A ágora de Atenas reunia, no máximo, 5 mil homens adultos, nativos, não escravos. Ali se faziam as leis, os julgamentos (a exemplo do de Sócrates) e se atribuíam a indivíduos deveres similares ao dos prefeitos modernos e também os militares.
O júri contava com participação de 10% do total de cidadãos, pois era impossível a todos acompanhar os debates que se prolongavam por dias a fio. Os prefeitos e os generais conduziam suas tarefas e prestavam contas a comitês – raramente à composição plena da praça, reunindo todos os cidadãos.
A democracia direta também atuava por representação. Quero dizer com isso que a dificuldade de manter 5 mil pessoas continuamente mobilizadas em debates, fiscalizações e operações era superada pela delegação a grupos menores ou a pessoas individualmente.
Quando Péricles dirigia a cidade de Atenas, o fazia como representante dos cidadãos. Na voz dele falava a legião de milhares. Ao representar, ele tornava presentes os ausentes.
Esse período democrático ateniense durou uns 100 anos e depois sucumbiu às pestes e invasões. Passou para a história de modo mítico, como se não fosse verdade. Faz uns 300 anos que trabalhos arqueológicos começaram a dar veracidade às narrativas escritas que remanesceram.
Nenhuma outra democracia vicejou até que o Reino Unido se estabilizou depois da Gloriosa Revolução no fim do século 17. À inglesa, fizeram paulatinamente instituições que, na somatória, são democráticas porque protegem o indivíduo do excesso de poder do Estado e propiciam a participação na formação da vontade estatal por meio de representação no Parlamento.
Do empirismo inglês brotaram outras democracias, com nuances peculiares a cada povo, mas, na essência, assegurando a livre participação política e garantindo a incolumidade do indivíduo perante o Leviatã. Porém, essa construção institucional sempre em aprimoramento foi objeto de demolição por ideologia decorrente da visão bipolar das relações sociais entre opressores capitalistas e oprimidos trabalhadores.
Prócer da percepção binária do mundo, Lênin dizia não existir democracia pura, sem adjetivos, apenas democracia burguesa a ser sucedida pela democracia proletária, ainda que no caminho fosse imperioso usar métodos ditatoriais da vanguarda da classe operária. Para ele, os sovietes (coletivos sociais) organizam as massas exploradas para participar da administração do Estado. As eleições indiretas dos sovietes, prossegue, facilitam os congressos dos conselhos de trabalhadores e tornam todo o sistema mais barato e ágil. A burocracia, as regras, Justiça Eleitoral, comícios, debates, eleições diretas com milhões de eleitores, são, para Lênin, entulho da democracia burguesa destinado a afastar os trabalhadores da administração do Estado.
A União Soviética (leia-se a união dos conselhos populares – sovietes) faliu e sumiu do mapa em 1991. Será que se tenta, aqui, repetir a história? Farsa burlesca ao estilo Chávez ou a sério, o meio e o fim sempre são trágicos.
O Decreto 8.243/14 da Presidência da República, instituidor da Política Nacional de Participação Social, hauriu inspiração nos sovietes. Felizmente a Câmara dos Deputados, instância da democracia, aprovou a suspensão dos efeitos desse decreto.
Por Friedmann Wendpap
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