Atitudes como desonestidade, mentira e trapaça não são tratadas com a devida abjeção que merecem. Para se compreender melhor a importância da honestidade e da confiança, apenas imagine como seria nossa rotina diária se não pudéssemos confiar em ninguém.
Quando compramos em uma farmácia um recipiente contendo 100 pequenas pílulas (como vidros de homeopatia, por exemplo), quantos de nós nos damos ao trabalho de realmente contar as pílulas? E quando o remédio é líquido, quantos de nós conferimos se o volume divulgado no rótulo corresponde ao volume verdadeiro?
Quando abastecemos nosso carro no posto, como sabemos que os litros especificados na bomba realmente correspondem ao volume que entrou no tanque do carro? Quando você vai ao supermercado e compra 1 quilo de carne, você por acaso verifica — por meios independentes — se realmente está levando um quilo de carne?
Em cada um desses casos, e em milhares de outros, nós simplesmente confiamos no vendedor.
Inversamente, há milhares de situações em que é o vendedor quem tem de confiar no comprador. Após um mês de trabalho, o empregado confia que seu patrão irá lhe pagar o salário combinado. Um comerciante vende um produto e recebe em troca um cheque, o qual ele confia que tenha fundo. Um fornecedor entrega uma mercadoria para seu cliente e confia que este irá lhe pagar dali a 30 dias, como combinado.
Exemplos de honestidade e confiança são abundantes, mas imagine o custo e a inconveniência caso não pudéssemos confiar em ninguém. Teríamos de andar sempre carregando instrumentos de medição para nos certificarmos de que realmente estamos recebendo o volume correto de gasolina e o quilo correto de carne. Imagine a inconveniência de ter de contar o número de pílulas ou de mensurar o volume de um líquido dentro de um recipiente?
Se não pudéssemos confiar em ninguém, se a simples palavra do vendedor ou do comprador não tivesse valor nenhum, teríamos de arcar com o oneroso fardo de fazer contratos por escrito para toda e qualquer transação efetuada. Teríamos de arcar com todos os custos de monitoramento que garantem que a outra parte irá fazer corretamente até mesmo às mais simples transações.
Podemos dizer com toda a certeza que tudo aquilo que solapa a honestidade e a confiança aumenta os custos de transação, reduz o real valor das trocas voluntárias e nos torna mais pobres.
Honestidade e confiança se manifestam de maneiras que poucos de nós sequer conseguimos imaginar. Em determinadas vizinhanças, por exemplo, é comum que empresas de entrega deixem encomendas muitas vezes valiosas em frente à porta caso o morador não esteja em casa para recebê-la. Não há necessidade de marcar horário para a entrega, o que é bom tanto para o morador quanto para a empresa. Ambos ficam com suas agendas livres e aumentam sua produtividade.
Da mesma maneira, supermercados e demais estabelecimentos comerciais podem tranquilamente expor várias mercadorias perto das portas de entrada e saída do estabelecimento, ou até mesmo deixá-las do lado de fora do estabelecimento, sem se preocupar com roubos.
Já em vizinhanças notoriamente menos honestas, empresas de entrega que deixassem encomendas na porta de uma casa e estabelecimentos comerciais que expusessem mercadorias perto da rua estariam cometendo o equivalente a um suicídio econômico.
Desonestidade é algo oneroso. Empresas de entrega não podem simplesmente deixar encomendas em frente à porta caso o morador não esteja em casa. A empresa terá de arcar com os custos de fazer uma nova viagem em outro horário. Ou terá de tentar agendar um horário. Ou então o cliente terá de arcar com os custos de ter ele próprio de ir recolher o produto. Se um estabelecimento comercial decidir exibir algumas de suas mercadorias do lado de fora, ele terá da arcar com os custos de contratar um auxiliar — isso se ele realmente puder se arriscar a deixar suas mercadorias do lado de fora.
Francis Fukuyama ficou famoso em 1988 por causa da publicação de seu livro O Fim da História. A tese que ele defendia era tola e simplória: a democracia liberal havia derrotado todos os sistemas e, dali em diante, passaria a ser o arranjo preponderante e superior a todos os outros. Isso se comprovou uma óbvia inverdade. Pense no Islã. Pense na política burocrática reinante na China. Pense em Hong Kong e em Cingapura, que não têm democracia — ao menos, não no estilo defendido por Fukuyama.
À época, o livro recebeu uma estrondosa publicidade. Hoje, ele raramente é citado. Nunca entendi por que esse livro foi levado a sério. No entanto, durante um bom tempo, várias pessoas o levaram a sério.
Em 1995, Fukuyama publicou outro livro: Confiança. A publicidade recebida por este livro foi ínfima. Mas o livro é excelente. Digo mais: é um dos mais importantes livros já escritos sobre economia e ordem social.
Neste livro, Fukuyama analisa os efeitos da confiança sobre uma sociedade. Ele concentra sua análise nos Estados Unidos, no Japão, na China e no sul da Itália, onde praticamente não há confiança nenhuma em nada e ninguém confia em ninguém. Ato contínuo, ele analisa como a presença ou a ausência da confiança pode se tornar uma fonte de ordem social, de crescimento econômico e de aumento da produtividade geral.
