Democracia exige elegância de quem perdeu. Parece natural um telefonema como os de Marina para a presidente Dilma e ao senador Aécio Neves, mas exigem de quem o faz pôr o ritual da democracia acima de sentimentos pessoais. Qualquer movimento de Marina tem um custo, mas ficar ao lado do governo seria o preço impagável. A exigência de um acordo programático é uma chance para o Brasil.
Há campanhas que deseducam o país, que está construindo sua democracia. Há muito do que nos orgulhar dos últimos trinta anos de construção democrática, mas o marketing usado por Fernando Collor contra Lula e por Dilma contra Marina são os pontos mais feios das nossas campanhas presidenciais. Um dos assessores de Dilma diz que campanha “não é um chá das cinco”. Mas não precisa ser um ringue. Pode ser um confronto de ideias e propostas. A mesma fábrica de horrores que produziu as peças que acusavam Marina de estar preparando um programa para sumir comida no prato dos pobres e livros das mãos dos estudantes — justo Marina que sabe o que é ficar sem comida e livros — começa agora a preparar o arsenal contra Aécio Neves.
O gesto de que o derrotado reconheça a derrota e tome a iniciativa de ligar para seus vencedores, acima dos sentimentos pessoais, com os parabéns pelos votos consolida o respeito às urnas. É simples mas fundamental. Gestos assim o PT jamais fez quando perdeu eleições presidenciais. Nas duas vezes que Fernando Henrique venceu, falaram em fraude, o que enfraquece a democracia. E após a segunda vitória começaram logo no início do mandato, aproveitando a queda de popularidade com a crise cambial, o “Fora FHC”.
Qualquer movimento de Marina exige um preço: declarar apoio a Aécio, apoiar Dilma ou ficar neutra. A política é dolorosa, às vezes, e a ex-ministra tem estado frequentemente diante de dilemas difíceis de resolver sem perdas e danos. Mas o preço de ficar com o governo é mais alto. Não apenas o custo pessoal de estar ao lado da candidata cujo marketing lhe desferiu golpes inaceitáveis, mas do ponto de vista do programa. Ninguém é dono do voto, o eleitor é soberano e a forma como toma sua decisão é muito difícil de ser traduzida em simplificações feitas frequentemente pelos analistas. Então haverá eleitores de Marina indo para os dois lados em disputa. Ela, no entanto, é um dos raros políticos hoje que tem liderança pessoal. Os que a seguem, o fazem pelo que ela representa. Por isso seu apoio tem um valor grande traduzido em votos. E ela pode ser o fiel da balança.
Marina e Aécio fizeram programas econômicos com ideias coincidentes, com a defesa da estabilidade econômica. Defendê-la dos riscos concretos de hoje é uma tarefa inicial importante para qualquer governo. Se a presidente Dilma for reeleita e se descuidar dessa luta econômica de reforçar os pilares da estabilidade, ela terá um segundo mandato de crise.
Marina e Dilma são muito distantes na questão da sustentabilidade. Quando estavam na mesma administração, tiveram vários confrontos em alguns momentos importantes. Na atual gestão o desmatamento voltou a subir, aumentou a carbonização da economia, áreas de proteção foram reduzidas, os subsídios aos combustíveis fósseis provocaram problemas econômicos e ambientais. Houve um retrocesso perigoso na área ambiental e climática e, também, nenhum sinal de que a presidente tenha entendido a natureza dos seus erros nesse setor. Menos por eventuais mágoas pessoais de Marina e mais pelas questões programáticas, as duas estão, hoje, em campos opostos. Têm contradições antagônicas.
Por Míriam Leitão
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