Os mercados mundiais passam por turbulências que há algum tempo não se viam. E, como sempre ocorre nesses momentos, engrossou o fluxo de divisas em busca da segurança dos títulos do Tesouro americano, cuja rentabilidade ficou, na quarta-feira, abaixo dos 2% — quanto maior a procura, menor a taxa. Há um ano isso não acontecia.
A centelha de ignição desse movimento de fuga de aplicações de maior risco, em todo o mundo, tem sido o temor de que a Europa, ainda na fase de digestão da grande crise deflagrada em 2009, entre em deflação. A redução de preços chega a ser tão ou mais perigosa que a elevação deles, pois os lucros das empresas são corroídos, como reflexo da retração das vendas — o consumidor adia as compras, à espera de preços cada vez mais baixos — e as economias tendem à depressão.
O próprio Fundo Monetário Internacional alertou, no último fim de semana, para a probabilidade de a Europa voltar à recessão, um péssimo sinal a fortalecer o temor de uma deflação. O prognóstico é reforçado pela informação de que, nos 18 países da zona do euro, a inflação anualizada, no mês passado, foi de ínfimo 0,3%, a taxa mais baixa dos últimos cinco anos. Nessa circunstância, nem a recuperação americana parece ser capaz de compensar o marasmo europeu, até porque seria afetada por ele.
Visto o mundo por este ângulo e colocado o Brasil nele, o álibi apresentado pela candidata-presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda em aviso prévio, Guido Mantega, para os problemas da economia brasileira — o país está quase estagnado devido à conjuntura externa — fica bastante frágil.
Uma prova sólida de que grande parte da responsabilidade das panes observadas internamente é doméstica está no fato de que, no exterior, a ameaça é a deflação, enquanto no país o perigo é a inflação, entre outros.
E ela se origina de erros exclusivos do governo, cometidos na aplicação voluntariosa do tal “novo marco macroeconômico”, modelo sem qualquer preocupação com o equilíbrio fiscal. Os gastos continuaram a crescer mais que a arrecadação e o PIB, fator clássico de alimentação da alta de preços.
Se a economia internacional explicasse tudo o que ocorre no Brasil não faria qualquer sentido o mundo enfrentar riscos de deflação e o país estar com uma inflação de 6,75% — muito acima da meta de 4,5% e além do limite superior dela, de 6,5%.
Pode ser que a queda das cotações de commodities dê alguma contribuição para atenuar a alta de preços internos. A retração nos preços do petróleo deve até ajudar as finanças da Petrobras. Mas, na essência, as causas da velocidade na remarcação de preços, de fundo fiscal, continuam intocadas. Ao largo das turbulências mundiais.
Fonte: O Globo (editorial)
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