Trajetória brasileira é igual à dos principais países emergentes. Com uma diferença: nós em geral chegamos atrasados.
O Brasil tem inflação maior, juros maiores, crescimento menor e desemprego igual, mas com tendência de alta.
O Brasil chegou até aqui da seguinte maneira:
1. Estabilização macroeconômica, a partir da introdução do Real (1994) e de uma série de reformas que se prolongaram por uns dez anos, nos dois governos FH e no primeiro mandato de Lula.
2. Entre as reformas, a mais importante foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelecendo regras para o gasto público e tornando obrigatória a geração de superávits primários para a redução do endividamento do governo. Essenciais as normas proibindo a União de financiar estados e proibindo bancos estaduais de emprestar para estatais.
3. Essencial também a reestruturação das dívidas dos estados, com base em uma legislação que simplesmente obriga os governos estaduais a gerar superávits mensais, em vez de déficits e dívidas, como era até então. Acrescente-se aqui o fechamento (e privatização) de bancos estaduais, até então máquinas de buracos sem fundo.
4. A reestruturação de todo o sistema financeiro, privado e público. Não esquecer: Banco do Brasil e Caixa estavam literalmente quebrados; foram capitalizados (R$ 9,5 bilhões só para o BB), saneados e colocados sob gestão profissional, ainda no governo FH.
5. As privatizações dos setores de telecomunicações, siderurgia, mineração e energia, todos com grande expansão posterior. As concessões de rodovias. A quebra do monopólio da Petrobras e sua transferência para a União, que passou a leiloar a concessão de campos de petróleo. Vieram novos investimentos privados nacionais e estrangeiros, que levaram às descobertas, inclusive do pré-sal. A Petrobras foi saneada e profissionalizada.
6. Reformas da Previdência.
7. Flexibilização de leis trabalhistas, como a introdução do banco de horas e do sistema de suspensão temporária do contrato de trabalho, largamente em uso hoje, e que impedem o aumento do desemprego.
8. O câmbio flutuante e o regime de metas de inflação (1999).
9. Alguma abertura no comércio externo.
10. As bases dessa verdadeira revolução estavam prontas quando Lula assumiu em 2003. Mas seu primeiro mandato foi essencial para consagrar um tipo de consenso macroeconômico, que pode ser assim resumido: não pode ter inflação; o governo tem que gastar menos que arrecada; a dívida pública tem que cair.
11. Reajustes reais do salário mínimo e programas sociais, já em funcionamento, mas ampliados de modo substancial com Lula
12. As reformas microeconômicas no primeiro mandato Lula, facilitando a vida de empresas e, muito especialmente, modernizando e dando segurança ao crédito, que simplesmente explodiu (imobiliário, consignado e automóveis). Isso foi o consumo das famílias.
13. A China caiu do céu. No início deste século, o Brasil mal exportava US$ 1 bilhão/ano para a China. Já em 2008 ultrapassava os 40 bilhões. A China puxou os emergentes e o Brasil foi na onda. Tornou-se superavitário no comércio externo. Sobraram dólares no Brasil, que o Banco Central comprou e formou as reservas.
14. A mineração e, sobretudo, o agronegócio, privados, que aproveitaram a oportunidade e tornaram-se grandes exportadores.
Essa trajetória brasileira é igual à dos principais países emergentes. Com uma diferença: o Brasil em geral chegou atrasado. Quando se acabou a inflação por aqui, ela já não era problema no mundo.
Outra diferença foi no ritmo de crescimento. Houve incrível expansão mundial, coincidindo com o início do governo Lula e durando até 2008. Todo mundo tirou pessoas das pobreza, as novas classes médias se formaram por toda parte. Mas no período 2003/07, por exemplo, o Brasil cresceu 4% ao ano em média, contra 4,8% do mundo e 7,6% dos emergentes. Foi assim em todos os períodos seguintes.
Depois da crise de 2008/9, o governo Lula começou a desmontagem do modelo, acelerada na gestão de Dilma Rousseff. As leis básicas não foram alteradas, mas as práticas, sim. O regime de metas de inflação está aí, mas a meta não é cumprida faz tempo.
A Lei de Responsabilidade fiscal está aí, mas o governo manobra as contas de modo a ampliar gastos — e dívidas. O governo empurra os bancos públicos para operações duvidosas e que logo, logo, apresentarão problemas. Práticas pré-Real.
Resultado: inflação alta, rodando na casa dos 6,5% ao ano (e, mesmo assim, “martelada”), enquanto o mundo todo tem inflação muito baixa; crescimento zero, enquanto os emergentes crescem 4,5%; juros na casa dos 11% ao ano, muito acima do padrão mundial e dos emergentes.
O desemprego é baixo em consequência daquelas mudanças que foram se consolidando. E não é uma proeza brasileira. Neste momento, o Brasil não gera empregos, a população trabalhando é estável faz algum tempo, segundo dados do IBGE. E, se continuar sem crescimento econômico, vai gerar desemprego.
E a taxa de desemprego nos outros países? Na casa dos 6%, pouco mais (Índia, 8,8%; Colômbia, 8,9%), pouco menos (México, 4,9%; Indonésia, 5,7%).
Resumão: o Brasil tem inflação maior, juros maiores, crescimento menor e desemprego igual, mas com tendência de alta.
A receita é óbvia.
Por Carlos Alberto Sardenberg
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