sábado, 25 de outubro de 2014
A captura
O adiamento dos dados ruins não anula os fatos, mas tem um efeito que vai além das possíveis vantagens eleitorais do governo. Institutos do Estado não podem agir como se fossem do partido no poder. Essa captura das instituições traz estragos permanentes. O Ipea e o Inpe deixaram de divulgar dados para não constranger o governo ou inibiram estudos com conclusões desagradáveis.
Todos os dois institutos são maiores e mais importantes do que os autores dessa decisão controversa. Há excelentes profissionais nas duas casas. Mas a captura das instituições do Estado pelo governo é uma distorção que não se pode aceitar numa democracia.
O Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, chega aos números de desmatamento através de dois sistemas: um traz informações parciais para alertar de forma rápida o que está acontecendo, o Deter; o outro consolida todas as informações, é o Prodes. Por alguma razão, que não é difícil imaginar, deixaram de ser divulgados em tempo real. O Imazon, uma instituição não governamental que processa imagens dos mesmos satélites, informou que em agosto e setembro o desmatamento aumentou 191% em relação ao mesmo período do ano passado. Por que era tão importante avisar o que está acontecendo em tempo real? Para evitar que piore, já que em 2013, pelos dados finais consolidados, a elevação do desmatamento foi de 29%.
O Ministério do Meio Ambiente informa que as notícias serão divulgadas em novembro. Por que será? E alega que dará dados mais precisos. Balela. O Deter significa Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real. Ou seja, é para ser um alerta. A transição para um novo sistema que consiga ver desmates em áreas menores não deveria comprometer o mais importante dessa tecnologia, que é a velocidade do alerta. Importa saber, diante do que aconteceu no ano passado, se foi um fato isolado ou se estamos vivendo um retrocesso que exige mudança urgente nas políticas de controle.
O Inpe deveria não só divulgar na data certa o dado colhido, como deveria ser independente para fazê-lo. Não pode, nem deve ficar submetido ao Ministério do Meio Ambiente por duas razões: primeiro porque está ligado formalmente ao Ministério da Ciência e Tecnologia e não ao do Meio Ambiente. Segundo, deveria ser responsável para informar o que apura, da mesma forma que o IBGE não tem que divulgar seus dados através de um ministério, nem mesmo àquele ao qual está ligado hierarquicamente. O caso mais grave, entre os atrasos, é o do desmatamento, pela distorção institucional imposta aos excelentes cientistas do Inpe e porque o silêncio tem consequências irreversíveis.
O Ipea veio ao mundo para ser uma visão crítica das políticas públicas. Pode indicar que o caminho é virtuoso, deve mostrar os riscos de cada estratégia. Não pode ser, como tem sido nos últimos anos, uma parte do marketing governamental. Seu argumento para não informar não faz justiça às inteligências que abriga. Diz que não divulga para não favorecer um dos lados em disputa, e, assim, acaba por conseguir o contrário: favorece um dos lados do pleito. Isso não deve estar em consideração em um órgão técnico, do Estado. Ele tem que ser neutro. Com microdados do IBGE ou de outros bancos de dados, o instituto, desde que foi criado há 50 anos, é um centro de estudos que, apesar de ser público, não pode ser governamental. O Ipea é maior do que sua atual orientação, felizmente.
Outros órgãos da administração direta deixaram para divulgar números ou tomar decisões em novembro. Guardam segredos de polichinelo. O que prejudica mais o país não é um número sonegado. É o uso da máquina pública e a perda de credibilidade das instituições.
Por Míriam Leitão e Marcelo Loureiro
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