quinta-feira, 11 de junho de 2015

Se ensino de religião é facultativo, que tal fazer o mesmo com o marxismo?



Deu hoje na coluna de Ancelmo Gois:


Ora, tudo muito justo: se o aluno não segue determinada religião, ele deve ter o direito de ser dispensado de aulas religiosas. Não confundir com matérias sobre a história das religiões, o que é fundamental para compreender a cultura na qual estamos inseridos. O escritor Amós Oz, israelense secular, defendeu em seu último livro a Bíblia como excelente e indispensável leitura do ponto de vista cultural. Ninguém precisa ser judeu ou cristão para apreciar o estudo da Bíblia, mesmo sem considerá-la um livro sagrado.

Dito isso, eis a questão: por que não tornar as aulas sobre o marxismo facultativas também? Afinal, quem vai negar que se trata de uma seita religiosa? Não foram poucos os pensadores que enxergaram assim o marxismo, e seus crentes fiéis dão todos os sinais de que encaram o marxismo como religião mesmo. Ainda ontem publiquei  um trecho de Dom Lourenço de Almeida Prado (http://jornalevangelhoecidadania.blogspot.com.br/2015/06/a-educacao-como-instrumento-de-estado.html), que foi reitor do prestigiado Colégio São Bento, sobre o assunto:

Evidentemente a democracia tem que ter a coragem de correr os riscos da liberdade e não poderá imitar as nações socialistas, onde o marxismo é inculcado opressivamente e sem alternativa em todas as escolas e a criança é obrigada a jurar pelo partido desde tenra idade. O Estado democrático que o fizesse já não seria mais um Estado democrático. A democracia, contudo, não precisa ser suicida: ela tem que defender a formação de uma mentalidade democrática em cem novas gerações. Se ela, ao assegurar o ensino religioso, garante que este se faça facultativamente, segundo a escolha prévia do educando ou de seus pais, por que há de permitir que o marxismo, que não é apenas uma posição política, mas, como dizia Berdiaeff, uma envolvente posição religiosa (religião atéia, nem por isso menos exclusivista e definidora de uma concepção de vida), seja ensinado e inculcado, sem o menor cuidado de defender o direito do aluno de não ser manipulado pelos mais velhos?

Em Esquerda Caviar, mostrei alguns dos pensadores que trataram do marxismo como seita religiosa. Raymond Aron foi o principal deles, ao considerar o marxismo o “ópio dos intelectuais”. Que os intelectuais consumam drogas, tudo bem, mas que tentem impor esse consumo aos jovens alunos como se fosse A Verdade revelada, isso é um disparate inaceitável. Eis um longo trecho:

Quer um entorpecimento mais poderoso do que a sensação de que você pertence a uma classe de escolhidos, que sua missão na vida é colaborar para a construção de um mundo novo, e que nada menos do que a perfeição será o resultado de suas ações? O escritor mexicano Octavio Paz, autor de O ogro filantrópico, descreveu o marxismo como um “vício intelectual”, uma “superstição do século XX”. Infelizmente, do século XXI também.

Joshua Muravchik demonstra sem rodeios, em Heaven on Earth, como o socialismo foi a história mais ambiciosa dos homens na tentativa de suplantar a religião com uma doutrina sobre como a vida deve ser vivida com base na ciência, não na revelação. Após tanta esperança e luta, milhões de vidas sacrificadas no caminho, eis o epitáfio da seita: se você construir esse “paraíso”, os outros vão abandoná-lo sempre que possível.

Paulo Francis foi outro observador arguto que percebeu essa característica religiosa no comunismo:

Milhões de pessoas, no entanto, se sacrificaram por Stalin, idealistas, muitas das quais morreram fuziladas nos campos de extermínio da URSS, bradando triunfalmente o nome do carrasco, no momento em que este as executava, o que prova que o comunismo é a religião secular do nosso tempo.

O sentimento de nobreza proveniente de se enxergar como um desses “ungidos”, para usar o termo de Thomas Sowell, coloca qualquer outra droga no chinelo. Se os ricos artistas da esquerda caviar costumam curtir cocaína ou maconha, seus pares intelectuais vão de marxismo mesmo, droga das mais pesadas.

Sowell, em seu magistral Intellectuals and Society, alerta que provavelmente nunca houve uma época em que intelectuais gozaram de maior influência na sociedade. Para piorar, a ocupação dos intelectuais – aqueles que “produzem” e vivem das ideias, ao contrário de outras profissões, digamos, “concretas”, como a engenharia ou a física – não está tão sujeita ao “teste do pudim”. Um prédio que cai por erro de cálculo é evidente demais, prova do fracasso do engenheiro, e até uma bem elaborada teoria, como a da relatividade, de Einstein, só ganha credibilidade após verificação prática.

