Época entrevista Christopher Garman (Por Guilherme Evelin)
O consultor político vê uma combinação perigosa em 2015: uma presidente politicamente fraca, sem a confiança dos investidores, num cenário externo difícil
A especialidade da consultoria internacional Eurasia, onde o cientista político Christopher Garman trabalha como diretor para mercados emergentes, é antecipar cenários de risco político para seus clientes: instituições financeiras, corporações multinacionais, governos. De Washington, nos Estados Unidos, onde trabalha, Garman vê um campo minado adiante da presidente Dilma Rousseff em seu próximo mandato. Garman tem dupla cidadania, americana e brasileira, fala fluentemente português e vem com frequência ao Brasil, onde morou por muitos anos. Nesta entrevista, analisa o cenário com a reeleição de Dilma, em cuja vitória ele sempre apostou.
ÉPOCA – O que esperar de um segundo governo Dilma?
Christopher Garman – O segundo mandato dela será o oposto do primeiro. O primeiro mandato foi um governo em que a figura dela, politicamente, foi muito forte. Ela fez uma espécie de ativismo industrial, testou os limites da política econômica em favor da indústria. Isso se traduziu em políticas de conteúdo nacional e em políticas setoriais com metas de governo. No segundo mandato, teremos um ambiente econômico mais difícil. Isso empurrará o governo para uma política econômica um pouco mais amigável ao mercado. Dilma será politicamente muito mais fraca.
ÉPOCA – Por que será um governo fraco?
Garman – Ela entrará em seu segundo mandato com uma quebra em seus índices de aprovação. Nos últimos meses, sua aprovação subiu quase 10 pontos percentuais. Mas isso foi puro efeito de campanha. Isso tende a ir embora quando a campanha terminar. Estamos em recessão técnica. Haverá ajustes no mercado de trabalho, e a renda real poderá cair. Se isso ocorrer, a popularidade dela cairá. Mesmo porque ela terá de honrar compromissos com seus aliados, que pressionam por mais gastos. Ela tentará melhorar a gestão macroeconômica, mas essas melhoras não serão fortes o suficiente para superar o deficit de credibilidade do governo. Ela tentará fazer um ajuste fiscal incremental, como o repasse gradual de preços. Num momento em que o contexto internacional econômico piora para o Brasil, isso dificilmente dará ânimo aos investidores privados, de modo a facilitar um ciclo maior de investimentos.
ÉPOCA – O senhor não crê no êxito de um ajuste gradual?
Garman – Entendo o diagnóstico da corrente econômica dela, que argumenta contra ajustes fiscais rigorosos. Dilma diz que, se houver um choque fiscal muito profundo, o quadro de recessão se agravará e impactará a capacidade de arrecadação e a credibilidade na solvência fiscal. O problema dela é subestimar a importância da credibilidade no mercado financeiro, fundamental para promover um ajuste fiscal gradual. Se você minou essa credibilidade, inflou artificialmente suas contas fiscais, e depois anuncia um ajuste gradual, os agentes do mercado não acreditarão. Isso dificulta o trabalho de ancorar as expectativas de inflação e diminuir o custo de endividamento. Até acredito que o novo ministro da Fazenda fará pressão para que os agentes de mercado acreditem num ajuste fiscal gradual. Mas dificilmente será bem-sucedido.
ÉPOCA – Como ela poderia reconquistar essa credibilidade?
Garman – O principal meio seria nomear um ministro da Fazenda com um nome forte no mercado e reputação de responsabilidade fiscal, para tornar o ajuste gradual crível.
ÉPOCA – Entre os nomes cogitados para o Ministério da Fazenda, como Aloizio Mercadante, Luciano Coutinho, Nelson Barbosa, Alexandre Tombini ou Josué Alencar, o senhor vê algum com capital político para angariar essa confiança?
Garman – Há diferenças entre esses nomes. Tanto Nelson Barbosa quanto Luciano Coutinho são nomes com reputação fiscal boa. Mercadante seria visto como uma aposta em dobro do modelo atual. E Josué é uma incógnita, porque ele vem da indústria. Não se sabe se tem uma visão de cenário macroeconômico. Melhorariam a situação atual, mas não atenderiam à expectativa de credibilidade do mercado financeiro, porque seria a escolha de alguém que já está em casa e é ligado à presidente. Isso será entendido como um sinal de que ela continuará a controlar a política econômica, não corresponde a um sentimento de mudança. De qualquer forma, nenhum nome conquistará de imediato a confiança do mercado financeiro. Isso significa que essa confiança deverá ser construída, com o anúncio dos nomes do restante do time do Ministério da Fazenda.
