quarta-feira, 12 de novembro de 2014

(Des)Governo Dilma: o povo pagando a conta

Para reverter deterioração das contas públicas o ajuste fiscal esperado para 2015 deve recair, novamente, sobre o lado da receita tributária.


Para economistas, ajuste exigirá mais impostos

Para reverter a rápida deterioração das contas públicas ao longo de 2014, com déficit primário de R$ 15,2 bilhões acumulado entre janeiro e setembro deste ano, o ajuste fiscal esperado para 2015 deve recair, novamente, sobre o lado da receita tributária. Para economistas ouvidos pelo Valor, o governo vai precisar voltar a aumentar impostos ao longo do próximo ano se quiser evitar a perda do grau de investimento.

Para esses especialistas, é possível esperar alguma contenção do gasto ao longo do próximo ano, especialmente sobre os investimentos, mas ela não deve ser suficiente para elevar substancialmente a economia feita pelo governo para pagamento do serviço da dívida. Como também não dá para contar com forte crescimento da economia, o que teria efeito positivo sobre a arrecadação de tributos, o aumento do superávit primário deve vir da elevação da carga tributária, com reversão de algumas desonerações e, possivelmente, criação de novos impostos.

Ainda assim, o cenário será de alta apenas gradual do esforço fiscal do governo. Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, avalia que o setor público pode encerrar 2014 com superávit primário em torno de 1% do PIB, mas com forte dependência de receitas extraordinárias. Entre outubro e dezembro, devem ingressar nos cofres públicos cerca de R$ 26 bilhões em receitas atípicas, como Refis, o programa de parcelamento de tributos em atraso, dividendos e a receita do leilão da frequência 4G de telefonia.

Sem a ajuda desses recursos, o superávit primário recorrente, que não conta com receitas e despesas extraordinárias, ficaria mais próximo da estabilidade, afirma. No ano passado, esse indicador ficou em 0,65% do PIB, o que sinaliza impulso fiscal expansionista neste ano.

Para inverter essa tendência, Salto avalia que é factível entregar superávit primário em torno de 1% do PIB em 2015, no cálculo sem ajuda de receitas extraordinárias. “Mas o quadro atual mostra que não existe essa possibilidade sem aumento de impostos”.

Em seus cálculos, o principal candidato é a recomposição da Cide sobre combustíveis, porque ajudaria no ajuste de preços relativos na economia. O aumento do PIS e da Cofins, que incidem sobre faturamento, também seria uma possibilidade. Este seria, porém, um movimento na direção contrária do que tem sido prometido pelo governo, que acenou com a simplificação desses tributos durante a campanha eleitoral. “Acho que tudo que tiver custo adicional será evitado neste momento”. Ainda sobre a mesa estaria o fim do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis e eletrodomésticos, que poderia render algo como R$ 13 bilhões a mais de receita no ano, diz.

Além da elevação de alíquota da Cide e do IPI, Rafael Ihara, economista do banco Brasil Plural, cita ainda a possibilidade de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em 2008, que poderia elevar a arrecadação em 0,7% do PIB. Para tanto, o governo vai precisar trabalhar em conjunto com o Legislativo. “A ideia é que o governo consiga melhorar poder de negociação com o Congresso. Sem aumento de carga tributária, dado o perfil do gasto, será difícil elevar o superávit primário”, diz.

Ihara e Salto também colocam entre as medidas necessárias para o ajuste fiscal do ano que vem o aumento da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 5% ao ano, o que reduziria o custo do subsídio ao BNDES. Salto lembra que essa é uma medida defendida por Nelson Barbosa, ex-secretário de Política Econômica e um dos nomes que tem sido apontados como candidato a ministro da Fazenda no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.

Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, há certa margem de manobra do lado da despesa, mesmo que reduzido, já que o gasto tende a ter alguma desaceleração depois do ano eleitoral. Ainda assim, diz, o mais provável é que o país tenha superávits primários baixos por um bom tempo, já que o Orçamento é bastante rígido, desonerações como a da folha de pagamentos foram tornadas permanentes e o crescimento não ajuda a inflar as receitas.

Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra, também ressalta que não será possível entregar forte esforço fiscal no primeiro ano do novo governo, após a deterioração recente das contas públicas. “Não vai ser possível arrumar a casa de uma vez só, o ajuste será muito gradual”.

Por isso, a sinalização da meta a ser cumprida no ano que vem, um contingenciamento crível e transparente do Orçamento e comprometimento na execução do ajuste serão relevantes. “Será um processo longo de reconstrução da reputação das contas públicas.” Em sua avaliação, porém, é possível evitar a perda do grau de investimento pelas agências de classificação de risco.

José Márcio Camargo, economista-chefe da gestora Opus Investimentos é bem menos assertivo. “Sou muito cético em relação à capacidade do próximo governo de fazer ajuste fiscal capaz de evitar o rebaixamento da nota do Brasil”, diz. Em sua avaliação, além da indicação para a Fazenda, o governo precisa apresentar um plano crível na área econômica, que não foi discutido durante a campanha.

Zeina, da XP, também não descarta a possibilidade de perda do grau de investimento. “O crescimento econômico é chave para manutenção do rating.” Por isso. o governo precisará focar, além do ajuste macroeconômico, em aumento da produtividade, com menor intervenção do Estado na economia e melhora do ambiente regulatório, por exemplo, afirma.



Fonte: Valor Econômico

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