Há três verdades que queremos destacar à guisa de introdução:
1. Quando a religião se une ao Estado, ela perde sua capacidade de transmitir a verdade de Deus
A religião em Israel tinha perdido sua independência. Estava a serviço do Estado em vez de exercer sua voz profética em nome de Deus chamando o Estado ao arrependimento. A igreja é a consciência do Estado. Se a igreja se une a ele, deixa de falar a ele da parte de Deus. O rei Jeroboão I havia transformado a religião de Israel num instrumento de interesse político e todos os outros reis trilharam por este mesmo caminho.
2. Quando o Estado busca o seu fortalecimento em detrimento da justiça social ele cava o seu próprio abismo
Israel estava vivendo o apogeu da sua vida política e econômica. Jeroboão II tinha alcançado suas mais esplêndidas vitórias. A aristocracia estava vivendo em berço de ouro. Os ricos estavam cada mais opulentos. Porém, enquanto os palácios se enchiam de bens, os pobres viviam amargando a mais extrema pobreza e miséria. A riqueza da nação estava indo para os cofres de uma pequena minoria privilegiada enquanto a maioria do povo vivia esmagada pela mais aviltante miséria. O país estava se enriquecendo, mas não com justiça social.
3. Quando os ricos granjeiam suas riquezas desonestamente, e tanto o Estado como a religião se cala, a nação está à beira do juízo divino
A exploração e a injustiça campeavam. Os ricos entesouravam suas riquezas colossais, tomadas dos pobres indefesos. Nenhuma palavra era dada nem qualquer esforço era feito para coibir essa prática nem mesmo para punir os criminosos. A Bíblia diz, entretanto, que toda autoridade é instituída por Deus para promover o bem e coibir o mal (Rm 13.1-7). Quando o governo se cala diante dos desmandos e injustiças sociais ou se corrompe, fazendo parte de esquemas criminosos para assaltar os indefesos, a nação dá claros sinais de sua decadência moral. Quando a religião cala sua voz e deixa de tocar a trombeta Deus, denunciando o pecado quer no palácio quer na choupana, ela mesma se coloca debaixo do juízo divino.
I. UMA NAÇÃO MADURA PARA O JUÍZO (8.1-3)
Amós prossegue nas suas visões. As duas primeiras visões que apontavam para o juízo divino por intermédio dos gafanhotos e do fogo haviam sido suspendidas pela intercessão do profeta. A terceira visão (prumo) alertara para a inevitabilidade do julgamento divino. Mas, agora, na quarta visão (cestos dos frutos de verão) apontam para a iminência do juízo. A hora havia chegado. Todas as oportunidades haviam cessado. Chegara o dia do ajuste, da prestação de contas, da retribuição divina para uma nação que desperdiçara todas as suas chances de arrependimento.
1.Deus mostra uma descrição simbólica da iminência do juízo (8.1)
Deus mostra para Amós um cesto de frutos de verão. Esses frutos estavam maduros, por isso foram colhidos. Esses frutos maduros são um símbolo da nação de Israel que estava madura para o julgamento. Não dava mais para esperar. A hora do juízo tinha chegado. O Reino do Norte havia chegado ao fim de sua existência como nação. Charles Feinberg diz que a visão do prumo mostrava a certeza do juízo vindouro, mas a visão do cesto de frutos de verão a proximidade dessa visitação.1 Chega um momento em que a longanimidade de Deus se esgota (Is 55.6,7) e é decretado o julgamento, diz Warren Wiersbe.2
J. A. Motyer destaca um aspecto interessante. A compreensão dos versículos 1 a 3 depende de entendermos um vigoroso jogo de palavras, um trocadilho do hebraico. Em resposta à pergunta do Senhor (8.2), Amós respondeu: qayis, então o Senhor me disse… qês. No som o efeito destas duas palavras é idêntico e a transição de uma para a outra viria com facilidade natural para a mente sutil e receptiva de Amós. Eles vinham à presença de Deus, não simplesmente com frutos maduros, mas como frutos maduros, amadurecidos através de todos os meses e anos de testes morais e espirituais que Deus lhes forneceu (4.6-11) e, agora, é triste dizer, estavam prontos para uma colheita particularmente assustadora.3
2.Deus mostra que aqueles que tapam os ouvidos à sua voz, fecham as portas da graça com suas próprias mãos (8.2)
Deus diz para Amós: “Chegou o fim para o meu povo Israel” (8.2). Por longos séculos Deus manifestou a esse povo o seu amor. Libertou-o da escravidão. Sustentou-o no deserto. Livrou-o de seus inimigos. Introduziu-o na terra prometida. Fez-lhe promessas grandiosas. Suscitou dentre seus próprios filhos profetas que lhe anunciaram a verdade. Levantou dentro de suas famílias nazireus, jovens consagrados que mostravam a eles, pela vida, o caminho da santidade. Deus enviou-lhes mensagens aos ouvidos e aos olhos. Mas esse povo rechaçou todas as mensagens e rejeitou todos os privilégios. Tapou seus ouvidos à voz de Deus e se insurgiu contra sua autoridade. Deus, então, entregou seu povo nas mãos do inimigo. Chegara seu fim. A porta da misericórdia estava fechada.