ÉPOCA – O próximo Congresso será mais fragmentado que nunca, com 28 partidos na Câmara dos Deputados. Como ela lidará com essa pulverização no Legislativo?
Garman – Certamente, formar coalizões será mais difícil. Além do problema da queda na popularidade, Dilma terá uma crise política possivelmente “contratada” para 2015, as investigações em torno da Petrobras. É difícil saber como isso se desenrolará. Mas a probabilidade de o tema ganhar fôlego é grande, à medida que depoimentos forem revelados e integrantes do governo e do PT acabarem comprometidos. Será um calcanhar de aquiles, porque ela estará particularmente fraca, num momento de dificuldades econômicas. Estamos também de olho no relacionamento dela com a velha guarda do PT e com Lula.
ÉPOCA – Como deverá ficar a relação de Dilma com Lula?
Garman – É uma relação em que um depende do outro. Tem sido marcada por algumas tensões no meio do caminho. A crise da Petrobras tem o potencial de estremecer a relação entre os dois. Se o escândalo da Petrobras jogar luz sobre integrantes do governo, sua forma de agir será decisiva. Se ela virar as costas para a velha guarda do PT, isso poderá estremecer sua relação com Lula. Será uma situação difícil para ela navegar. Ela terá de lidar com uma crise econômica e com uma crise política capaz de dificultar sua relação com o próprio PT. Em 2005, Lula enfrentou a crise política do mensalão, mas a economia crescia, e ele trouxe para seu lado o PMDB. Hoje, Dilma não conta com isso. Há dois caminhos possíveis nessa investigação do petrolão. Ou o escândalo se aproximará mais dela, ou se aproximará mais de Lula. Tudo dependerá muito desses desdobramentos.
ÉPOCA – Mesmo perdendo, a oposição sai da eleição fortalecida. Como deverá ser seu comportamento?
Garman – A oposição sai desta eleição com uma perspectiva muito forte de vitória em 2018, porque teremos o segundo mandato de uma presidente politicamente fraca, com baixa capacidade de imprimir uma agenda positiva. Temos também de levar em consideração o surgimento de uma segunda oposição, representada por Marina Silva. O fato de ela ter conseguido quase o mesmo número de votos de 2010 é significativo. Se ela conseguir manejar o capital político que conseguiu e deixar de ser uma candidata de protesto para se tornar uma candidata de propostas, ela permanecerá uma força política.
ÉPOCA – O senhor descarta totalmente a hipótese de que Dilma dobre a aposta na política econômica?
Garman – Ela não é totalmente descartada. Mas é improvável. Alguns dizem: se Dilma é reeleita depois do que fez ao longo dos últimos quatro anos, por que mudaria? Falar que ela dobrará a aposta significa dizer que Dilma não se preocupa com inflação. Isso não é verdade. Temos de nos lembrar que a gênese do sucesso econômico do governo Lula foi fazer um ajuste fiscal e domar a inflação. O Planalto pode até aceitar uma inflação entre 6% e 6,5%. Mas fica preocupado quando a coisa passa disso. No ano passado, uma corrente no mercado acreditava que o Banco Central não tinha liberdade de aumentar os juros em dois dígitos. Aumentou. Portanto, à medida que a situação aperta, o governo reage. O que vemos no Palácio do Planalto não é um governo que quer dobrar sua aposta, mas que quer ampliar as concessões e abrir mais espaço para investimentos privados, principalmente nos setores de logística, infraestrutura e energia. A noção de que ela caminhará para uma política como da Argentina ou da Venezuela é pouco provável.
ÉPOCA – O cenário externo complicado para o Brasil também será um constrangimento, não?
Garman – O Brasil terá de lidar, provavelmente, com um aperto monetário do FED (o Banco Central americano), que reduzirá a liquidez nos mercados emergentes, num contexto em que a China terá um crescimento menor, e os preços de commodities estarão em baixa, como já mostra o preço do barril do petróleo. Poderemos ter, em 2015, a combinação de um governo Dilma com baixa credibilidade perante o mercado, pequena sustentação política, um escândalo da Petrobras já “contratado” e um cenário econômico externo complicado. Essa, sim, pode ser uma tempestade perfeita. Não é uma certeza, mas é um risco.práxis (imperativo da atividade humana prática) marxista do início do século
passado, cuja influência se estende até hoje na vida acadêmica, aqui e alhures. Foi
um pensador que ousou apontar erros de Marx em sua visão da História. Não
acreditava em leis históricas inexoráveis que levariam automaticamente a classe
trabalhadora ao poder. Também discordava de Lenin, que via no econômico o
fator determinante da mudança e a cultura como peça ancilar do processo que
levaria ao comunismo na etapa final.
