Neide é empregada doméstica na casa de meu filho e minha nora. Seu nome é Jacineide Silva. Trabalhou e cuidou, com carinho, de minha neta de 2 anos, até a dor a impedir. Ela se mudou para o Rio de Janeiro em 2002, em busca de “uma vida melhor”, feliz com a eleição de Lula.
Antes disso, Neide trabalhava na lavoura e na roça, no Maranhão. Veio só com a filha caçula, Jacyane. Neide parece ter só 30 anos. É magra, forte e tem um sorriso lindo. Neide foi jogada de lá para cá, na espera infinita de cura. Tentávamos confortá-la: pode ser só um cisto. Ela pressentia algo mais grave. Só com a intervenção de médicos particulares, amigos da família, Neide conseguiu saber seu lugar na fila e ter informações sobre “o andamento” de seu caso, a passos de tartaruga. Bastava ter paciência.
Quando chegou sua vez da cirurgia, em fevereiro, o médico avisou que só operaria com biópsia. Neide ficou na fila para fazer a biópsia. Entre marcação de exame e resultado, foram quatro meses de agonia e dor. Na última quarta-feira, saiu o diagnóstico. Câncer. Neide voltou ao hospital com o exame. “A médica disse que, do jeito que está, não dá para operar. Tão grande que toma meu peito quase inteiro. Tem de fazer radioterapia antes para queimar. Mas o médico oncologista só tem hora daqui a um mês”, disse Neide.
Eu ia escrever sobre o congresso do PT. O Partido dos Trabalhadores é um partido de esquerda, fundado há 35 anos e no Poder há mais de 12. O maior compromisso do PT é, por definição, com os trabalhadores. Com a saúde e a educação do povo. E a moradia, o saneamento, o emprego. Já se foram três mandatos, e a cereja do bolo agora é a “Ferrovia Bioceânica”, que (nunca) vai ligar o Rio de Janeiro ao Peru – mais uma obra megalomaníaca destinada a parar no meio e dar prejuízo ao Brasil.
Eu ia escrever sobre o congresso do PT, tão dividido e acossado pelas denúncias de corrupção que agora batem à porta do Instituto Lula. Mas vi no Facebook uma postagem de Nilza Rezende, escritora e mãe de minha nora, sobre a via-crúcis de Neide. E aí meu sangue ferveu. “Como um mês no hospital público brasileiro vira um ano”, escreveu Nilza, “talvez a Neide seja atendida quando não der mais tempo para cura. Fico perplexa e chocada ao ver como pobre sofre neste país. A vida é mesmo injusta. E o governo é cúmplice. O que adianta ficar fazendo propaganda para as mulheres se autoexaminarem? Balela. Quando elas veem o tumor ficar do tamanho de uma bola, elas têm de esperar quase um ano para ser atendidas. Não há salvação: o SUS é o caminho para a morte.”
Desculpe, Neide, desculpe os milhões de brasileiros que acreditaram que o PT de Lula mudaria de verdade as prioridades do país. Se você votou, votou no cara. Muito tempo depois, foi eleita no lugar dele uma mulher. Diziam que era o poste de Lula, quanta injustiça. Como mãe do PAC, com certeza ela faria muito pela Saúde feminina.
Dilma sofreu de câncer e cuidou de tudo no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo. Uma vitoriosa, que contou com a agilidade, os recursos e os talentos da melhor medicina nacional. Está certo dar tratamento VIP a uma presidente. Só não está certo o SUS desprezar a massa. A demora no atendimento, tratamento e cirurgia de câncer significa, frequentemente, a morte em vez da vida.
Poderia ser o Estado acusado de homicídio doloso – aquele em que o algoz sabe que corre o risco de matar? Presidente Dilma, a senhora abreviou sua viagem para ir à abertura do congresso de seu partido. Diante do profundo copidesque ideológico que sofreu o discurso do PT, pare um pouco. E pense na Neide. O que fazer para dar a ela um tratamento mais digno, menos doloroso e apressar ou garantir sua cura eventual?
Pense em todas as Neides que aguardam a vez de ser operadas – e não têm a quem apelar porque não são representadas por ninguém. Pense em como nos convencer de que seu governo enfrenta apenas “a intolerância de uma minoria”. Foi o que a senhora disse em Salvador.
Pense em tudo que foi desviado dos hospitais para enriquecer seus militantes hoje bilionários, pense em seus 39 ministérios, pense nas obras inacabadas e abandonadas da Copa do Mundo, pense em sua propaganda enganosa, pense se a tal Ferrovia Bioceânica não é mais um engodo a ser metido goela abaixo de um povo que acreditou.
Para começar, que tal pedir desculpas a Neide?
Por Ruth de Aquino
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