sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O ente abstrato: a quimera do estado benevolente


“O Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver às custas de todo mundo.” (Frédéric Bastiat)

Considero um dos maiores defensores que a liberdade já teve o francês Frédéric Bastiat. Sua curta vida não o impediu de deixar uma obra fantástica sobre o Liberalismo, especialmente pela sua incrível objetividade de argumentação. Bastiat derrubou muitos sofismas econômicos, e defendeu a separação entre Estado e economia. Este artigo tem como objetivo resumir sua visão básica sobre o Estado.

Para Bastiat, o Estado é tratado como um personagem misterioso, extremamente solicitado e invocado para a solução dos males que assolam as pessoas. Acabar com a miséria, gerar empregos, garantir a segurança, proteger indústrias, fomentar o crédito, educar os jovens, socorrer os idosos, incentivar as artes, enfim, para praticamente tudo que há demanda, o Estado surge como uma panacéia, capaz de resolver todos os problemas. As ações benévolas do Estado representam aquilo que se vê, enquanto os custos muitas vezes representam aquilo que não se vê. Para quem não entende corretamente a ligação entre causa e efeito, ainda mais ao longo do tempo, nada mais natural que exigir do Estado sempre mais e mais, ignorando as nefastas conseqüências disso.

O homem repudia o sofrimento e a dor. Contudo, é condenado pela natureza ao sofrimento da privação, se não partir para o trabalho. Mas muitos preferem tentar descobrir uma forma de se aproveitar do trabalho de outrem. Daí surge a escravidão, a espoliação, as fraudes. Com o desaparecimento da escravidão, não desaparece a infeliz “inclinação primitiva” que trazem em si os homens para lançar sobre outros o sacrifício necessário para a satisfação e o prazer próprios. Bastiat afirma: “Existem ainda o tirano e a vítima, mas, entre eles, se coloca um intermediário que é o Estado, ou seja, a própria lei”. E para Bastiat, essa espoliação legal é ainda mais imoral que a escravidão, que pelo menos era mais direta e clara.

Assim, todos acabam se dirigindo ao Estado, alegando que entre o trabalho e os prazeres não está havendo uma proporção satisfatória. Para restabelecer o equilíbrio desejado, pretendem avançar um pouco nos bens de outra pessoa. O Estado será o veículo usado, o intermediário. O objetivo é alcançado com tranqüilidade de consciência, já que a própria lei terá agido por eles, que terão as vantagens da espoliação sem os riscos de tê-la praticado, ou sem o ódio que ela gera nas vítimas. Brincam que a diferença entre um político e um ladrão é que, o primeiro, nós escolhemos, enquanto o segundo nos escolhe. As brincadeiras têm um fundo de verdade.

Essa “personificação” do Estado tem sido no passado e será no futuro uma fonte fecunda de calamidades e de revoluções. O povo está de um lado, o Estado do outro, como se fossem dois seres distintos. O Estado tem duas mãos: uma para receber, outra para dar. Conforme Bastiat, a mão rude e a mão delicada. A ação da segunda subordina-se necessariamente à da primeira. Como dizia Roberto Campos, “o bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito”. Afinal, “o que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar”. Isso se explica, segundo Bastiat, “pela natureza porosa e absorvente de suas mãos, que retêm sempre uma parte e às vezes a totalidade daquilo que tocam”. O que é realmente impossível é o Estado devolver ao povo mais do que ele tomou, como se pudesse criar riqueza do nada.

Dessa forma, coexistem no povo duas esperanças e no governo duas promessas: muitos benefícios e nenhum imposto. Por serem esperanças e promessas contraditórias, não podem se realizar nunca. Bastiat questiona: “Não estará aí a causa de todas as nossas revoluções?”. Pois entre o Estado que esbanja promessas impossíveis e o povo que sonha coisas irrealizáveis, surgem os ambiciosos e vendedores de utopias. O povo passa a acreditar nas promessas utópicas, mas estas nunca se concretizam. A contradição é eterna: se o governante quiser ser filantropo, é forçado a permanecer fiscal. Antes de oferecer qualquer coisa ao povo, tem inexoravelmente que tirar dele antes. A idéia de que o Estado deve dar muito aos cidadãos e tirar deles muito pouco é absurda e perigosa. Mas como alerta Bastiat, os “cortejadores de popularidade” são peritos na arte de mostrar a mão delicada, mas esconder a mão rude.

Tudo exigir do Estado e nada dar é “quimérico, absurdo, pueril, contraditório e perigoso”. Bastiat pergunta: “Como é que o povo não vai fazer revolução em cima de revolução, se ele estiver decidido a só parar quando houver realizado esta contradição: nada dar ao Estado e dele receber tudo?”. Mas esses utópicos fogem desta contradição justamente pela abstração do Estado, como se ele pudesse ser algo diferente da soma dos cidadãos que compõem a nação. Para os socialistas, existe um estado natural de abundância. Nunca compreenderam direito o conceito de escassez. Basta empurrar as demandas existentes para o ente abstrato chamado Estado, que tudo irá ficar maravilhoso. Teremos o paraíso terrestre!

Para os outros que entendem a mensagem de Bastiat, no entanto, o Estado não é ou não deveria ser outra coisa senão “a força comum instituída, não para ser entre todos os cidadãos um instrumento de opressão e de espoliação recíproca, mas, ao contrário, para garantir a cada um o seu e fazer reinar a justiça e a segurança”. Ou seja, o Estado deveria existir para garantir a propriedade privada e as trocas voluntárias num ambiente de liberdade. Nunca para praticar a espoliação legal, que nada mais é que escravidão velada.



Por Rodrigo Constantino

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