Nessa linha, desenvolveu o famoso conceito de hegemonia orgânica, a ser
construída por intelectuais devidamente treinados oriundos da classe
trabalhadora. O poder da burguesia, segundo ele, não emanava apenas do
dinheiro, mas do poder das ideias embutido na cultura dominante. Não seria
suficiente controlar os instrumentos de poder da sociedade política: a polícia, o
exército, o sistema legal, etc. Era preciso ir além e se assenhorear, primeiro, dos
pilares em que se assenta a sociedade civil: a família, o sistema educacional, os
sindicatos, etc.
A primeira é o reino da força e a segunda, do consentimento. Feita a cabeça da
população, a conquista da sociedade política estaria naturalmente validada. Esse
trabalho de conquistar mentes e corações caberia aos intelectuais, ditos orgânicos
por Gramsci, em contraposição aos tradicionais, que estariam por ora no manejo
dos cordões que perpetuam, via cultura, a manutenção do regime capitalista.
Parece-me que o melhor modo de entender a questão de fundo envolvida nesse
processo é a tese desenvolvida por Hannah Arendt em seu brilhante livro A
Promessa da Política. Ali ela nos fala da ilustre tradição de liberdade política,
nascida com Platão e Aristóteles, de respeito ao outro como Homo politicus. Ela
nos chama a atenção para a praça pública grega, berço da democracia ocidental,
onde as diferentes opiniões eram livremente debatidas e as decisões eram tomadas
pelo voto igualitário dos cidadãos livres.
Também nos relembra a atitude do Império Romano, a despeito da força das
armas, em relação aos povos conquistados. A Pax Romana conseguia abrir espaço
para uma convivência relativamente pacífica, em que a eliminação física dos povos
sob o domínio de Roma nunca se constituiu num objetivo sistemático do império,
salvo em alguns casos excepcionais, como o de Cartago.
Pois bem, essa ilustre tradição da vida política ocidental perdurou por 2 mil anos
até que pensadores como Hegel e Marx abriram as portas, no plano filosófico, para
as trágicas experiências totalitárias que se materializaram com o nazismo e o
comunismo. Em última instância, o que aconteceu é que suprimiram, na prática, o
espaço de manifestação do outro, aquele que discorda de nós. É nessa vertente que
ÉPOCA – O que esperar de um segundo governo Dilma?
Christopher Garman – O segundo mandato dela será o oposto do primeiro. O primeiro mandato foi um governo em que a figura dela, politicamente, foi muito forte. Ela fez uma espécie de ativismo industrial, testou os limites da política econômica em favor da indústria. Isso se traduziu em políticas de conteúdo nacional e em políticas setoriais com metas de governo. No segundo mandato, teremos um ambiente econômico mais difícil. Isso empurrará o governo para uma política econômica um pouco mais amigável ao mercado. Dilma será politicamente muito mais fraca.
ÉPOCA – Por que será um governo fraco?
Garman – Ela entrará em seu segundo mandato com uma quebra em seus índices de aprovação. Nos últimos meses, sua aprovação subiu quase 10 pontos percentuais. Mas isso foi puro efeito de campanha. Isso tende a ir embora quando a campanha terminar. Estamos em recessão técnica. Haverá ajustes no mercado de trabalho, e a renda real poderá cair. Se isso ocorrer, a popularidade dela cairá. Mesmo porque ela terá de honrar compromissos com seus aliados, que pressionam por mais gastos. Ela tentará melhorar a gestão macroeconômica, mas essas melhoras não serão fortes o suficiente para superar o deficit de credibilidade do governo. Ela tentará fazer um ajuste fiscal incremental, como o repasse gradual de preços. Num momento em que o contexto internacional econômico piora para o Brasil, isso dificilmente dará ânimo aos investidores privados, de modo a facilitar um ciclo maior de investimentos.
ÉPOCA – O senhor não crê no êxito de um ajuste gradual?