J. A. Motyer diz que esse súbito desencadear do desastre é enfatizado fortemente por Amós por meio de vívidas ilustrações: cânticos se transformam em uivos (8.3), a terra sólida estremecerá, será agitada e abaixará (8.8), o sol se porá ao meio-dia e a terra se escurecerá em dia claro (8.9), festas se converterão em luto, cânticos em lamentações (8.10).4
3.Deus mostra que oportunidades perdidas, podem jamais ser recuperadas (8.2)
Deus anuncia a Amós: “… e jamais passarei por ele”. O tempo da oportunidade havia acabado. A porta da esperança tinha sido fechada. Quem muitas vezes é exortado e endurece a sua cerviz será quebrado repentinamente sem que haja cura (Pv 29.1). Para Israel não haveria mais perdão nem restauração. A nação seria levada para o cativeiro sem jamais ser restaurada.
J. A. Motyer descrevendo essa situação diz que se Deus decidir que o período experimental já acabou, que o período de “ainda este ano” (Lc 13.1-8), da última oportunidade da vida, já se esgotou com a chegada da colheita do outono, então o ar se encherá dos gemidos da graça perdida (8.3a) até que a morte que o pecado produz tenha realizado o seu intento (8.3b) e um silêncio ainda mais terrível que os gemidos envolva tudo (8.3c).5
4.Deus mostra que seu castigo tem conseqüências trágicas (8.3)
Amós destaca três conseqüências desastrosas colhidas por Israel:
Em primeiro lugar, a alegria superficial tornar-se-á lamentos profundos (8.3a). O povo ia ao templo e entoava cânticos e tocava suas liras e celebrava com intenso júbilo. Mas, essa alegria não era inspirada por Deus nem brotava de corações sinceros. Eles cantavam, mas não adoravam a Deus. Eles tinham música em abundância, mas não vida no altar. Eles associavam ajuntamento solene com iniqüidade. Agora, esses cânticos cessarão. A música do templo transformar-se-á em tristeza. Dentro de seus templos não haverá mais o som das liras, mas uivos de dor, de lamento, e de profunda tristeza.
Em segundo lugar, a pretensa segurança transformar-se-á em tragédia generalizada (8.3b). Eles se sentiam seguros, encastelados na rica e opulenta cidade de Samaria. Achavam que a tragédia jamais poderia chegar nos portões da sua soberba e rica cidade, plantada no topo da montanha. Mas, a soberba de Samaria caiu por terra. A cidade foi cercada. O inimigo invadiu os seus portões, saqueou suas casas, pilhou seus bens, passou ao fio da espada seus habitantes e os mortos se multiplicaram em todos os lugares. Os mortos serão tão numerosos que serão lançados em qualquer lugar e de maneira indiscriminada e ficarão insepultos, entregues ao completo opróbrio.
Em terceiro lugar, a vã confiança no braço da carne converter-se-á em desespero sem nenhum consolo (8.3c). Amazias, o capelão do templo do rei, disse que Israel não poderia sofrer as palavras de Amós (7.10). Ele tolamente pensou que os destinos da nação estavam nas mãos do rei Jeroboão II. Sua confiança estava no braço da carne. Ele deixou de olhar para a história na perspectiva de Deus e quando a tragédia chegou, não houve nem livramento nem qualquer palavra de consolo. A aflição foi tão grande que as palavras se tornaram totalmente inúteis. O silêncio tomou conta de todos!
