terça-feira, 11 de novembro de 2014

A face totalitária do Governo Dilma



A marca constitutiva de um regime político está na fidelidade aos valores que norteiam a vida da comunidade política. Um regime político, no sentido pleno da expressão, é aquele cuja aspiração maior da conjuntura político-social é a conservação da ordem social em meio a um clima de liberdade e igualdade políticas.

Por outro lado, regimes de exceção são caracterizados por buscarem o domínio sobre as ações dos indivíduos e sobre os meios disponíveis de resistência social, cuja pretensão é atribuir a alguém ou a alguns indivíduos o domínio máximo sobre todos os meios disponíveis de ação e reação diante do uso ilimitado do poder. Os regimes de exceção são regimes impolíticos. São assim caracterizados por negarem o bem comum. Os regimes impolíticos não possuem uma ordem social reconhecida pelos membros da comunidade. Antes, apóiam-se na decisão arbitrária de alguém, ou de um grupo, enfim, um soberano, que decide tanto de modo ordinário quanto em situações extraordinárias.

Os totalitarismos do século XX foram caracterizados da seguinte forma: partido único, burocracia estatal forte e concentrada, conjunto de propósitos definidos segundo a cosmovisão dada pela ideologia partidária dominante, um líder messiânico, polícia secreta designada para perseguir potenciais inimigos, adesão incondicionada dos indivíduos considerados padronizados pelo establishment e uma cultura fortemente delineada segundo os ditames ideológicos.

Todavia, a ascensão desses regimes ao poder total não foi antecedida apenas por golpes e revoluções. Na maior parte dos casos, regimes dessa natureza emergem em momentos de aparente calmaria, até mesmo aproveitando-se daquilo que o regime anterior continha de melhor.

Exemplo disso podemos encontrar na Alemanha nazista. O nazismo constituiu-se como regime que ascendeu ao poder pela legalidade. A conquista do poder estatal não demandou algum golpe ou ataque a ordem constitucional. Na verdade, foi dentro do âmbito da legalidade e da constitucionalidade que o nazismo foi levado às últimas consequências.

Embora incomparavelmente menos cruel, o Brasil viveu sob as amarguras de um odiado regime militar. A esquerda festiva, comumente apontada como bode expiatório do regime em questão, o acusa de crimes infinitamente maiores do que de fato cometeu, apoiando, por outro lado, regimes que na realidade foram muito mais cruéis e “impolíticos” em termos comparativos, como foi o caso do Leninismo na antiga URSS e de Fidel Castro em Cuba. Usando a técnica da inversão psicológica como instrumento de dominação de massas, a esquerda dominou as universidades brasileiras tendo como escopo a hegemonia cultural, cujo intento era o de apresentar uma nova história da humanidade, narrada segundo a dialética materialista e os padrões teológico-políticos da economia política marxista, para quem o homem é um animal econômico, a história é um palco de tensões permanentes entre classes sociais e os indivíduos buscam a plenitude existencial mediante a luta social pela hegemonia.

Foi Antonio Gramsci quem acentuou, na tradição revolucionária, a posição da cultura como centro irradiador de eficácia do sentido da revolução. Ou seja, para um domínio efetivo, não basta a força efetivamente ameaçadora da vida e da liberdade. É mais conveniente para a manutenção do status quo político uma dominação cultural que amplie desde a esfera pública para dentro da consciência humana as amarras ideológicas que cercam o amplexo dos comportamentos sociais.

Inúmeros regimes impolíticos basearam suas pautas estatutárias e políticas nos ensinamentos de Gramsci. Tal foi o caso do PT. E é justamente nesse diapasão que devemos entender o governo Dilma.

O PT comemorou sua ascensão ao topo do edifício político brasileiro carregando consigo um projeto de “transformação”. O que se chamava em 2002 de “transição para o socialismo democrático” (palavras de Frei Betto), acabou por se transformar em um regime consolidado, que optou por uma via revolucionária distinta das formas procedimentais de tomada do poder anteriores.

