A base do governo unificou o discurso de combate ao “dogma” fiscal, como se reduzir a meta fosse uma medida necessária de Estado, não de governo. Os principais representantes do governo no Senado defenderam um relaxamento na meta de superávit primário, devido à queda na arrecadação de tributos pela menor atividade econômica.
Ao longo do dia, Michel Temer fez uma série de reuniões com os principais líderes aliados. Reuniu lideranças do PMDB e do PT e convidou o chamado “baixo clero” parlamentar para costurar apoio ao projeto de lei que altera a meta de economia para pagamento dos juros da dívida. O resultado foi um discurso uníssono, cujo tom foi dado por Temer: “Não é uma questão de governo, mas de Estado.”
O lema do vice foi incorporado pelos governistas. “Queremos dar rapidamente um parecer. Esta é uma questão de Estado”, repetiu o relator da proposta, senador Romero Jucá (PMDB-RR). Francisco Dornelles, líder do PP no Senado, também reforçou o coro, afirmando que a mudança no superávit não pode ser um “dogma”, e que o governo está certo em propor a mudança.
Esse era um estágio previsível para muitos economistas. O tripé macroeconômico, herdado pela era FHC, foi sendo gradualmente abandonado pelo governo petista. O câmbio deixou de flutuar livremente, e o Banco Central fez mais de US$ 100 bilhões em leilões de swap para interferir no preço, mantendo nossa moeda artificialmente valorizada. A inflação subiu para cima do topo da meta, que o BC passou a encarar como o novo centro. Faltava abandonar de vez a responsabilidade fiscal.
O “dogma” quem cria não são os economistas ortodoxos, liberais ou nada parecido; é o próprio mercado, a lógica econômica. Se o governo gasta mais do que arrecada, precisa expandir seu endividamento, sua arrecadação ou a emissão de moeda. A dívida bruta já está em patamar muito elevado, acima de 60% do PIB, bem acima do nível de nossos pares emergentes. Uma luz amarela se acende para investidores globais.
A carga tributária já está em quase 40% do PIB, e a população não aguenta mais pagar tantos impostos, ainda mais sem retorno em serviços públicos. Subir imposto é sempre muito impopular. Já que o governo não quer apertar o cinto e reduzir gastos, resta, portanto, deixar a inflação correr mais alta para financiar esses crescentes gastos públicos. É o pior imposto que existe, mas é mais disfarçado e menos visível.
Ocorre que o truque não engana mais ninguém. Ao relaxar a meta de superávit, o governo não pode achar que vai ludibriar os investidores com o discurso de “dogma” ou necessidade de Estado. O que vai conseguir, na prática, é produzir uma fuga de capitais, uma corrida para o dólar, e a eventual perda de nosso grau de investimento pelas agências de risco.
Não se brinca impunemente com as leis econômicas. Chamar isso de “dogma” é não compreender como funciona a economia. Não são palavras bonitas que farão o gasto público acima da arrecadação se tornar indolor. Vai doer sim, e muito. É o que dá sacrificar um “dogma” como se fosse apenas uma questão de retórica, e não de fundamento da economia…
Por Rodrigo Constantino
Nenhum comentário:
Postar um comentário