Não é só pelos 20 centavos. Não é só pela Petrobras. Quem vive um dia normal sabe do que o Brasil precisa
Não basta ajoelhar, tem de rezar. Não basta se alfabetizar, tem de ler até o fim. Não basta ler, tem de analisar. Não basta analisar, tem de lembrar. Não basta papaguear slogans, tem de criticar. Não basta crer em marketing, tem de construir um pensamento crítico. Não basta votar, tem de cobrar.
Falta educação política ao eleitor brasileiro. Faltam consciência, razão, atitude. O programa partidário na televisão, que de gratuito não tem nada, é uma idiossincrasia de país subdesenvolvido. Beneficia quem está por cima. É nocivo, antidemocrático e enganador por dar mais tempo na televisão a qualquer partido que esteja no poder. É um bombardeio de telenovelas eleitorais com efeitos especiais e personagens montados.
Às vésperas do voto de 5 de outubro, o eleitor no Brasil parece suscetível à influência das máquinas partidárias, das mentiras e da hipocrisia de candidatos a todos os cargos. É só observar as tendências do mapa nacional eleitoral, com as múmias e os ladrões, vivinhos e populares.
Penso no eleitor maria-vai-com-as-outras, que prefere não se informar direito, por preguiça, desinteresse ou apego a uma sociedade virtual de rapidinhas mentais, em que se curte ou se demole um texto sem passar do primeiro parágrafo. Dedinho para cima, dedinho para baixo. Adeus às sutilezas, elas só fazem perder tempo. Em vez de ler, posso postar o prato de comida de ontem, as travessuras do cachorro, a descrição detalhada de uma cirurgia, compartilhar textos e vídeos falsos, posso ofender quem discorda ou apedrejar o próximo. Poderia dizer que entendo. Mas não compreendo.
Quando vejo que falsidades sem vergonha rendem votos, penso no voto de cabresto. Não falo do povão nem de classes desfavorecidas. Mas da ignorância – do verbo “ignorar”. Quem ignora é facilmente manipulável pelo marketing sem escrúpulo, não importa a classe social ou o tempo de estudo. É assustador o nível de desinformação dos eleitores brasileiros, especialmente dos mais jovens.
O país que vai às urnas para eleger presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual é o mesmo que explodiu nas ruas há um ano. Foram protestos, pacíficos e incendiários, contra a roubalheira institucionalizada nos últimos anos, a farra dos desvios de verba pública, a tragédia do transporte, saúde, segurança e educação, a insatisfação com indicadores sociais e econômicos, a volta da inflação, a alta do custo de vida, as alianças espúrias com corruptos.
Será que é o mesmo Brasil? Escândalos como o da Petrobras derrubam presidentes em países com consciência política. No Japão, alguns governantes e executivos se suicidam quando são flagrados num roubo dessa magnitude. Aqui no Brasil, não faz nem cócegas. Dilma Rousseff, no debate de quinta-feira, disse que “todo mundo comete corrupção”. Eu não cometo corrupção. Você comete? Ouvimos esse discurso há três mandatos do PT, o mesmo partido que desfraldou a bandeira da ética na política.
Não adianta desmascarar os elogios de Dilma a Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras, bandido e atual delator. Todo mundo sabe agora que ele renunciou em 2012 coberto de agradecimentos de Dilma, em ata, “pelos relevantes serviços prestados à companhia no desempenho de suas funções”. Bota relevância nisso.
Por enquanto, Paulo Roberto Costa virou um pária em casa, com tornozeleira eletrônica. Vamos lavar a jato toda a sujeira, afinal ele devolverá quase US$ 26 milhões em contas bancárias no exterior. E lancha, terreno, Range Rover.
Dilma convence o eleitor de que foi ela quem pressionou o Ministério Público e a Polícia Federal a investigar? Daqui a alguns anos, Paulo Roberto se candidata a deputado. O marketing é fácil: o que rouba mas delata, o que rouba mas se arrepende, o que poupa os amigos mais poderosos. Ou então escreve um livro best-seller Como roubei durante oito anos a Petrobras e o Brasil do PT sem que ninguém soubesse.
Não é só pelos 20 centavos. Não é só pela Petrobras. Qualquer um, se vive um dia normal de classe C, se anda de ônibus superlotado, se vai à emergência de um hospital, se tenta abrir um negócio sem despachante, se vai ao supermercado semanalmente, se esconde celular com medo de ser morto, se procura uma creche que não cobre preços extorsivos, se matricula o filho na escola e compra o material, se vai à farmácia, se precisa cuidar dos pais doentes, se convive com os atuais níveis de poluição e péssimo manuseio do lixo, se assiste ao aparelhamento do Poder, sabe hoje que é preciso mudar. Pelo voto.
Por Ruth de Aquino (03/10/2014)
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