Após oito anos de governo Lula, o Brasil adentrou na segunda década dos anos 2000 sob a presidência de Dilma Rousseff, conhecida pelo conhecimento técnico impecável e por demonstrar pouca simpatia quando a pauta são os assuntos do Estado. Viril no trato pessoal, direta na forma de falar e expressar-se, adepta ao estilo político da linguagem direta e pouco persuasiva, recatada no âmbito pessoal, bastante esforçada para parecer amável perante os órgãos de imprensa em geral. Dilma foi guerrilheira e alegou ter sido torturada. Após passagem pelo governo Lula, como Ministra de Minas e Energia e Ministra-chefe da Casa Civil foi eleita Presidente da República com 56,05% dos votos, tendo vencido José Serra, um candidato que preferiu fazer uma oposição light, sem atacar o coração do projeto petista, preferindo descer a críticas meramente técnicas e administrativas do governo Lula. Assim, Dilma tomou posse no dia 1º de janeiro de 2011 e termina seu mandato em 1º de janeiro de 2015. Trás em seu governo algumas diferenças em relação ao anterior, mas com ele compartilha de um projeto maior, que condiciona todos os passos específicos da política cotidiana petista: a busca permanente pela hegemonia, tal como a designamos.

O governo Dilma representa, em seu conjunto, a continuidade do projeto de poder iniciado pelo governo Lula. O projeto de poder, aspirando a estatura de “soberano”, nos moldes definidos pela teoria política de Carl Schmitt, pressupõe um envolvimento entre as atividades institucionais do Estado, as formas instrumentais de dominação dos possíveis escapes (ou seja, daquilo que pode, em última análise, fugir ao controle da intelligentzia), organizações sociais em geral, partidos políticos, os meios de formação de massas, as universidades, etc. A busca permanente pela hegemonia, embora reconheça a impossibilidade de um controle absoluto nos termos descritos por Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo, tem como marca característica a persistência implacável. O movimento revolucionário não desiste de conquistar a hegemonia total, do poder e do controle em sentido absoluto. O projeto em questão, assim, almeja uma unidade entre o poder e a cultura, entre as instituições políticas e os modelos que formam a mentalidade em geral e as consciências individuais em particular.

Prova disso podemos ver na conjuntura política do governo Dilma. Já no primeiro ano de mandato, Dilma fez uma espécie de “limpa” nos quadros do primeiro e segundo escalões. No primeiro escalão, atacou os cargos ministeriais e teve a possibilidade de renovar ainda mais (como fizera Lula) os Tribunais Superiores. Limpeza e renovação eram, na visão de muitos jornalistas e analistas políticos, símbolos de um governo de mudança e compromisso ético. Quando percebemos a unidade de propósitos entre os governos Lula e Dilma, logo reconhecemos que a correspondência proposital entre as palavras “limpeza” e “ética” tem como meta confundir a mente do cidadão, fazendo-o acreditar que os problemas do mensalão e as podridões do governo anterior serão agora solucionados e desde já, erradicados do governo. Além disso, a tática astuta aí latente tem outra pretensão: elevar o governo Dilma ao patamar de “governo de excelência moral”. A politização da consciência aí subjacente não permite esconder o firme propósito de que o projeto tem como intento tornar o governo “soberano” um governo “ético”.

Além disso, também é perceptível que o governo Dilma removeu as posições em instituições estratégicas, como Tribunais e órgãos diplomáticos. A remoção, todavia, jamais representou uma mudança de paradigma. Antes, simbolizou uma mera troca de cargos para facilitar o andar ou o engessamento estratégico do projeto de poder.

Ademais, o governo Dilma é comumente associado ao benevolente valor da eficiência. Pré-sal, redução de cargos em comissão, diminuição dos gastos de despesas públicas, alterações exageradas no Orçamento Geral da União e coalizões bem sucedidas no Congresso Nacional permitiram ao governo Dilma o tão aclamado “corte de gastos”.

Em qualquer Estado com razoabilidade fiscal e administrativa, a carga tributária é devida a relação inversamente proporcional entre receitas e despesas, de modo a equalizar o conjunto das relações tributárias em geral. Ou seja, se diminuímos gastos, é porque queremos reduzir a carga tributária. Na lógica do governo Dilma, mas também dos governos anteriores, é o contrário: diminuímos gastos porque queremos arrecadar mais! Vale dizer: a carga tributária aumenta geometricamente, enquanto o corte de gastos opera aritmeticamente. Assim, sobra mais receita para despender em “projetos”. Que “projetos”? Não sabemos. Assim, duas possibilidades surgem à mente: ou o governo Dilma optou pelo aumento de despesa com setores públicos ou não possui uma racionalidade tributária. Opto pela segunda afirmação. A previdência social continua caótica. O ordenado dos servidores públicos da União (com exceção dos cargos de primeiro escalão) continua intacto. Os projetos de melhoria social nas áreas de saúde e educação sofrem lento desenvolvimento. Enfim, a arrecadação não se transfigura em bem-estar, de modo que a lógica irracional da administração fiscal resulta em um “Carnaval Tributário”, para usar a expressão do saudoso tributarista Alfredo Augusto Becker.