Já os intelectuais podem desfrutar de respeito ou fama mesmo com a defesa de ideias que se mostraram, na prática, catastróficas. Eles estiveram, nos últimos anos, blindados contra as consequências materiais de suas ideias, e abusaram dessa imunidade. Sartre era idolatrado mesmo depois de apoiar regimes nefastos. Paul Ehrlich disse, em 1968, que centenas de milhões de seres humanos morreriam de fome na década de 1970, previsão que se mostrou totalmente errada. E por aí vai.

Sem essa ligação entre causa e efeito, entre ideias e consequências, sem o crivo do método científico para validar ou refutar suas teorias, os intelectuais tiveram o campo livre para tratar seu produto como algo infalível, isento da refutabilidade científica, i.e., como uma revelação religiosa.

Vários foram os pensadores que perceberam esse fervor religioso no comunismo. Keynes afirmou que a juventude idealista gostava do comunismo porque era o único com apelo espiritual que passava a sensação de contemporaneidade. Edmund Wilson alegou que, na União Soviética, a pessoa se sentia no topo moral do mundo, onde a luz nunca se apaga. Beatrice Webb, mesmo mais pragmática, reconheceu que a Rússia, apesar de professar o materialismo científico, fez mais pela alma que pelo corpo.

Havia um senso de propósito coletivo, de comunhão, de construção de uma Nova Era igualitária e justa na cabeça de muitos intelectuais. Os males da humanidade seriam extintos. Os intelectuais finalmente contavam com uma religião adaptada para os tempos modernos. E isso não morreu junto com o comunismo soviético…

Em uma época secular, o comunismo veio oferecer uma alternativa de “vida eterna” para seus adeptos. Arnaldo Jabor, remexendo em seu passado, explicou como a coisa funcionava:

Um “camarada” me disse: “O marxismo supera a morte!” Como? – disse eu, espantado. “Claro” – me responde ele, iluminado de certeza – “uma vez dissolvido no social, o mito do indivíduo se desfaz, e a ilusão de que ele existe como pessoa. Ele só existe como espécie. E não morre. O marxista não morre!” E eu, fascinado, sonhei com a vida eterna…

Os tiranetes abusam desta fé religiosa, naturalmente. Quando Hugo Chávez estava hospitalizado em Cuba e não teve como assumir seu novo mandato, o então vice-presidente Nicolás Maduro deu uma declaração que ruborizaria o mais carola dos crentes. Disse:

Temos com Cuba a irmandade mais profunda que possa existir. Foi este exército de barbudos que, quase como anjos, começou aos poucos e foi conquistando sua independência, mesmo com o bloqueio ianque. Quando Chávez e Fidel se encontram, nós, seus filhos, nos vemos como irmãos, unidos para lutar pela independência de nossos povos.

Maduro, apesar do nome, demonstrou não passar de um adolescente boboca. Ou, na verdade, um explorador de adolescentes bobocas, capazes de cair nesse tipo de conversa fiada. E não faltam intelectuais dispostos a agir como adolescentes.


Como o estudo da vida de Marx deixa claro, ele não tinha as características de um cientista que se interessa na busca da verdade. Mais parecia um profeta, interessado em proclamá-la. Até mesmo o economista Schumpeter, que fez uma análise obsequiosa de Marx, reconheceu que o marxismo é uma religião e Marx era uma espécie de profeta. Keynes teve a mesma impressão. Seu tom messiânico e seu escrito escatológico, influenciado pelo pano de fundo poético, nada tinham de científico; só o nome.

Sua visão apocalíptica de uma catástrofe imensa prestes a se abater sobre o sistema vigente desprezava a necessidade de evidências sustentadas pelos fatos. Tal característica conquistou muitos seguidores pelo desejo de crer no fim próximo do capitalismo, dispensando o uso da razão para tanto. Os slogans ajudavam na propaganda, assim como a promessa de salvação. Enfim, um líder religioso, não um pensador científico.

Se consegui convencer o leitor de que o marxismo/socialismo mais se parece com uma seita religiosa do que com uma filosofia político-social, então nada mais justo do que incluir as aulas de marxismo na categoria de religião, que deve ser facultativa para os alunos. Lanço aqui, então, a campanha: vamos tornar as aulas de marxismo opcionais para todos os alunos!





Por Rodrigo Constantino

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