Garman – Entendo o diagnóstico da corrente econômica dela, que argumenta contra ajustes fiscais rigorosos. Dilma diz que, se houver um choque fiscal muito profundo, o quadro de recessão se agravará e impactará a capacidade de arrecadação e a credibilidade na solvência fiscal. O problema dela é subestimar a importância da credibilidade no mercado financeiro, fundamental para promover um ajuste fiscal gradual. Se você minou essa credibilidade, inflou artificialmente suas contas fiscais, e depois anuncia um ajuste gradual, os agentes do mercado não acreditarão. Isso dificulta o trabalho de ancorar as expectativas de inflação e diminuir o custo de endividamento. Até acredito que o novo ministro da Fazenda fará pressão para que os agentes de mercado acreditem num ajuste fiscal gradual. Mas dificilmente será bem-sucedido.
ÉPOCA – Como ela poderia reconquistar essa credibilidade?
Garman – O principal meio seria nomear um ministro da Fazenda com um nome forte no mercado e reputação de responsabilidade fiscal, para tornar o ajuste gradual crível.
ÉPOCA – Entre os nomes cogitados para o Ministério da Fazenda, como Aloizio Mercadante, Luciano Coutinho, Nelson Barbosa, Alexandre Tombini ou Josué Alencar, o senhor vê algum com capital político para angariar essa confiança?
Garman – Há diferenças entre esses nomes. Tanto Nelson Barbosa quanto Luciano Coutinho são nomes com reputação fiscal boa. Mercadante seria visto como uma aposta em dobro do modelo atual. E Josué é uma incógnita, porque ele vem da indústria. Não se sabe se tem uma visão de cenário macroeconômico. Melhorariam a situação atual, mas não atenderiam à expectativa de credibilidade do mercado financeiro, porque seria a escolha de alguém que já está em casa e é ligado à presidente. Isso será entendido como um sinal de que ela continuará a controlar a política econômica, não corresponde a um sentimento de mudança. De qualquer forma, nenhum nome conquistará de imediato a confiança do mercado financeiro. Isso significa que essa confiança deverá ser construída, com o anúncio dos nomes do restante do time do Ministério da Fazenda.
ÉPOCA – O próximo Congresso será mais fragmentado que nunca, com 28 partidos na Câmara dos Deputados. Como ela lidará com essa pulverização no Legislativo?
Garman – Certamente, formar coalizões será mais difícil. Além do problema da queda na popularidade, Dilma terá uma crise política possivelmente “contratada” para 2015, as investigações em torno da Petrobras. É difícil saber como isso se desenrolará. Mas a probabilidade de o tema ganhar fôlego é grande, à medida que depoimentos forem revelados e integrantes do governo e do PT acabarem comprometidos. Será um calcanhar de aquiles, porque ela estará particularmente fraca, num momento de dificuldades econômicas. Estamos também de olho no relacionamento dela com a velha guarda do PT e com Lula.
ÉPOCA – Como deverá ficar a relação de Dilma com Lula?
Garman – É uma relação em que um depende do outro. Tem sido marcada por algumas tensões no meio do caminho. A crise da Petrobras tem o potencial de estremecer a relação entre os dois. Se o escândalo da Petrobras jogar luz sobre integrantes do governo, sua forma de agir será decisiva. Se ela virar as costas para a velha guarda do PT, isso poderá estremecer sua relação com Lula. Será uma situação difícil para ela navegar. Ela terá de lidar com uma crise econômica e com uma crise política capaz de dificultar sua relação com o próprio PT. Em 2005, Lula enfrentou a crise política do mensalão, mas a economia crescia, e ele trouxe para seu lado o PMDB. Hoje, Dilma não conta com isso. Há dois caminhos possíveis nessa investigação do petrolão. Ou o escândalo se aproximará mais dela, ou se aproximará mais de Lula. Tudo dependerá muito desses desdobramentos.
ÉPOCA – Mesmo perdendo, a oposição sai da eleição fortalecida. Como deverá ser seu comportamento?
Garman – A oposição sai desta eleição com uma perspectiva muito forte de vitória em 2018, porque teremos o segundo mandato de uma presidente politicamente fraca, com baixa capacidade de imprimir uma agenda positiva. Temos também de levar em consideração o surgimento de uma segunda oposição, representada por Marina Silva. O fato de ela ter conseguido quase o mesmo número de votos de 2010 é significativo. Se ela conseguir manejar o capital político que conseguiu e deixar de ser uma candidata de protesto para se tornar uma candidata de propostas, ela permanecerá uma força política.
ÉPOCA – O senhor descarta totalmente a hipótese de que Dilma dobre a aposta na política econômica?
