Planalto se vê hoje com pouca ascendência sobre Congresso e vulnerável às demonstrações de força da cúpula peemedebista
A impressão que se tem é que, a cada dia que passa, surge um novo e grave problema a enfrentar. A penosa agenda da reconstrução da economia continua em aberto. Não parece ter fim. A combinação perversa de recessão, aceleração inflacionária, insustentabilidade fiscal e desequilíbrio externo — agravada pelas crises da Petrobras e do setor elétrico — vem-se desdobrando em vasto leque de problemas específicos de solução assustadoramente difícil. E quanto mais nítidas se tornam as reais proporções do desafio que o país tem pela frente, mais preocupantes parecem a fragilidade e o despreparo do governo para levar adiante a reconstrução que se faz necessária.
O que mais impressiona é que, diante dessa agenda tão pesada, o Planalto se tenha permitido dilapidação tão devastadora de seu capital político em menos de 90 dias do segundo mandato. Na esteira das retaliações que se seguiram à desastrosa tentativa de tornar o governo menos dependente do PMDB, o Planalto se vê hoje com pouca ascendência sobre o Congresso e perigosamente vulnerável às demonstrações de força da cúpula peemedebista.
Não é só pela extensão da perda do apoio parlamentar que a dilapidação de capital político pode ser aferida, mas também pela vertiginosa deterioração da imagem da presidente e da avaliação do seu governo, evidenciada pelas pesquisas de opinião, e pela surpreendente escala das manifestações de 15 de março.
Não bastassem todas essas dificuldades, o governo se vê agora envolvido num grande embate federativo em campo aberto, em torno da renegociação das dívidas dos governos subnacionais com a União. Tendo concordado em abrir a caixa de Pandora dessa renegociação no final do primeiro mandato, para propiciar alívio fiscal sob medida a prefeitos aliados, o Planalto percebe, afinal, que não tem como fechá-la, por mais que, agora, lhe pareça que a distribuição de benesses seria, a esta altura, “absolutamente inconsequente”.
Diante da disposição do Congresso de exigir que a União conceda as reduções de dívidas pleiteadas pelos governos subnacionais, é difícil que, com a simples alegação de que “nós estamos fazendo um imenso esforço fiscal” e “não temos condições de fazer essa despesa agora”, a presidente possa comover a ampla frente parlamentar mobilizada para dar apoio à medida. É mais um revés para o ajuste que se faz necessário nas contas públicas. Um novo e grande esqueleto a ser debitado ao surto de irresponsabilidade fiscal que marcou o primeiro mandato da presidente Dilma.
Nada disso tira o mérito do esforço de ajuste fiscal que vem sendo comandado pelo ministro Joaquim Levy. Muito pelo contrário. Especialmente quando, depois de tantos anos, o ajuste vem afinal respaldado por um discurso econômico que faz sentido. Mas há que se perceber com clareza a dura realidade que vem sendo enfrentada. A montagem da coalizão requerida para a aprovação das medidas no Congresso avança com inegável dificuldade. É bem possível que a aprovação não ocorra antes de junho. E não se sabe em que extensão as medidas serão afinal desfiguradas.
Nesse quadro, cada esqueleto e cada revés, como o da renegociação forçada das dívidas dos governos subnacionais com a União, levantam dúvidas adicionais sobre as limitações do esforço de ajuste fiscal em curso. É bem sabido que, mesmo que a meta de 1,2% do PIB para o superávit primário seja rigorosamente cumprida, a dívida bruta do setor público, como proporção do PIB, deverá mostrar nova e expressiva elevação em 2015. E quanto maiores os esqueletos desenterrados ao longo do ano, maior será tal elevação.
Para que a sustentabilidade fiscal possa ser restaurada, o esforço de 2015 terá de ser só o primeiro passo de um processo mais longo e ambicioso de ajuste fiscal, que perdure pela maior parte do atual governo. E é isso que continua pouco crível, tendo em vista a falta de convicção da presidente e a alarmante fragilização política do Planalto.
Por Rogério Furquim Werneck
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