Como disse Stálin, que matou mais de 15 milhões: 'A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística'
A grande descoberta dos terroristas do Estado Islâmico foi a mídia. Diferentemente da Al-Qaeda e de outros grupos menores, eles não querem nos atacar, como fez Osama no 11 de setembro; eles querem nos corroer por dentro. Eles são pós-Osama. Estão testando nossos sentimentos — nós que nos pensamos civilizados. Sentimentos como compaixão, perdão, moral, respeito ao outro... Entre um holocausto e uma Hiroshima, entre Coreia e Vietnã, somos bons, somos sensatos amantes da liberdade, da fraternidade (igualdade, nem pensar).
Os pavorosos assassinos do EI jogam com isso, criando a internet de fogo, nos acostumando à novas formas de crueldade. Um dia, ficaremos entediados com o horror: “Porra, meu... outro incendiado? Esses caras têm de inventar novas torturas!”.
Porém, mais do que nos assustar com sua violência, eles tiveram uma ideia sinistramente genial: em vez de matar 5.000 desconhecidos como em Nova York, eles escolheram o indivíduo, o morto antes de morrer, o solitário no vídeo para a degola ou o fogo. Eles atacam nosso individualismo. Como disse Stálin, que matou mais de 15 milhões: “A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística”. Essa foi a grande sacada desses ratos, pois todo mundo se identifica com o pobre diabo diante da morte. Hiroshima nos leva a dizer: “Que horror!” Essas cenas do EI nos fazem pensar: “Já imaginou eu nessa situação?. Só choramos por nós mesmos.
Há alguns anos eu vi um homem sendo decapitado. Chegou um vídeo completo na TV e vi. Um bando de demônios de preto, gritando “Só Deus é grande!” agarram o pobre sujeito e lhe cortam o pescoço como o de um porco. Ele grita enquanto a cabeça lhe é arrancada, com grande profusão de sangue que suja as mãos dos carrascos que gargalham de felicidade porque sentem-se mais perto do céu, pois a cada cão infiel morto à faca, eles sobem de ranking para a salvação.
Essas cenas nos levam a um anti-islamismo inevitável, mas isso é o que eles querem: nos chamar a atacá-los com bombardeios ferozes e, assim, inibir os muçulmanos moderados e fazê-los mais rancorosos contra nós. Só os islâmicos podem limitar os terroristas, mas nunca o farão. Aqueles que se declaram contra o EI não se decidiram por uma reação concreta aos assassinos — não os apoiam, mas, no fundo, celebram uma vingança secreta. Cada vez mais nos governa a Lei de Murphy: “Tudo que pode piorar, piora”.
Além disso, eles testam a si mesmos, querendo atingir níveis inimagináveis de crueldade, crucificando crianças, enterrando-as vivas, como fazem também outros horrendos zumbis como o Boko Haram e o Talibã. Querem despertar em nós a violência recíproca, pois em nossa mente surge o vingador implacável, o desejo de arrancar da face da Terra esses espelhos de nossa própria animalidade. Não queremos contemplar nossa bruta agressividade — eles são como nós. “Ahh... se eu pudesse metralhar esses filhos da puta!” Desejamos exterminar esses assassinos do pobre jordaniano e do japa. Mas, eles escapam de nossas balas e de nosso ódio, porque não são “napoleônicos” no combate, mas dispersos demônios no deserto. O modo napoleônico de fazer a guerra não funciona contra forças irregulares. Napoleão procurava a destruição do exército adversário e queda do governo desse Estado. Contudo, num combate irregular — subversão — não há uma batalha decisiva.
Agora, a guerra virou loucura pura. Se um dos inimigos não tem medo de morrer, muda tudo, não há vitória.
De uma forma repugnante, a verdade do mundo atual apareceu. Estão irrompendo todas as misérias do planeta para além do circuito Helena Rubinstein: uma religião da vingança e da morte, formada pela ignorância milenar de desgraçados no deserto, com inveja das conquistas do Ocidente e o cultivo do martírio.
Os fanáticos do Oriente são a pulsão de morte recalcada, a morte que mandamos para debaixo do tapete. Agora a sujeira está voltando em nossa cara. Não temos a sólida estupidez dos islamistas; nossa violência tem sempre uma racionalização, mentiras sob o pretexto da busca de um “bem”. Mas estão ficando claras a fragilidade e a impotência do Ocidente, sob a capa de antiga competência invulnerável. E esta nova forma de horror se dá em pleno século XXI, quando foguetes americanos já viajam entre os anéis de Saturno e aterrissam em cometas. Alguns dirão: “Bem feito, pois o Ocidente gerou isso tudo com sua exploração colonial e imperialista”.
Não, agora os terroristas não são mais reativos; são inventivos, bem armados pela Rússia e pela China, além do armamento pilhado da “primavera árabe”. Não são mais “consequência” de nada; são a vanguarda de uma nova forma de morte, são a invenção de uma perversidade que nasceu deles mesmos, da estupidez fanática da “sharia”, de séculos de ignorância e atraso. Claro que o Ocidente já aprontou muito, mas nada disso é mais a causa de coisa alguma, agora que tiveram a ideia genial de usar as máquinas do Ocidente — aviões e mísseis contra os infiéis. E convocam malucos ingleses e americanos (mais de mil) para o EI, que voltam para infernizar seus países de origem. Eles estão pautando nossa agenda. Agora, só resta aos países ameaçados a defesa.
Subitamente, fomos arrojados de volta a uma era pré-política. Os nazistas queriam um milênio ariano, os comunas queriam construir um paraíso social, os fanáticos do Islã querem construir nada. Já estão prontos. Já chegaram lá. Já vivem na eternidade. Querem apenas destruir o demônio — que somos nós.
Tudo o que fazemos tem o alvo da finalidade, do progresso. O Islã não quer isso. Quer o imóvel, a verdade incontestável. O Islã transcendeu o político há muito tempo. Suas multidões jazem na miséria, conformadas, perfazendo o ritual obsessivo cotidiano do Corão que os libertou da dúvida e do medo.
A morte ocidental é diferente da morte oriental. Como uma vez disse o líder dos talibãs Muhammed Omar, com desdém: “Nós amamos a morte; vocês sempre gostaram de viver!”.
Por Arnaldo Jabor
Nenhum comentário:
Postar um comentário