Ele descobriu, de maneira nada surpreendente, que os EUA, até aproximadamente 1960, possuíam uma enorme vantagem competitiva em relação ao resto do mundo por causa do alto nível de confiança que seus habitantes tinham em relação aos seus conterrâneos. À medida que a confiança foi declinando, a taxa de crescimento econômico também declinou. Concomitantemente ao declínio na confiança houve um aumento no número de advogados.
Uma das sociedades menos produtivas de toda a Europa Ocidental é a do sul da Itália. Ele atribui isso à falta de confiança que reina na região. Esse é um dos motivos pelos quais as sociedades secretas, especialmente a Máfia, têm tanta influência no sul da Itália: tais organizações provêm um mínimo de ordem social para seus membros, e a população em geral não oferece muita resistência à existência destas organizações.
A seção sobre a China é a mais interessante. Fukuyama diz que os chineses apresentam um grande nível de confiança, mas somente em relação às suas famílias. Isso faz com que seja muito difícil para empresas chinesas concorrerem com pequenos empreendimentos geridos por famílias ou com pequenos empreendimentos que tenham conexões familiares. Faz com que seja mais difícil criar grandes empresas. E faz com que seja ainda mais difícil levantar fundos e conseguir capital para financiar essas grandes empresas.
Já o Japão está em um meio-termo entre os EUA e a China. No Japão, ao contrário da China, há mais confiança em organizações que não estejam ligadas a famílias. No entanto, os grandes conglomerados japoneses possuem em suas raízes um pequeno número de famílias japonesas.
Em seu livro, Fukuyama dizia acreditar que as corporações japonesas poderiam concorrer no mercado internacional de maneira mais efetiva do que as empresas chinesas porque os japoneses podiam contratar as melhores pessoas, muito embora suas empresas não apresentassem conexões familiares. Os japoneses também seriam capazes de conseguir dinheiro para investimentos mais facilmente do que as empresas chinesas.
Se olharmos o que ocorreu ao longo das últimas décadas, creio que essa tese se comprovou. Empresas chinesas demonstraram uma maior tendência de serem mais intimamente associadas ao governo chinês. O estado tem sido a fonte de financiamento das empresas chinesas. O sistema bancário está mais intimamente ligado ao estado na China do que nas nações ocidentais.
A ausência de instituições formais pode ser observada quase que em sua integralidade na República Popular da China, onde a ideologia maoísta foi a grande responsável pelo atraso na introdução de instituições "burguesas", como o direito comercial. Até o presente momento, empreendedores na China têm de enfrentar um ambiente jurídico extremamente arbitrário, no qual os direitos de propriedade são tênues, os níveis de tributação são variáveis e mudam de acordo com as vontades de cada governo provincial, e o suborno é a rotina quando se lida com funcionários do governo. (p. 330)
Fukuyama também escreveu o seguinte:
Um estado liberal é, em última instância, um estado limitado; um estado em que a atividade do governo é estritamente delimitada pela esfera da liberdade individual. Se tal sociedade não se degenerar no caos ou se tornar ingovernável, ela será capaz de apresentar uma autonomia governamental em todos os níveis de organização social. A sobrevivência de tal sistema dependerá não somente da lei, mas também do autocontrole e do comedimento dos indivíduos. Se eles não forem capazes de apresentar uma coesão em prol de um propósito comum; se eles não forem tolerantes e respeitosos em relação aos conterrâneos, ou não respeitarem as leis que eles próprios criaram para si mesmos, uma agência com grande poder coercivo terá de ser criada para manter cada indivíduo na linha.
Por outro lado, um arranjo sem estado pode funcionar em uma sociedade que apresente um grau extraordinariamente alto de sociabilidade espontânea; uma sociedade na qual o comedimento, a temperança e o comportamento baseado em normas fluam naturalmente do cerne desta sociedade, sem ter de ser trazido de fora.
Um país com um capital social baixo não apenas é mais propenso a ter empresas pequenas, fracas e ineficientes, como também sofrerá mais com a corrupção generalizada de seus funcionários públicos e com uma administração pública ineficaz. Tal situação é dolorosamente evidente na Itália, onde, à medida que se sai do norte e do centro do país em direção ao sul, percebe-se uma relação direta entre atomização social e corrupção (pp. 357-58).
Creio que a teorização acima é correta. Ela é perceptível em todos os países que enriqueceram. Além dos EUA, pense na Suíça, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia. Pesquise o nível de confiança vigente nestes países. Pesquise a percepção de honestidade e como sua população interage entre si. Pesquise o grau de burocracia exigido para se fechar um negócio. Depois, faça o mesmo para os países da América Latina e da África.
O fato de honestidade e confiança serem tão vitais deveria nos fazer repensar a nossa tolerância com criminosos e pessoas desonestas — a começar por todos os criminosos que estão no poder e que gozam de impunidade.
Por
Walter Williams, professor honorário de economia da George Mason Univesity e autor de sete livros
Gary North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história
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