No terreno da ciência política, assim, é perceptível ações do governo Dilma que a aproximam de um ideal desenvolvimentista, de uma política econômica cada vez mais aberta ao mercado externo, menos inflexível ao mercado interno, negociável no que tange ao mercado comum regional (Mercosul), mas suscetível aos consensos obscuramente atingidos nos Foros de São Paulo e demais encontros entre líderes da região sul-americana, não por alguma dose de covardia que pareceria mais nobre do ponto de vista ético-político, mas por pura submissão a um projeto comum, de hegemonização ideológica da região. O governo Dilma conta com parceiros para tal empreitada. Os governos da Argentina, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Equador, são pontos-chave nesse projeto. Para tanto, estabelecem decisões em comum, adaptando tais deliberações às condições internas de cada país, no intuito de assumir certa linearidade nos acontecimentos políticos sucessivos (exemplo: a busca quase concomitante pela aprovação do aborto em cada um dos países), sem descuidar das diferenças de força interna e de resistência a tal projeto em cada país.

A busca constante pela hegemonia na região não avança o sinal vermelho das resistências sem cuidar da ampliação da margem de tolerância e, porque não, adesão dos adversários ventáveis. O que se quer dizer é que nem toda resistência é “resistência” no sentido integral. As duas posturas condutoras da dinâmica revolucionária: o “dinheiro compra quase tudo” e “a adesão incondicional à cultura predominante pela submissão psicológica é preferível à ameaça física” são duas táticas indispensáveis para o andamento da revolução cultural, que é, hoje também, uma revolução estatal.

Se há algum ponto surpreendente no governo Dilma é o de equilibrar de forma quase perfeita o andar cultural da revolução e a transformação técnico-estatal necessária para que a tomada do poder seja não apenas eficaz, senão efetiva.

O governo Dilma, além disso, aproveitou-se de um sistema eleitoral precário para, em nome do consenso político, amealhar a coalização necessária para votar medidas direta ou indiretamente propositivas em relação ao projeto de poder maior. Em um modelo irracional, marcado pela multiplicidade de partidos sem caráter ideológico – fisiológicos -, com proposições estatutárias pouco específicas, com ampla possibilidade para angariar acordos de bastidores e, na maior parte das vezes, venderem-se a partidos maiores em nome de consensos pouco razoáveis – mas muito convenientes para os adeptos -, resta cada vez mais fácil para que o projeto hegemônico levado a cabo pelo PT encontre terreno fértil.

A fórmula é simples: em ministérios e secretarias menos relevantes, cede-se espaço a partidos e grupos, em troca de uma submissão canina no jogo do plenário. No sistema político vigorante, vemos uma democracia às avessas: um parlamento de joelhos perante o executivo. Não apenas pelo arranjo institucional pérfido que marca o Estado brasileiro, mas sobretudo pela capacidade operativa do PT e seus aliados que, em meio ao panorama desenvolvimentista, aproveitam-se da fraqueza institucional para conduzir maquiavelicamente o projeto hegemônico, conquistando seus adeptos à unha!

Os regimes totalitários, em geral, são caracterizados pelo forte caráter ideológico, que substitui os valores predominantes da comunidade política e assume a tarefa de representar a realidade como um todo. Ou seja, a ideologia subjacente à existência do partido único transfigura-se em verdade absoluta e incontestável.

O regime de que estamos a falar pouco tem disso. Antes, optou por uma revolução que espantaria até ao próprio Marx. Tem em Gramsci seu idealizador. Utiliza-se das ferramentas tecnológicas para unificar padrões culturais e meios de dominação política. Além disso, usa o Estado de Direito para transformá-lo, na prática, em Estado de exceção. Continua utilizando a democracia, para praticar a autocracia. Mantém de pé a Constituição, com seus princípios e valores. Mas forma juízes e operadores do Direito segundo a mentalidade cultural predominante, para que eles mesmos, acreditando estarem fazendo “justiça”, estejam na verdade servindo aos propósitos da hegemonia em operação. Querem destruir a lei e o Parlamento, estabelecendo um governo político do partido e um governo jurídico dos juízes, todos em busca da “justiça social”. O governo Dilma, com sua aparente neutralidade burocrática esconde de forma ainda mais eficaz em comparação com Lula sua roupagem sinistra, totalitária e gramsciana, sob o apoio velado dos formadores de opinião e da classe pseudo-letrada brasileira.



Por Marcus Boeira

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