II. UMA NAÇÃO CORROMPIDA EM SEUS VALORES MORAIS (8.4-6)
O pecado é o opróbrio das nações. Antes de uma nação cair nas mãos do inimigo invasor, ela cai pelas suas próprias transgressões. O profeta disse para essa nação: “Volta, ó Israel, para o Senhor, teu Deus, porque, pelos teus pecados, estás caído” (Os 14.1). Warren Wiersbe diz que Israel havia transgredido a lei de Deus e deixado de viver de acordo com sua aliança. A primeira tábua da lei referia-se ao relacionamento do povo com Deus, e a segunda, aos relacionamentos de uns com os outros, e Israel havia se rebelado contra todas essas leis. Não amavam a Deus e não amavam a seu próximo (Mt 22.36-40).6 Quais foram os pecados que levaram essa nação à ruína?
1. A opressão ao pobre, amar mais a injustiça do que a misericórdia (8.4)
A cobiça insaciável levou a classe rica de Israel a praticar crimes horrendos debaixo das barbas do rei, com a ajuda de juízes corruptos sem nenhuma condenação dos sacerdotes. Os ricos tinham gana contra o necessitado e destruíam os miseráveis da terra. Eles tinham uma atitude predatória e insensível para com os homens desamparados (8.4,6). Se pudessem, eles engoliriam os necessitados e os exterminariam (2.6,7). A desumanidade deles provocou a ira de Deus e o colapso da nação, pois quem não exerce misericórdia não pode receber misericórdia. A religião sem o exercício da misericórdia é vã (Tg 1.27). A fé sem as obras é morta (Tg 2.14-17).
Jalmar Bowden diz que é característico de todas as gerações, os ricos, não satisfeitos com o que têm, destruírem os pobres, a fim de apoderar-se do pouco que eles possuem.7 Russell Norman Champlin diz que o resultado da opressão era eliminar os pobres com morte material e morte física. Os ricos estavam assinando o atestado de óbito social dos pobres.8
2. O desprezo pelo culto divino, amar mais o lucro do que a Deus (8.5)
O calendário religioso deles era observado apenas aparentemente. Eles não se deleitavam em Deus durante seus cultos, mas maquinavam oportunidades para oprimirem ainda mais os pobres. Eles iam ao templo não para adorar nem para ouvir a voz de Deus. Eles iam ao santuário apenas para cultivar seus planos mesquinhos e avarentos. Os negociantes ficavam impacientes, pois queriam aproveitar todos os dias para roubar os pobres, diz Jalmar Bowden.9 Nesta mesma linha de pensamento David Allan Hubbard diz que havia um clima de impaciência com os feriados religiosos, quando todo o comércio era suspenso.10 Isso prova que o deus deles era o dinheiro e no altar de Mamom eles estavam dispostos a sacrificar os pobres, criando mecanismos desonestos para oprimi-los. Charles Feinberg diz que seus espíritos cobiçosos tiravam toda a alegria das festas e dos sábados porque, embora os observassem de maneira superficial, estavam de contínuo pensando no término desses dias sagrados a fim de poderem entregar-se de novo às suas buscas implacáveis de ganhos materiais.11
J. A. Motyer interpreta corretamente esse desprezo dos israelitas pelo culto divino, quando escreve:
Estas pessoas amavam o lucro mais do que amavam a Deus. Elas eram interessadas em formas religiosas. Seu lugar nunca ficaria vazio no festival da lua nova, nem sonhariam em profanar o sábado com o comércio, mas, em nenhum momento das festividades, a religião desalojou os negócios, nem o templo substituiu o escritório, nas suas disposições. O dia santo era um dever, mas não um deleite, um dia longe dali, mas não desligado: as preocupações financeiras venciam outros interesses.12
