Assim que soube da indicação de Joaquim Levy ao cargo de ministro da Fazenda de Dilma 2 veio-me à lembrança o alerta de Nietzsche: "Aos intelectuais que ingressam na política um papel cômico costuma estar reservado: eles acabam sendo a boa consciência de uma política de Estado".
À luz do fiasco da "nova matriz" em Dilma 1 seria de se esperar algum movimento corretivo da política econômica no segundo mandato, com a prevalência da "curva de aprendizado" sobre o cenário da "aposta redobrada". A surpresa, contudo, é a aparente radicalidade do movimento prenunciado pela escolha de um "Chicago boy" de ilibada reputação fiscalista como titular da Fazenda --uma guinada de 180°!
Será? Salta aos olhos a discrepância entre o teor campanha --baseada na negação da necessidade de qualquer ajuste na economia e na mentira calculada sobre as intenções alegadamente conservadoras e excludentes de Aécio e Marina-- e o perfil dos ministros indicados pela presidente: não só Levy, mas a ruralista Kátia Abreu, na Agricultura, e o ex-chefe da CNI Armando Monteiro no Desenvolvimento.
É inteiramente compreensível que os intelectuais petistas e os líderes de movimentos sociais, feitos de palhaços na campanha, estejam furiosos com a traição e denunciem em manifesto a "regressão" em curso e a capitulação de Dilma 2 às "forças do rentismo e do atraso".
A máscara caiu, mas a dúvida se renova. Assim como a mentira descarada dominou a campanha, o que nos garante que a pretensa inflexão à ortodoxia em Dilma 2 não venha a revelar-se nova tentativa de logro --mero jogo de cena visando apaziguar temporariamente os mercados e impedir a temida retirada do "grau de investimento" dos títulos brasileiros pelas agências de risco?
Joaquim Levy tem sólida formação acadêmica e possui comprovada experiência tanto no setor público como no mundo da alta finança. Ocorre que suas ideias sobre política econômica --macro e micro-- diferem ao extremo do nacional-desenvolvimentismo e da falta de compromisso com a transparência fiscal que têm sido a marca registrada do atual governo.
A esfinge desafia a argúcia dos analistas: até que ponto ele desfrutará de autonomia para pôr em prática suas ideias? Mudou o governo ou mudará ele? E se um não mudou nem mudará o outro, quantos meses dura o engodo?
Os governantes podem ignorar os limites impostos pela aritmética econômica por algum tempo, mas cedo ou tarde a dura realidade acaba se impondo com suas unhas de bronze. É possível que o medo tenha vencido a ideologia, como em Lula 1. Mas Levy que se cuide: os economistas podem ser mais ingênuos sobre política do que os políticos são ingênuos sobre economia.
Por Eduardo Giannetti
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