Após histórico déficit fiscal — diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta –, a presidente se encontra em encruzilhada: ou adota políticas antiinflacionárias, ou país poderá assistir a fuga de investidores
Em sua campanha para a reeleição, a presidente Dilma fez uso de inúmeras armas de propaganda contra o candidato tucano Aécio Neves.
Um dos temas preferidos da presidente era a comparação com os anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Em debates e vídeos veiculados na TV e na internet, Dilma pintava que a gestão do ex-presidente havia sido marcada por desemprego, juros altos e arrocho salarial, além de ajustes econômicos que, segundo ela, nada faziam além de prejudicar o consumo.
Menos de uma semana depois de ser reeleita, a situação que se desenha na economia brasileira mostra números piores que os previstos. Diante deles, o governo não terá alternativa além de fazer aquilo que tanto criticou no adversário: subir juros e colocar em prática políticas de ajuste fiscal — duro corte de gastos e medidas impopulares, como aumento de impostos.
O aumento dos juros foi anunciado pelo Banco Central na quarta-feira, apenas três dias depois das eleições.
Já o resultado das contas públicas de setembro dá conta da gravidade da situação: a diferença entre os gastos e a arrecadação federal ficou negativa em 20,4 bilhões de reais.
No acumulado do ano, mesmo sem contar o pagamento dos caríssimos juros, o resultado está 15,7 bilhões de reais no vermelho — o pior rombo da história. Isso significa que, no apagar das luzes de 2014, nada sobrará para o pagamento dos juros da dívida pública, que custa mais de 40 bilhões de reais POR MÊS. A Fundação Getulio Vargas prevê que o resultado fiscal fique negativo em 0,5% do Produto Interno Bruto.
Ou seja, o país terá de aumentar seu endividamento para conseguir honrar o pagamento dos juros. “Chegamos a um ponto lastimável. Isso é ruim do ponto de vista de controle de inflação, de credibilidade de política econômica e de sustentabilidade de dívida pública”, afirma Silvia Matos, economista do Ibre, da FGV.
Para financiar o déficit, o governo pode lançar mão de recursos de mercado, como a caderneta de poupança, que tecnicamente deveriam ser direcionados ao setor produtivo.
Ao obter financiamento via poupança interna, o governo reduz o capital disponível para investimentos, por exemplo. “Se a dívida aumenta, também sobe a necessidade de o governo se financiar. Em uma situação dessa natureza, aumenta a dependência do país em relação ao capital estrangeiro”, afirma o professor de Economia do Insper (Instituto de Estudos e Pesquisas), Otto Nogami.
O problema mora justamente aí. Tivesse o Brasil uma poupança interna infindável, como ocorre de certa forma na China, o governo da presidente Dilma até poderia continuar abusando da irresponsabilidade fiscal, praticando desonerações de impostos mal planejadas e gastando recursos públicos sem qualquer critério.
Mas, ao ser dependente do capital externo para investir, o país precisa obter o aval de agências de classificação de risco, como Moody’s, Standard and Poor’s e Fitch.
A nota emitida pelas agências é uma forma de comprovar que um determinado país é destino seguro para investimentos. E é justamente essa chancela que o Brasil corre o risco de perder. Duas das três agências cortaram a nota do Brasil e rebaixaram a perspectiva para o campo negativo. Isso indica que, se reformas não forem feitas, poderão tirar o grau de investimento do país.
Com isso, muitos fundos de pensão estrangeiros multibilionários, por exemplo, terão de tirar seus recursos do Brasil por não poderem aplicar a poupança de aposentados em países com pouca solidez fiscal, ou “especulativos”.
O que as contas de setembro mostram é que não é mais possível postergar pagamentos, como o governo vinha fazendo no período pré-eleitoral.
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