3.O comércio fraudulento, amar o lucro mais do que a honestidade (8.5b,6)
Aqueles que transigem no seu relacionamento com Deus também transigem no seu relacionamento com os homens. A teologia errada desemboca numa ética errada. Porque eles amavam mais o lucro do que a Deus, eles também amavam o lucro acima da honestidade. Eles usavam um efa adulterado. O efa era uma medida de cerca de 32 litros que os israelitas usavam para medir trigo e outras coisas. O siclo era um peso que se usava para pesar o dinheiro. Assim, os negociantes usavam medidas pequenas para medir as mercadorias que vendiam e pesos grandes para pesar o dinheiro que recebiam dos fregueses.13 Desta forma, eles vendiam menos do que deviam por mais do que deviam.14 A lei de Deus, porém, condena a desonestidade. Balança enganosa é abominação para Deus. Falsos pesos e medidas é crime contra Deus e contra os homens. O comércio desonesto ofende a Deus e rouba o próximo. A Palavra de Deus é categórica nessa questão da honestidade nas transações comerciais:
Na tua bolsa, não terás pesos diversos, um grande e um pequeno. Na tua casa, não terás duas sortes de efa, um grande e um pequeno. Terás peso integral e justo, efa integral e justo; para que se prolonguem os teus dias na terra que te dá o Senhor, teu Deus. Porque é abominação ao Senhor teu Deus, todo aquele que pratica tal injustiça.15
Os israelitas maquinavam meios de roubar os pobres, vendendo o pior produto, por um peso menor, por um preço maior. David Allan Hubbard diz que a desonestidade dos comerciantes era acentuada pelo fato de o trigo, realmente vendido em quantidades diminuídas, e por preços inflacionados, nem sempre ser realmente trigo, mas às vezes refugo, isto é, trigo recolhido do chão ou da eira e, portanto, misturado com materiais estranhos.16 Assim, eles roubavam os pobres de três formas: na qualidade inferior do produto, na elevação do preço do produto e na quantidade menor do produto. A ordem de Deus, porém, é clara: “Não cometereis injustiça no juízo, nem na vara, nem no peso, nem na medida. Balanças justas, pesos justos, efa justo e justo him tereis. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito” (Lv 19.35,36).
1.Tratar as pessoas como coisas, amar mais a si do que ao próximo (8.6)
O esquema econômico injusto em Israel, mancomunado com um poder judiciário sem escrúpulos facilitou o caminho para os ricos avarentos submeter os pobres à própria escravidão. Por não poderem pagar dívidas irrisórias, esses pobres tornavam-se escravos dos ricos. Depois de saquear-lhes os bens, dominavam seus corpos e roubavam sua liberdade. Os israelitas endinheirados tornavam-se, assim, pior do que as nações pagãs, porque aquelas estavam envolvidas com tráfico humano, vendendo seus inimigos capturados em guerra; mas Israel estava escravizando seus próprios irmãos. Charles Feinberg afirma que toda transação deles era marcada por fraude e desonestidade e isso reduzia os pobres à escravidão. Por quantia mínima os necessitados tinham de vender a si próprios. Os ricos não atentavam para o fato de que a Palavra de Deus proibia tais transações (Lv 25.39).
