sábado, 21 de março de 2015

Dilma não pretende combater a corrupção


“Pesquisa Datafolha realizada durante a manifestação do último domingo (15) em São Paulo indica que a maior parte dos participantes do ato (47%) foi à Avenida Paulista para protestar contra a corrupção” (Portal G1, dia 17 de março de 2015). Não parece que a motivação principal foi diferente nas demais cidades que registraram manifestações no dia 15 de março.

Segundo a Presidente Dilma Rousseff, “ela [a corrupção] não só é uma senhora bastante idosa neste País como ela não poupa ninguém”. Portanto, na visão de Sua Excelência, a corrupção é um problema antigo e generalizado.

O Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reunido na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, nos dias 5 e 6 de março de 2015, afirmou: “A gravidade e a recorrência dos casos de corrupção demonstram que o problema possui abrangência sistêmica no Brasil. Não são episódios isolados, mas integram um ambiente geral, consolidado historicamente, que abrange todas as esferas da administração pública brasileira. Problemas sistêmicos demandam soluções sistêmicas”.

Registro que o vocábulo “corrupção” é tomado neste escrito em sentido amplíssimo, tal como referido coloquialmente nos mais variados espaços sociais. Envolve todo tipo de malversação do dinheiro público, dilapidação do patrimônio público, atos de improbidade administrativa e outras figuras assemelhadas com nomenclaturas jurídicas diversas e tratamentos legais específicos.

Esse (a corrupção ampla e generalizada) é um dos principais problemas na atual quadra histórica da nação brasileira. Importa pontuar que os mais recentes escândalos de corrupção (“mensalão” e “petrolão”) e a forma da cobertura midiática termina por encobrir outros problemas igualmente graves ou mais graves. Cito, entre eles, o estratosférico pagamento anual de juros e encargos da dívida pública, assunto praticamente esquecido na (grande) imprensa e nos debates políticos e sociais. De todos, creio que o mais relevante dos problemas do Brasil consiste na apropriação profundamente desigual da riqueza produzida, viabilizada por um conjunto de mecanismos políticos, sociais, financeiros e econômicos cuidadosamente construídos e mantidos pelas elites dirigentes (latifundiários, banqueiros, especuladores, grandes empresários e barões da grande mídia). É importante destacar que as classes médias “tradicionais” não são as elites socioeconômicas do Brasil, como verbaliza erroneamente parte dos setores que buscam sustentar o governo Dilma/Lula/PT/PMDB.

Cumpre também observar que as passeatas e campanhas na internet são providências necessárias, mas insuficientes, no longo e penoso processo de combate à corrupção. São necessárias porque mantêm o assunto na “ordem do dia” e definem o campo social majoritário contra a corrupção. São insuficientes porque não atacam as condições objetivas viabilizadoras dos atos concretos de corrupção que chegam, e que não chegam, ao noticiário da grande imprensa. Não é possível alimentar a ilusão de que o combate à corrupção se constitui numa cruzada contra os degenerados morais com vistas a conversão ética desses.

O tratamento sério e consequente da temática do combate à corrupção impõe o desenvolvimento de ações planejadas, organizadas, enérgicas e permanentes que ataquem as causas do nefasto fenômeno e contemplem, com os pesos ou ênfases pertinentes, as três vertentes fundamentais da prevenção, controle e punição.

Assim, um conjunto consequente de medidas de combate à corrupção, como fenômeno generalizado e complexo, precisa contemplar, entre outras: a) o controle social sobre os gastos, órgãos e entidades públicas; b) a profissionalização da Administração Pública com a redução drástica de cargos comissionados e funções de confiança; c) profundas restrições na discricionariedade da execução orçamentária por parte do Poder Executivo; d) uma profunda reforma político-eleitoral com caráter popular e democrático que envolva: d.1) modelos eleitorais que facilitem e aprofundem os vínculos dos eleitos com os eleitores; d.2) eliminação do financiamento empresarial das campanhas; d.3) redução radical dos custos/gastos das campanhas; d.4) fim das coligações nas eleições proporcionais; d.5) fim da reeleição para os cargos do Executivo e d.6) revogação de mandatos; e) valorização e fortalecimento dos órgãos e mecanismos de controle, em especial da Advocacia Pública como um importantíssimo (o mais efetivo) instrumento de controle preventivo de desvios e ilícitos das mais variadas naturezas, com autonomias administrativa e financeira; e) adoção de decisões colegiadas, no âmbito da Administração Pública, para tratar de certos interesses particulares (fiscalização de contratos e pagamentos) e f) revisão e racionalização cuidadosa dos procedimentos licitatórios e de realização de despesas públicas.

Não se pode perder de vista, ademais, que o combate à corrupção envolve um sério (seriíssimo, melhor dizendo) enfrentamento à tolerância histórica com essa prática e outros procedimentos similares. Está enraizada na formação da sociedade brasileira e na própria construção do Estado a ideia de que o “esperto”, aquele que leva todo tipo de vantagem (lícita e ilícita, em espaços públicos e privados), é merecedor de todos os elogios e é sinônimo de sucesso. Vigora, de forma ampla, a hipocrisia de que “os outros” são corruptos, “os meus” são “espertos”, “competentes”, “desenrolados”, “jeitosos”, “maleáveis”, “flexíveis”, “compreensivos”, “habilidosos” ou coisa que o valha. Até o conhecido “jeitinho brasileiro” em inúmeros casos e situações descamba para justificar as mazelas mais condenáveis no cotidiano da sociedade. Exemplifico, nessa linha, um conjunto de condutas, “socialmente aceitas”, que merecem profunda reflexão justamente em função dessa “aceitação”: “colar” em provas; copiar obras alheias sem declinar a autoria, “encomendar” a elaboração de trabalhos acadêmicos, responder chamadas escolares por colegas, subornar autoridades de trânsito, viajar em transportes urbanos sem pagar, estacionar em fila dupla, dirigir sob a influência de bebidas alcoólicas, fabricar atestados médicos, modificar dados em documentos, “capturar” o sinal da tv a cabo, criar e alimentar várias modalidades de “gatos”, jogar (ou mais propriamente, arremessar) toda espécie de lixo nas vias públicas, etc, etc, etc.

Nessa linha, é rigorosamente risível o pacote (ou plano) de combate à corrupção apresentado pela Presidente da República no dia 18 de março. As medidas compreendem: a) criminalização do caixa 2; b) criminalização da “lavagem eleitoral”; c) ação de extinção de domínio ou perda de propriedade ou posse de bens; d) alienação antecipada de bens apreendidos; e) ficha limpa para servidores públicos; f) tipificação do enriquecimento ilícito e g) regulamentação da Lei Anticorrupção.

Observa-se que as causas mais relevantes da corrupção no Brasil não foram atacadas pelo “pacote Dilma”. As ações preventivas não foram prestigiadas e as instituições e mecanismos de controle foram esquecidos. Apostou-se, quase que exclusivamente, por pura pirotecnia midiática, em medidas punitivas aplicáveis depois de realizados e identificados os atos de corrupção.

Essa luta, portanto, precisa continuar nas ruas e nos vários espaços sociais e institucionais. Infelizmente, a Presidente da República e seu (des)governo não se apresentam como aliados sérios e consequentes nessa importante batalha.



Por Aldemario Araujo Castro

Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)

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