quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Desencantei-me com a esquerda! E agora?
Palma, palma, não priemos cânico! O movimento (literalmente) que mais acontece no Brasil, sobretudo nos dois últimos anos, é de pessoas se movendo da esquerda para a direita.
Mesmo com ojeriza dessa palavra: direita. Que dirá seus sub-conceitos mais específicos: liberal, conservador, libertário, reacionário. Todos palavrões no inconsciente coletivo, no imaginário social.
A esquerda era associada à justiça social, à igualdade, aos oprimidos, à democracia, ao povo e aos pobres.
A direita, vista pela esquerda, era uma pequena elite de poderosos que, sem direito, tomou o poder com mãos autoritárias e enriquecia através da exploração dos proletários (ou apenas “trabalhadores”, quando o primeiro termo ficou claramente antiquado e brega).
Bastava, então, declarar que tudo aquilo que não fosse um país governado de cabo a rabo por esquerdistas seria “de direita”.
É famoso o bordão repetido pelos remanescentes esquerdistas em pleno século XXI no Brasil: “A direita governou por 500 anos, agora deixe a gente governar”. Algo que seria hilário, não fosse a burrice tão crônica: a direita não tem nada a ver com o que a esquerda define que seja sua inimiga – e muito menos a direita apareceu no Brasil – que dirá na desastrosa ditadura militar.
Basta ver que países no mundo são de esquerda e que países são de direita – liberais ou conservadores.
Países de esquerda são Cuba, Venezuela, Coréia do Norte, Laos, a Grécia quebrada, a França do Terror, a União Soviética do Gulag, a China da ausência de liberdade. Todos ditaduras – e militares.
Países com tradição de direita (nenhum “oficialmente” instituído com a proibição de esquerdistas com poder de representação) são Suíça, Austrália, Canadá, Reino Unido (sobretudo a Inglaterra), América, Áustria, Alemanha, Israel, Japão, Coréia do Sul. Qual deles é uma ditadura? Qual deles é opressor autoritário de um povo injustiçado pela força de uma elite malvada?
Era fácil ser de esquerda no mundo bipolar da Guerra Fria, e supor a vitória de uma “social democracia” ou “Estado de bem-estar social” nos confusos termos que tentaram “ultrapassar” aquele período – e na bizarra crença esquerdista de que o Estado inchado nórdico tinha algo a ver com socialismo, e fosse “menos” capitalista do que países de Estado forte e paternalista como o Brasil, com sua cultura de politizar toda a vida.
Até que veio a consagração do PT e… veio o mensalão, veio todo o esquema econômico traduzido em “Bolsas” que logo perderam o encanto, a numerologia que cada vez mais é apartada da realidade (do “tirou 40 milhões da miséria” até os jornalistas petistas garantindo que o PT triplicou o valor do real perante o dólar), a blogosfera progressista, o plano de regular a mídia e a internet, o negacionismo psicótico da militância para admitir corrupção ou malversação, a transferência de dinheiro para ditaduras, o petrolão, o BNDES, o fracasso político com as alianças que iam de Collor, Maluf e Sarney a Feliciano, Cunha e Temer (ao contrário do que se diz, todos são ou foram da base governista), o aparelhamento de estatais que fizeram até uma petrolífera dar prejuízo, a falência econômica com o dinheiro das Bolsas acabando com a classe produtiva (e o PT com cada vez menos a “distribuir”, gerando as pedaladas fiscais para fingir que faz um bom trabalho) e, por fim, o Tico Santa Cruz.
Todos estes elementos fazem com que ser de esquerda não seja mais apenas antiquado, retrógrado, uma explicação primitiva da realidade, uma estética que se diz transgressora e é mais almofadinha e acomodada do que o Zé de Abreu, um ideário tão apartado dos reais problemas das pessoas – e sobretudo dos pobres – quanto um mangá sobre invasões alienígenas.
Fazem com que o esquerdista restante do século XXI seja o maior dos maiores bobos da corte – quando não está puxando saco de tiranias, bandidos e corruptos, está apenas sendo o paspalhão do qual todas as pessoas sérias estão a rir.
O sonho acabou? É o que dizem os artigos que pipocaram na grande e pequena mídia nessa semana. Aqui é que está a perigosíssima encruzilhada para saber se daremos um passo na melhor direção ou se ficaremos perdidos e apatetados diante das tessituras do mundo real dando opiniões a esmo como colunistas da Carta Maior.