A ganância dos ricos era sem limites. Eles estavam embriagados pelo luxo e pelo conforto. Eles estavam dispostos a fazer qualquer coisa para não perderem esses privilégios de morar em castelos, dormir em camas de marfim, beber vinhos caros, ungir-se com o melhor óleo e escutar as melhores músicas. Eles chegavam a ponto de vender com preço inflacionado aquilo que um comerciante honesto jogava fora, o próprio refugo do trigo, ou seja, aquela parte que caía ao chão, cheio de terra, destinada apenas para os animais.17
J. A. Motyer sintetiza essa prática escandalosa dos israelitas, enfatizando três pecados cometidos pelos ricos de Samaria: tirania (8.4), tratar as pessoas como coisas (8.6a) e a exploração (8.6c). Eles tratavam os pobres como uma peça de mercadoria, como um saco de cereal. Eles viam as pessoas como coisas. Eles olhavam para as pessoas e viam coisas; olhavam para os outros e só pensavam em si mesmos, e isso resultava no pecado acima de todos os pecados.18
III. UMA NAÇÃO SOB A CONDENAÇÃO DO PRÓPRIO DEUS (8.7-10)
O profeta Amós usou quatro retratos para descrever o terror do julgamento sobre Israel: terremoto (8.8), trevas (8.8,), funeral (8.10) e fome (8.11-14).19
1.O juramento selado anunciando o fim do perdão (8.7)
Deus já havia jurado por sua santidade, que Israel seria levado o cativeiro na Assíria (4.2). Havia jurado por si mesmo que abominava a soberba de Jacó e odiava os seus castelos e que abandonaria a cidade e tudo o que havia nela (6.8). Agora, Deus jura pela glória de Jacó que não se esquecerá de todas as suas obras para sempre (8.7). Essa expressão glória de Jacó tem sido debatida pelos estudiosos. J. L. Mays prefere deixar o assunto indefinido,20 enquanto E. B. Pusey considera a glória de Jacó como o próprio Iavé.21 R. S. Cripps defende a tese de que Amós está sendo irônico ao usar a referida expressão.22 Calvino entendia que Deus estava jurando pelos benefícios que havia conferido ao povo de Israel e que não permitiria que aquilo que era tão precioso aos seus olhos fosse desgraçadamente profanado.
2.A hediondez do castigo descrito (8.8)
Amós lança mão de duas figuras para descrever o ataque dos assírios sobre Israel:
Em primeiro lugar, será como um terremoto (8.8b). Até a terra estremecerá por causa dos pecados do povo. A invasão assíria será como um abalo sísmico de proporções catastróficas, quando toda a terra se abalará e se encherá de trevas.
Em segundo lugar, será como uma inundação (8.8b). Os exércitos truculentos do Norte viriam como uma inundação e como as águas impetuosas de um rio que transbordam e provocam desastres e prejuízos, assim o povo seria arrastado por essas enxurradas, por essas torrentes e seria esmagado debaixo dessa avalanche.
3.A rapidez com que o castigo virá (8.9)
O dia do Senhor não era de luz, mas de trevas (5.18,20). O dia da invasão do inimigo terá menos luz, pois o sol se porá ao meio dia. Não haverá tempo para escape nem rotas para fuga. Deus não apenas trará o inimigo contra seu povo, mas preparará o próprio ambiente para que essa invasão seja avassaladora. Assim, Amós demonstra que não só a terra e os céus serão alcançados pelo juízo abrangente, mas todos os habitantes da terra também.
4.As conseqüências inevitáveis do castigo divino (8.10)
Amós faz uma descrição vívida e apavorante acerca do castigo que cai sobre a nação rebelde. Destacamos alguns fatos:
Em primeiro lugar, Deus é o agente de todo o castigo que vem sobre o povo (8.10). Repetidamente o profeta afirma que o juízo está vindo não por casualidade nem por fatalidade, mas porque Deus é quem o está trazendo. A tragédia que desaba sobre a nação não pode ser interpretada apenas como a invasão de um império expansionista e sedento de poder, mas como a intervenção divina para disciplinar o seu próprio povo. Todos os verbos do versículo 10 têm Deus como seu agente: Converterei… Porei… Farei. Jalmar Bowden corretamente escreve que o versículo 10 descreve, em linguagem vívida, que estas convulsões da natureza fariam o que o conhecimento de seu pecado não fez: levaria o povo a manifestações extremas de tristeza e medo, não, porém, de arrependimento, pois o fim daquele dia seria “como um dia de amargura”.23
Em segundo lugar, Deus põe a vida do povo de cabeça para baixo (8.10). Deus converte as festas em luto e os cânticos em lamentações. O que estava no topo faz uma viagem para baixo. O que era razão de folguedo e celebração transforma-se em cenário de dor e choro. O que era razão para júbilo, agora, é motivo de amargos lamentos.
Em terceiro lugar, Deus humilha ao pó os que se exaltavam (8.10). Os mesmos que se refestelavam em festas regadas de vinho e se ungiam com o mais excelente dos óleos e se espreguiçavam em suas camas de marfins, nas recâmaras de seus palácios, agora estão cobertos de pano de saco, com calva sobre a cabeça.
