O ex-diretor da Petrobras e o doleiro falam fácil como Don Masino, mas resta saber se legalmente eles podem se valer da delação premiada
Então está combinado: a gente vai roubando verbas, desviando recursos e traficando influência, corrompendo e lavando dinheiro – e quem
for preso dá o serviço para a Polícia Federal e para o Ministério Público, entrega os comparsas em troca de redução de pena ou da liberdade. Essa é a logística que vem sendo seguida (quem sabe antecipadamente montada caso a casa caísse) pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e um de seus operadores, o megadoleiro Alberto Youssef. Se tudo sair como planejam, a coisa ficou fácil demais para a malandragem sofisticada. Eles são réus no processo decorrente da Operação Lava Jato sob a acusação de organizarem uma rede de debandada de recursos da estatal envolvendo políticos e altos executivos da empresa. O rombo gira em torno dos R$ 10 bilhões, aproximadamente 60 vezes os R$ 165 milhões levados em 2005 do Banco Central de Fortaleza no maior assalto a uma instituição financeira do País.
Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, se condenados, podem ser sentenciados juntos a dois séculos de prisão e por isso correram a se abrigar no instituto jurídico que prevê a redução de até dois terços da pena a quem facilita a vida da polícia colaborando com as investigações – isso leva o nome técnico de delação premiada. Na mais rastaquera das quadrilhas, no entanto, eles não teriam lugar sequer de porteiro: nela delatar significa “não ter osso na língua” e o prêmio para a delação é o cemitério. Pode-se questionar, também, se há lugar para o ex-diretor e o doleiro na legislação da delação premiada, da qual estão se beneficiando. É aí que tudo pode dar em nada. A inspiração desse caminho processual vem dos EUA, onde se chama “instituto da barganha” e por meio dele as autoridades americanas colocaram na cadeia diversos chefões da máfia – o delator foi Tommaso Buscetta. No Brasil a Lei 12.850, que trata “Da Colaboração Premiada”, refere-se ao crime organizado (narcotráfico), não ao crime financeiro porque nele as quadrilhas não são enquadradas como organizações criminosas – serve de exemplo a Lei 8.137, que abrange os delitos contra a ordem tributária e não contempla nenhum prêmio ou barganha na delação. Youssef poderia se valer então da Lei 12.850 em relação à investigação de ganho de dinheiro com tráfico de drogas, mas provavelmente se livrará dessa acusação, uma vez que o próprio Ministério Público entendeu que não há provas suficientes para denunciá-lo. Jamais poderia, porém, ter recorrido à tal lei para os crimes de evasão de divisas ligados à Petrobras.
Nos EUA o mafioso arrependido foi premiado com diversas cirurgias plásticas que transformaram o seu rosto, mas somente depois que se comprovou que ele de fato citara os poderosos – e, igualmente importante, após a polícia prender tais figurões. O rebuliço feito aqui com a publicidade de que Costa pedira a delação já é motivo de anulá-la se a lei for seguida à risca, uma vez que não são apenas os nomes dos delatados que não podem ser vazados mas também o próprio fato de alguém estar delatando sob premiação precisa por força legal ser mantido em sigilo. Tudo, porém, segue em frente apesar do estardalhaço, e é bom que estejamos sabendo quem pode estar envolvido. Pode valer a pena se as informações dadas por Costa tiverem o calibre daquelas prestadas por Don Masino à Justiça americana, e se a Polícia Federal, comprovada a veracidade da denúncia, apresentar algemados os poderosos delatados. No caso de Youssef não tem jogo não. A lei “Da Colaboração Premiada” requisita o “arrependimento eficaz” do delator. Ele já se beneficiou dessa legislação em 2004, comprometeu-se com a regeneração mas persistiu na carreira de criminoso profissional. Certamente nenhum brasileiro que ganhe a vida honestamente apostaria outra vez no arrependimento do doleiro nem pagaria para ver o seu blefe se repetir.
Por Antonio Carlos Prado
Editor executivo da revista ISTOÉ
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