Não, o sonho não acabou. G. K. Chesterton, um dos maiores pensadores de direita do mundo, ao explicar por que, na verdade, tem orgulho de ser reacionário, explica: não são sonhos que os jovens têm, que perdem quando velhos. É mais realidade que ganham, com a experiência da vida (o pensamento “conservador” não significa conservar o mundo como está, mas pensá-lo através desta experiência). Mais velhos, somos, por definição, mais desconfiados de soluções milagrosas, dependentes de tomar o poder e controlar toda a sociedade por umas poucas mãos.
Ora, o socialismo ideal, a social-democracia ideal, o capitalismo ideal são todos maravilhosos. O problema é o real. É esta realidade que vamos adquirindo com as areias do tempo. Como as coisas reagem às nossas tentativas de moldá-las – por isto, alguns se consideram reacionários – por saberem como o mundo reagirá antes de usar a política para tentar fazer com que 2 e 2 sejam 5.
E por que demoramos tanto para vislumbrar o real? Ora, basta lembrar: a esquerda hardcore nasceu com um livro de Economia (O Capital), mas tal livro só é usado na Economia como curiosidade histórica. Onde ela floresceu mesmo foi na sociologia, na psicologia, na crítica literária, na semiótica e, recentemente, no jornalismo.
Em suma, não nas áreas técnicas, mas naquelas que lidam com o imaginário coletivo e social.
Exatamente por tal razão, a diferença entre direitistas e esquerdistas não é propriamente de argumentos (ambos querem que os pobres enriqueçam e ambos sabem que matar um inocente é errado), e sim de conceitos.
Por isso tantos recusam admitir que seu ideário, quando consubstanciado na realidade (seja o marxismo-leninismo na Coréia do Norte ou a “economia controlada pelo Estado social” do PT), dá sempre errado.
Para a esquerda, há oprimidos e opressores, e não humanos com diferentes aptidões e escolhas de vida que, exatamente por conseqüência destas, têm vidas distintas.
Enxergando o mundo nesta dualidade, sempre que alguém prospera na vida, se torna “explorador” de alguém, mesmo nunca tomando seu trabalho ou dinheiro à força, injustamente ou exageradamente.
A confusão aí não é de argumentos, mas de conceitos. Qualquer um é contra exploradores e opressores, mas a esquerda, usando o termo para pessoas normais, que trabalham e produzem riqueza, faz com que pessoas normais, embebidas apenas de fontes esquerdistas de interpretação da realidade, enxerguem mesmo um “explorador” em um empresário que gera riqueza e compartilha com funcionários e clientes por um mundo melhor – já que o blog preferido do esquerdista chama capitalistas de “exploradores”, mesmo que seja um simples pasteleiro – enquanto não enxerga exploração, por exemplo, nos impostos brasileiros – e nem mesmo na ditadura cubana, que enriquece os irmãos Castro, mantendo o povo na miséria de um salário de US$ 15/mês, em troca de “igualdade” e “educação e saúde gratuita” (mesmo sem poder ler um único livro contrário aos Castro).
Ora, esta igualdade “ideal” também parece muito boa, mas recai no mesmo problema dos outros conceitos da esquerda: tem forte carga psicológica, mas descreve pessimamente a vida concreta. O Haiti, por exemplo, é um país bem menos “desigual” do que a Suíça, mas é preferível viver num lugar onde a maioria recebe menos de 2 dólares por dia, ou num lugar em que os ricos ganham 5 milhões, e os “pobres” apenas 100 mil por mês, podendo alcançar aqueles 5 milhões trabalhando, sem o governo atrapalhando para “distribuir renda”?
São estes conceitos, abarrotados de carga psicológica, mas fracos (ou mesmo ocos) de conteúdo real, que estão na mente da esquerda, entre seus olhos e a vida palpável, que grassou tão fortemente na análise social. Tudo para ela é valorativo, e não apenas descritivo.
Basta analisar os seus termos: proletário (aquele que vive da própria prole – classe que nem mais existe no mundo civilizado), igualdade (tratada como bem em si), empoderamento (há poder maior do que ter menos política na vida?), sustentável (o mundo se sustenta melhor sem ela) ou, como Hayek, outro gênio da direita, bem observou, a capacidade de qualquer termo ganhar pompas de justo, belo e moral ao se adicionar o adjetivo “social” a ele – de contabilidade e administração até consciência, pensador, utilidade, opinião ou trabalho.