Em quarto lugar, Deus traz sobre o povo um sofrimento indescritível (8.10). Aqueles que oprimiram os pobres e afligiram os necessitados e tornaram a vida dos seus irmãos num vale de lágrimas, agora estão chorando por causa de uma tragédia tão amarga como o luto por um filho único. Esse é o choro que aborta toda esperança, que se esbarra na impossibilidade de continuar sonhando.
Em quinto lugar, Deus traz sobre o povo uma dor para a qual não existe consolo (8.10). Amós diz que esse luto não caminha para a fonte da consolação. Não há bálsamo para essa ferida. Não há cura para essa dor. O fim desse luto será como dia de amarguras. É um choro sem consolo. É a última oportunidade perdida.
Charles Feinberg conclui dizendo que embora as festas de Israel tenham sido sempre ocasiões de grande alegria e regozijo, elas seriam transformadas em luto e seus cânticos em choro (Os 2.11). Pano de saco sobre todos os lombos (Ez 7.18) e calvície em cada cabeça (Is 3.24; Jr 16.6) são também sinais do mais profundo luto. O luto deles será como o de quem perdeu o único filho, aquele por quem o nome da família devia perpetuar-se. Do mesmo modo como no Egito houve luto em cada casa pelo morto (Ex 12.30), assim existiriam condições semelhantes em Israel sob o pesado juízo do Senhor.24
IV. UMA NAÇÃO QUE SENTIU FOME DA PALAVRA TARDE DEMAIS (8.11-14)
Charles Feinberg comenta que a angústia do povo será exterior e interior, temporal e espiritual. A situação espiritual do povo é retratada em termos de uma fome, não de pão, e de uma sede, não de água. Será fome de ouvir as palavras do Senhor.25 James Wolfendale diz que aqui o julgamento de Deus chegou ao seu ápice. Quando Deus cessa de falar aos homens por intermédio dos seus servos e a sua Palavra é removida, então isso é um sinal de que o julgamento está às portas.26
Amós faz uma descrição dramática sobre a condição daqueles que viveram a vida toda rejeitando a Palavra de Deus. Haverá um dia em que essas mesmas pessoas procurarão ouvir a Palavra, mas então, será tarde demais. Assim aconteceu com Saul. Várias vezes o profeta Samuel o alertou em nome de Deus, mas Saul endureceu seu coração e não quis ouvir a voz de Deus. Passo a passo o rei rebelde distanciou de Deus. O profeta Samuel morreu e Deus não falava mais com Saul. Quando este estava no fundo do poço, desesperado, tentou falar com Deus, mas o Senhor já se tinha ido da sua vida (1Sm 28.6).
O Senhor diz à nação que, por desprezar sua Palavra transmitida por meio dos profetas, Israel deveria conhecer a cessação de toda comunicação profética (Ez 7.26; Mq 3.7). A Palavra do Senhor lhe seria retirada. Essa é a retribuição divina pela oposição à verdade. Quão perversa é a natureza do homem! Quando tem a Palavra de Deus, despreza-a; quando esta lhe é retirada, procura-a em virtude da severidade do castigo.27 É verdadeiro o ditado: “Aquele que não quer quando pode, quando quiser não poderá”. É o que se dará com Israel na hora do juízo divino; buscarão a Palavra do Senhor, mas não a encontrarão.28 James Wolfendale esclarece esse ponto com estas palavras:
Quando o evangelho é rejeitado e os ministros são silenciados; quando o templo é profanado por influências mundanas e a adoração religiosa se transforma numa atividade apenas ritualista; Deus remove suas bênçãos, e então, os homens saberão o preço de procurá-las e não encontrá-las.29
Amós enfatiza algumas verdades importantes aqui:
1.Devemos buscar o Senhor enquanto ele está perto (8.11,12)
Amós fala do futuro a fim de preparar a nação para enfrentá-lo: “Eis que vêm dias…” (8.11). Ele diz eis que vêm dias, para que o tempo que resta possa ser preenchido para total proveito e para que os perigos alertados não atinjam um povo desabrigado e despreparado.30 Precisamos viver o presente com a perspectiva do futuro. O apóstolo Paulo diz que é a esperança do futuro que nos dá razão para viver de forma santa no presente (1Co 15.32). J. A. Motyer diz que apenas a perspectiva de algum bem ou mal previsto pode efetivamente orientar o homem no presente. O Senhor nos trata neste nível e enuncia a graça da advertência: particularmente advertindo que a verdade de Deus pode ser perdida sem remédio, mas que nunca é perdida sem trágicas conseqüências.31
O povo de Israel, porém, afastou-se deliberadamente de Deus. Tapou seus ouvidos e endureceu seu coração à proclamação da Palavra de Deus. Por causa de sua desobediência e infidelidade, rejeitou os profetas de Deus e fez pouco caso de suas mensagens. Confiados em sua riqueza e enganados por uma religião falsa aprofundaram-se nos pecados mais hediondos. Agora, estão em aperto, encurralados pelo inimigo. Nesse tempo eles buscam desesperadamente ouvir a Palavra de Deus, mas é tarde demais!
