terça-feira, 9 de junho de 2015

Então o povo emana do poder?


                    O país da publicidade petista é esquisito e distorcido. Por exemplo: não
                                                 tem presidente da República


Dia 5 de maio, às 8 e meia da noite, quando o Partido dos Trabalhadores ocupou as redes de TV com seu programa de propaganda política, uma pergunta ficou no ar: que país é esse que aparece no vídeo do PT?

Claro, é um país que avança no avanço, um país avançadíssimo. Na tela eletrônica, a moça bonita de sotaque carioca anuncia: “Finalmente vivemos num país onde as mais justas reivindicações da população passaram a ser as mesmas das democracias mais sólidas do mundo”. Ou seja, no proselitismo petista, o Brasil já é de “Primeiro Mundo” no quesito “reivindicações da população”. O Brasil pode ficar feliz e satisfeito: se suas soluções ainda não são de “Primeiro Mundo”, os seus problemas já são.

Quer dizer que o Brasil ficou igual à França? Quer dizer que no Canadá a polícia cai de pau (e de bala de borracha) em cima de professores que protestam na rua? E os salários dos professores no Brasil são equiparáveis aos dos professores belgas? Então agora, na Noruega, os cidadãos estão preocupados com uma Polícia Militar que mata milhares de jovens negros desarmados todos os anos? Os londrinos enfrentam problemas de filas em hospitais? Os alemães acham que a redução da maioridade penal vai resolver o descalabro da segurança pública?

O país da publicidade petista é esquisito, híbrido, torcido e distorcido. Em certos ângulos, é fácil reconhecê-lo. Parece o país de verdade. Em outros enquadramentos, é a própria Terra do Nunca. Por exemplo: o Brasil do PT não tem presidente da República. O filme do PT consegue a proeza inaudita de ser um filme governista e, ao mesmo tempo, falar de um país que não é governado por ninguém (embora, claro, esteja sempre “avançando” na direção “correta”). Em seus dez minutos de duração, o programa se dedica a esconder ninguém menos que a chefe de Estado. Chega ao cúmulo de defender mais espaço para a mulher na política sem tocar no nome de Dilma Rousseff.

No lugar de Dilma, quem aparece em close é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O curioso é que Lula não fala como defensor do governo, mas como um líder sindicalista de oposição. Em tom ameaçador, afirma que a mudança da lei que abre espaço para a terceirização de mão de obra colocará o Brasil no mesmo nível em que estava no início do século XX, quando não havia 13º salário. Quer dizer: o Brasil, que não tem presidente da República, só tem um líder, mas de oposição, e o nome desse líder é Lula.

A propaganda petista segue em guerra contra os moinhos do passado. É contra o passado que Lula se insurge. A partir daí, os contrastes entre o hoje (um “hoje” publicitário) e o ontem (um “ontem” acusatório, o ontem que é culpa “deles”) atingem o clímax. A dona de casa orgulhosa de sua nova sala sorri para as câmeras. O jovem que foi à universidade graças ao Prouni diz que agora pode sonhar. As meias verdades se põem a serviço das meias mentiras (ou mesmo das mentiras inteiras). Por exemplo: é verdade que, nos governos de Lula, o Brasil melhorou sua distribuição de renda, e isso o filme mostra, mas é verdade, também, que a gestão da política econômica não foi nada bem no governo Dilma, e isso o filme esconde (a ponto de ter de esconder a própria Dilma).

Outra coisa é que, ao que tudo indica, parece que andaram roubando um pouquinho nos governos do PT, mas, quanto a isso, o filme tem outra interpretação. Insiste que o PT é o campeão no combate à corrupção. O jovem apresentador faz cara de seriíssimo e dispara: “Outra virada histórica do Brasil, tem sido o combate contra a corrupção. E, por mais que alguns setores da imprensa omitam, se você buscar a verdade, vai descobrir que o PT também liderou algumas iniciativas contra a impunidade”. Em seguida, uma voz em off garante que antes dos governos do PT o Ministério Público e a Polícia Federal não tinham autonomia para trabalhar, mas agora é diferente.

Conclusão: se hoje há ladrões de dinheiro público batendo ponto na cadeia, agradeça ao PT. Alguns são filiados ao PT? Não ligue. Se forem condenados, serão expulsos, garante a propaganda. Aí você pergunta: mas se vão expulsar os que vierem a ser condenados por crime de corrupção, por que não expulsaram os que já foram condenados? O PT não responde, pois não escuta, assim como não escutou os panelaços durante a exibição de seu programa. Empenhado em inventar seu país publicitário, o partido parece acreditar que será capaz de fabricar, com sua propaganda, um povo crédulo, medroso e obediente. Na TV do PT, não é o poder que emana do povo, mas o povo é quem há de emanar do poder.





Por Eugênio Bucci

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