Garman – Ela não é totalmente descartada. Mas é improvável. Alguns dizem: se Dilma é reeleita depois do que fez ao longo dos últimos quatro anos, por que mudaria? Falar que ela dobrará a aposta significa dizer que Dilma não se preocupa com inflação. Isso não é verdade. Temos de nos lembrar que a gênese do sucesso econômico do governo Lula foi fazer um ajuste fiscal e domar a inflação. O Planalto pode até aceitar uma inflação entre 6% e 6,5%. Mas fica preocupado quando a coisa passa disso. No ano passado, uma corrente no mercado acreditava que o Banco Central não tinha liberdade de aumentar os juros em dois dígitos. Aumentou. Portanto, à medida que a situação aperta, o governo reage. O que vemos no Palácio do Planalto não é um governo que quer dobrar sua aposta, mas que quer ampliar as concessões e abrir mais espaço para investimentos privados, principalmente nos setores de logística, infraestrutura e energia. A noção de que ela caminhará para uma política como da Argentina ou da Venezuela é pouco provável.
ÉPOCA – O cenário externo complicado para o Brasil também será um constrangimento, não?
Garman – O Brasil terá de lidar, provavelmente, com um aperto monetário do FED (o Banco Central americano), que reduzirá a liquidez nos mercados emergentes, num contexto em que a China terá um crescimento menor, e os preços de commodities estarão em baixa, como já mostra o preço do barril do petróleo. Poderemos ter, em 2015, a combinação de um governo Dilma com baixa credibilidade perante o mercado, pequena sustentação política, um escândalo da Petrobras já “contratado” e um cenário econômico externo complicado. Essa, sim, pode ser uma tempestade perfeita. Não é uma certeza, mas é um risco.práxis (imperativo da atividade humana prática) marxista do início do século
passado, cuja influência se estende até hoje na vida acadêmica, aqui e alhures. Foi
um pensador que ousou apontar erros de Marx em sua visão da História. Não
acreditava em leis históricas inexoráveis que levariam automaticamente a classe
trabalhadora ao poder. Também discordava de Lenin, que via no econômico o
fator determinante da mudança e a cultura como peça ancilar do processo que
levaria ao comunismo na etapa final.
Nessa linha, desenvolveu o famoso conceito de hegemonia orgânica, a ser
construída por intelectuais devidamente treinados oriundos da classe
trabalhadora. O poder da burguesia, segundo ele, não emanava apenas do
dinheiro, mas do poder das ideias embutido na cultura dominante. Não seria
suficiente controlar os instrumentos de poder da sociedade política: a polícia, o
exército, o sistema legal, etc. Era preciso ir além e se assenhorear, primeiro, dos
pilares em que se assenta a sociedade civil: a família, o sistema educacional, os
sindicatos, etc.
A primeira é o reino da força e a segunda, do consentimento. Feita a cabeça da
população, a conquista da sociedade política estaria naturalmente validada. Esse
trabalho de conquistar mentes e corações caberia aos intelectuais, ditos orgânicos
por Gramsci, em contraposição aos tradicionais, que estariam por ora no manejo
dos cordões que perpetuam, via cultura, a manutenção do regime capitalista.
Parece-me que o melhor modo de entender a questão de fundo envolvida nesse
processo é a tese desenvolvida por Hannah Arendt em seu brilhante livro A
Promessa da Política. Ali ela nos fala da ilustre tradição de liberdade política,
nascida com Platão e Aristóteles, de respeito ao outro como Homo politicus. Ela
nos chama a atenção para a praça pública grega, berço da democracia ocidental,
onde as diferentes opiniões eram livremente debatidas e as decisões eram tomadas
pelo voto igualitário dos cidadãos livres.
Também nos relembra a atitude do Império Romano, a despeito da força das
armas, em relação aos povos conquistados. A Pax Romana conseguia abrir espaço
para uma convivência relativamente pacífica, em que a eliminação física dos povos
sob o domínio de Roma nunca se constituiu num objetivo sistemático do império,
salvo em alguns casos excepcionais, como o de Cartago.
Pois bem, essa ilustre tradição da vida política ocidental perdurou por 2 mil anos
até que pensadores como Hegel e Marx abriram as portas, no plano filosófico, para
as trágicas experiências totalitárias que se materializaram com o nazismo e o
comunismo. Em última instância, o que aconteceu é que suprimiram, na prática, o
espaço de manifestação do outro, aquele que discorda de nós. É nessa vertente que
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