2.O desprezo da Palavra de Deus leva à profunda insatisfação até com coisas mais vitais da vida (8.11)
A fome da Palavra é maior do que a fome de pão. A alma é superior ao corpo, e conhecimento, amor, e verdade são mais necessários do que pão. Nem só de pão viverá o homem. A alma requer alimento. Se a fome e a sede são dolorosos, muito mais dolorosa é a falta de alimento espiritual.32 Na hora do entrincheiramento do inimigo, as pessoas estão desesperadas não por pão nem por água, elementos básicos e vitais para a sobrevivência, mas estão carentes e necessitados de ouvir a Palavra de Deus. A fome da Palavra é maior do que a fome de pão. Aquilo que desprezaram a vida toda é agora a maior necessidade. Aquilo em que não tiveram nenhum prazer é agora a única tábua de salvação.
O livro de Rute narra uma dolorosa história de uma família que saiu de Belém, a Casa do Pão, em tempo de fome, à procura de pão. Nessa jornada inglória, eles foram para Moabe e lá encontraram a morte e não a vida. Buscando a sobrevivência, encontraram a carranca da morte. Buscando salvar a vida, perderam-na. Quando abandonamos a Casa do Pão e buscamos outros caminhos para saciar nossa fome espiritual, em vez de saciar nossa alma, cavamos um buraco de insatisfação dentro de nós. Em vez de encontrarmos a vida, defrontamo-nos com a própria morte.
Warren Wiersbe adverte:
Como é triste quando há muita religião, mas nenhuma Palavra do Senhor! Isso significa que não há luz alguma nas trevas, alimento para a alma, orientação para tomar decisões e nem proteção das mentiras do inimigo. O povo iria cambalear de um lado para o outro como bêbados, sempre na esperança de encontrar comida e bebida para seu corpo e sustento espiritual para sua alma.33
3.O desprezo deliberado da verdade pode levar o homem a uma busca frustrada na hora do aperto (8.11,12)
Amós anteviu a preocupação tardia pela verdade, exatamente como previu um arrependimento tardio (8.10), mas que será de todo ineficiente. O verbo traduzido por andarão (8.12) descreve uma espécie de andar cambaleante, trôpego e claudicante, como o andar de um bêbado. J. A. Motyer diz que esse verbo é usado em relação ao andar dos bêbados (Is 28.7), do balanço das árvores ao vento (Is 7.2), dos lábios que tremem agitados (1Sm 1.13). Assim, aqui, aqueles que nem sabem o que estão fazendo, ou que estão “agitados” pelo pânico, vagueiam pela terra tentando descobrir o que antes consideraram tão levianamente. Mas aqueles dias já se foram há muito e a verdade, com eles.34
Essas pessoas estarão buscando não a Palavra, mas o livramento do sofrimento. Elas ainda estão centradas no eu. Assim como Saul no seu desespero foi buscar uma palavra de Deus num centro espírita, consultando uma médium, e ali encontrou apenas mais desespero e sua sentença de morte, as pessoas buscarão ouvir uma palavra que lhes acalme a tormenta da alma, que lhes traga algum consolo na dor, que lhes aponte uma pequena luz no fim do túnel da vida, mas não encontrarão. O propósito principal de Amós foi o de mostrar o desamparo e a falta de rumo do homem sem a verdade revelada de Deus, para mantê-lo firme e sossegado na hora da crise. A Palavra de Deus é o nosso alimento espiritual (Mt 4.4; 1Pe 2.2) e não há substituto. Quando o povo de Deus rejeita a sua Palavra, ele o julga, removendo sua Palavra, deixando-os ir famintos e iludidos com suas crendices que não satisfazem a alma.35
