociou uma consolidação da dívida para que o credor fosse a União e ofereceu dois patamares de juros. IGP-DI mais 6% ao ano para quem fizesse um pagamento inicial através de empresa para ser privatizada ou com outros recursos; IGP-DI mais 9% para quem nada quisesse pagar de entrada. A cidade de São Paulo quis a segunda. Vários outros entes federados fizeram esforços para pagar menos juros.
Durou anos, mas foi a base na qual se redigiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. E lá está escrito que não poderia haver nova negociação. Naquele momento, os entes federados tiveram uma redução do custo da dívida, e, durante muito tempo, pagaram menos que os juros pagos pelo Tesouro. A cidade do Rio de Janeiro fez o caminho do ajuste em duas gestões na secretaria da Fazenda. Nas de Maria Silvia e de Eduarda La Rocque. Mesmo assim, Cesar Maia deixou de pagar e passou ao nível de juros mais altos. Depois disso, Eduarda La Rocque assumiu, fez o ajuste, pegou empréstimos externos, pagou o que devia e reduziu a dívida. São Paulo não fez o mesmo esforço. É por isso que o custo da dívida paulista é maior. Por outro lado, o Rio é hoje uma cidade em que as maiores obras são de financiamento federal, através do BNDES. Mas o momento político é do estardalhaço.
Estados e cidades menores que devem menos, ou que se esforçaram mais, vão ter menos vantagens que estados e cidades mais ricos, por um detalhe absurdo incluído na lei: a retroatividade. Não apenas se muda o indexador para IPCA mais 4%, mas isso tem efeito retroativo. De novo, economistas especializados na área fiscal escreveram, deram entrevistas, mostraram que seria uma insensatez. O governo da presidente Dilma ignorou porque era ano eleitoral e a questão fiscal foi tratada como se não houvesse amanhã.
A lei foi aprovada e sancionada. Quem alertou ficou falando sozinho ou foi ofendido. Agora, o governo argumenta que a lei autoriza, mas não determina. Não é assim que funciona na política. O governo cedeu e agora está enfraquecido. Os políticos querem se fortalecer nos seus estados e cidades, os governantes querem espaço para os seus projetos.
Outro erro que o governo comete agora é enviar o próprio ministro da Fazenda, sem qualquer para-choques, para enfrentar a tropa dos descontentes, onde os mais estridentes ou ardilosos são governistas. Joaquim Levy tem que ser preservado de embates diretos porque não é ele o articulador político. Levy pode ir explicar a crise econômica e fiscal do país, mas não pode ser lançado no meio de um tiroteio político.
O Congresso, quando vota um projeto que manda a lei ser cumprida, está no direito dele, da mesma forma que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, de entrar na Justiça. Eles podem ter outros objetivos, além do fiscal, mas se a lei foi aprovada — equivocada, perigosa, quebrando contratos — com o apoio do governo, e ainda foi sancionada, o erro está feito.
Alguém pagará, isso é certo. Se os estados e cidades não pagam vai para a conta do Tesouro. Outro risco está sobre as medidas propostas para o ajuste fiscal. Em cada uma delas o governo tem acenado com a possibilidade de concessões. Não se faz isso diante de um Congresso rebelado. Quem diz que pode ceder no pouco entregará o muito. Sem o ajuste fiscal para consertar os erros do primeiro mandato, a presidente Dilma terá dificuldades de superar a crise neste segundo mandato. Está na hora de o governo parar de errar e a presidente Dilma assumir o mandato que conquistou “fazendo o diabo para ganhar a eleição”, como prometeu.
Por Míriam Leitão e Alvaro Gribel
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