Para não dizer do uso da palavra “fascista” para tudo – e tudo que seja opostoao fascismo (do contrário, não ofenderia – ou tentar xingar e calar um oficial da Waffen SS de “nazista, racista, autoritário e anti-semita!” por acaso o ofenderia ou o faria se calar?).
Embebido neste elixir psicológico, o esquerdista, incluindo o mais intelectual, acredita estar observando a realidade com muito mais ciência, inteligência e bons sentimentos do que o direitista, quando não percebe que se divorcia radicalmente da objetividade e só enxerga o seu próprio palavreado.
Os estruturalistas, os pais intelectuais da esquerda contemporânea, negammesmo a realidade fora de seus cacoetes verbais. Bem dizia Nietzsche que não nos livraremos de nossos ídolos enquanto não nos livrarmos de nossa linguagem.
O esquerdista, mormente quando jovem, tendo por “conhecimento” apenas aquela burocracia acadêmica que seus professores lhe obrigam a ler, crê piamente que a direita é apenas um agrupamento de elitistas autocráticos, fanáticos religiosos asfixiantes e regressistas abafadiços que não leram Michel Foucault e Jean Paul Sartre o suficiente.
Malgrado seus preconceitos, com voz de autoridade crendo-se questionador de autoridades, e a despeito de suas referências viciosas, defendendo totalitarismos opressores que “libertaram” povos de sua própria liberdade, a direita, trabalhando o senso comum, pode tanto ser não-acadêmica (mesmo que a densa e complexa filosofia do Common Sense creia justamente na sabedoria do homem comum), como pode ser uma enciclopédia de conhecimento filosófico profundo, como é o caso de G. K. Chesterton, Eric Voegelin, Ludwig von Mises, Thomas Sowell, Ortega y Gasset, Kuehnelt-Leddihn, Russell Kirk, Roger Scruton e tantos outros.
Tal cabedal de conhecimento não consiste em autoritários malvados e ignorantes (a despeito do que repete como vitrola rachada uma pretensa filósofa petista) que desconhecem Ronald Dworkin ou György Lukács; pelo contrário: os estudam e escrevem sobre eles. Se a esquerda não faz o mesmo com a direita (mesmo estes nomes óbvios são, com raríssimas exceções, completamente desconhecidos dos universitários brasileiros), é, sim, porque ela se tornaria de direita se conhecesse a esquerda.
Portanto, “companheiro”, sei que você está assombrado com o descalabro da esquerda consubstanciada, e até costuma apelar para o clichê, que só funciona brincando com palavras, de que, se algo deu errado, “virou” de direita (assim, o PT, os black blocs, o nacional-socialismo ou mesmo Stalin são chamados “de direita” pela esquerda nacional). Mas não se preocupe: há muito o que estudar, e muito o que gostar da direita – estes dois últimos verbos, aplicados a ela, se tornam sinônimos.
Não tenha medo, porque a única desvantagem de ser de direita – ficar malvisto nas rodinhas de bem falantes e no palpitariado nacional – está deixando de existir nestes tempos em que a presidente parece amargar menos de 7% de aprovação. Agora, pode perceber que usou os conceitos errados – e acreditou que a realidade eram estes conceitos – e abraçar aquilo que sempre achou que odiava, sem saber o que era: a direita, seja liberal, conservadora ou libertária.
Pois como você pode perceber na vida real, todos passam da esquerda para a direita – portanto, chegam à direita sabendo o que é a esquerda – mas nunca o contrário. Há uma razão para isso, que os esquerdistas escondem de você.
O liberalismo ou o conservadorismo são filosofias e posições políticas às quais geralmente só se atinge depois de certa idade, experiência e estudo, enquanto a esquerda e seus cacoetes repetíveis convence os jovens e os que nunca estudaram a economia liberal, os valores conservadores. Também há razão para isto – óbvia como o common sense.
Deixar de ser de esquerda é o caminho para enxergar a realidade e deixar que ela determine nossos pensamentos, em vez de “revolucionar” e modificá-la apenas para nosso bel-prazer.
Seja bem vindo!
Por Flavio Morgenstern
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