segunda-feira, 2 de março de 2015

Engolimento do Estado


As travessuras dos países latino americanos é preocupante e demonstra que existe insatisfação e muita falta de coerência em termos de governabilidade. A partir do momento que Piketi descreveu as assimetrias e evidenciou que as grandes corporações visam à performance aumentando os desníveis sociais, também vemos esse quadro mais recessivo nos países emergentes.

Não temos, infelizmente, instituições fortes, como os norte americanos. As grandes corporações se introduziram com seus tentáculos e praticaram canibalismo do estado brasileiro, com seu engolimento, a total dependência, notadamente para as sazonais épocas eleitorais. Esse capitalismo viciado no seu nascedouro está sendo testado, e a grande questão emblemática posta visa à preservação das empresas, uma espécie do antídoto da Lei 11101/05.

Porém, como poderemos preservar núcleos engalanados na corrupção e na falta de competição? Verdade seja dita a fragilidade da governabilidade somada à destruição pela corrupção fizeram quebrar a noção de Estado Nação. Assim, vivemos um momento bastante rico nas circunstâncias e extremamente pobre nos seus reflexos, pois não conseguimos montar guardas, sentinelas e operações que preservem a higidez e a saúde das empresas como um todo.

Ninguém se importa com a restituição aos cofres públicos dos bilhões desviados em troca de favores e mais ganhos. Ao que tudo indica, grandes obras já começam a sentir os efeitos paralisantes. Uma solução de continuidade que poderá desaguar na necessidade de prepararmos médias e pequenas empresas a vestirem a camisa e entrarem no jogo. Muito se fala, aliás é coisa típica dos latino americanos, mas pouco se faz ou reage.

A cidadania precisa de provas contundentes e cabais que o seu imposto retornará em serviços, que a democracia, depois de trinta anos, não é uma legenda partidária, na projeção de representação forte, firme e sólida dentro do seu espírito de vivenciar problemas sociais profundos. Essa tendência já vinha sendo alertada nos países de primeiro mundo, com uma diferença: os órgãos de regulação funcionam, as multas são pesadas e pagas, e cada responsável é preso e cumpre regularmente a pena.

No Japão basta dizer que um político tem alguma coisa de irregular que ele se demite quando não se mata. Aqui no Brasil, parece que a exceção se tornou regra. Centenas de processos abarrotam o STF que, à míngua do quadro completo, patina no julgamento daqueles que têm foro privilegiado, e a sociedade não tem clara a noção e o alcance do dinheiro sorvido.

Essa contramão da história alija o Brasil do primeiro mundo. O grau de investimento corre sério risco, e o mercado acionário não pode ser arranhado ou tratado como se fosse um proselitismo. O marcante desrespeito ao acionista minoritário fez com que dezenas de fundos e investidores estrangeiros vendessem tudo e partissem para países mais seguros.

Não se trata de especulação ou puro rentismo, mas sim de entrada de valores que privilegiam as empresas, as quais não podem ser capitalizadas por bancos e fundos em razão da carestia dos juros ou de perda do controle acionário. Em tempos de crise, a saída é de natureza
institucional, sem dúvida, mas estamos preparados para as regras democráticas?

Naturalmente, sim, e não basta o fogo amigo mas o patriotismo, o senso de caráter, decência e honestidade. A presença de dinheiro não declarado no exterior mancha e denigre a imagem, pois que a Receita Federal tem o dever de fazer o rastreamento e punir com o rigor legal a todos que levaram dinheiro sem fazer declaração, e muitas vezes na operação de lavagem.

No começo do ano 2000, tínhamos ótimas perspectivas de crescimento e desenvolvimento, mas não aproveitamos o bom nível da maré, e caímos na armadilha do capitalismo de estado, nas benesses sociais e no credenciamento de lideranças responsáveis pela tempestade perfeita. Agora, quando a situação recrudesce e se degringola, medidas drásticas precisam ser tomadas e os assalariados e a classe média pagarão a conta da irresponsabilidade de poucos.

O Estado Brasileiro, ao longo dos anos, com o seu viés social perdeu o rumo, a confiança e a credibilidade, fazendo com que o descarrilamento se tornasse uma realidade e a toda velocidade, esparramando rastros de inatividade por todos os lados e cantos do imenso País. Fugimos do FMI e agora caímos na tentação do macroendividamento público, com contas a pagar, saldos e restos, e com a grande dúvida: se as grandes empreiteiras não puderem fazer os serviços a quem deveremos nos socorrer?

Nada complexo, basta que o núcleo viciado seja desmembrado e se recriem consórcios com transparência e, acima de tudo, com perfomance bond e cláusula de seguro. Se, no prazo, a obra não for concluída, a seguradora ressarci e chama outra empresa para término dos trabalhos.

O Brasil tem jeito. O problema é que diuturnamente o Estado é engolido pela corrupção, pelas grandes corporações, interesses menores, de grupelhos que se cercam dele para privilégios escusos. E se não formos capazes de colocar o Estado no seu devido lugar, patinaremos muitos anos para que a sociedade civil encontre nas instituições a pujança da democracia.






Por Carlos Henrique Abrão

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