Russell Norman Champlin corretamente afirma: “O arrependimento é sempre popular em tempos de aflição. Nações inteiras buscam pelo arrependimento em tempos de desastres e guerras nacionais, mas raramente há alguma substância real nesse arrependimento”.36 Um fato curioso no versículo 12 é que embora eles tenham andado de mar a mar e do Norte ao Oriente, correndo por toda parte, buscando a Palavra do Senhor, Amós não faz nenhuma menção que eles tenham ido ao Sul, onde ficava Jerusalém. Possivelmente Amós esteja denunciando o fato de que há duzentos anos, o Reino do Norte tenha rompido com Jerusalém, onde a Palavra de Deus era ensinada e, criado um novo estilo de culto aonde a verdade de Deus havia sido misturada com práticas pagãs. Por que, nessa busca eles não se dirigiram também a Jerusalém? Seria orgulho? Assim, eles andaram por toda parte, menos no lugar onde a verdade se encontrava; por toda parte, menos onde o seu orgulho podia ser humilhado. Eles preferiam permanecer no erro com o orgulho de serem tidos como os que buscam a verdade, em vez de encontrar a verdade às custas de perder o seu orgulho.37 A Palavra de Deus é inconfundível, porém, em afirmar que aqueles que procuram a Deus com o coração sincero, o encontram e Deus muda a sua sorte (Jr 29.13,14).
4.O desprezo da Palavra leva à sucumbência até mesmo dos mais fortes (8.13)
Dentre toda a população são escolhidos os mais fortes e os mais esperançosos – as virgens formosas e os jovens. Mas a esses também faltará toda consolação, uma vez que desmaiarão de sede da Palavra.38 Nesta fome da verdade, Amós vê a juventude sofrendo de maneira especial. A juventude com todo o seu vigor, não consegue reconhecer o erro e cai também nas malhas de uma religião mística e idólatra. J. A. Motyer diz que a própria disposição para alguma coisa nova, que é própria da juventude, faz dela presa fácil das charlatanices, dos “ismos”, das coqueluches e das fantasias. Assim, os erros de uma geração se tornaram os dogmas da próxima, a verdade está um pouco mis escondida e a nova geração um pouco mais afastada da realidade.39
Amós diz que os mais belos e os mais fortes sucumbirão de sede (as virgens formosas e os jovens). Por que essas pessoas estavam com sede? Porque só tinham os cultos sem a Palavra e estes não podiam satisfazer-lhes os anseios mais profundos da alma. Nada, exceto a Palavra de Deus, pode sustentar e dar segurança no tempo e na eternidade. A religião sem a Palavra de Deus produz morte e não vida. É instrumento de fracasso e não veículo de vida.
5.O desprezo da Palavra e o envolvimento com uma religião supersticiosa produzem uma situação deplorável (8.14)
O vácuo da busca inglória da Palavra não permanece vazio, diz Motyer, pois os cultos apressam-se ansiosos para enchê-lo, não apenas um, mas muitos e, o povo que não queria a Palavra de Deus experimenta o pobre alimento da religião feita pelos homens.40 Assim como eles foram impotentes para recuperar a verdade, também o foram para reconhecer o erro da falsa religião e resistir a ele. Segundo Charles Feinberg Amós aponta uma vez mais o motivo das condições previstas nos versículos 11 a 13. Em resumo, eles estavam tão associados aos falsos deuses que já não podiam ouvir a Palavra do Deus vivo e verdadeiro. Haviam abandonado ao Senhor e agora ele os abandonara.41
O ídolo de Samaria, o bezerro de ouro do templo de Dã e culto de Berseba não podiam socorrer o povo no dia da sua calamidade. A fé supersticiosa não serve de sorte no dia da crise. Aqueles que nutriram uma esperança nessas crendices cairão e jamais se levantarão. A queda deles será inevitável e irreversível.
Por Hernandes Dias Lopes
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