Uma das complicações da política brasileira de hoje é que a poeira não baixa. Deveria baixar, pela lei da gravidade; “se subiu tem de descer”, dizia Raul Seixas numa de suas muitas observações notáveis. Mas no Brasil da presidente Dilma Rousseff a lei da gravidade parece não estar funcionando. Seria mais uma dessas leis que não pegam?
O fato concreto é que a poeira em volta do governo, quase sempre levantada por ele mesmo, continua subindo — e o inconveniente disso é que deixou de existir a opção de esperar que a poeira baixe antes de tomar decisões, como recomenda a sempre tão prudente sabedoria popular. Esperar como? Antes de se desmanchar uma nuvem já vem outra, e se alguém ficar esperando o ambiente clarear corre o risco de passar a vida sem fazer nada.
No momento, com a catástrofe que o Palácio do Planalto criou ao se deixar moer como picadinho na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, subiu um poeirão de estrada de terra em Mato Grosso em tempo de seca. Vai ficar aí por tempo indeterminado — e o resultado é que a vida pública brasileira continuará no voo cego que vem fazendo nos últimos quatro anos.
Sempre há a esperança de que bata um vento capaz de limpar a atmosfera, mas a experiência informa que está rodando no governo Dilma um programa pelo qual os ventos, caprichosamente, não têm tido a bondade de produzir os efeitos esperados deles — a cada vez que venta, ao contrário, tudo o que se tem é mais poeira. Mal começou o ano de 2015, e mal começou o segundo mandato da presidente, e já estamos em pleno breu. Para ficar numa lista resumida, continua em perfeita forma a tempestade de areia levantada no ano passado pelo assalto sem precedentes, e sem limites, aos cofres da Petrobras — só possível, na vida real, pela colaboração prestada aos assaltantes durante doze anos seguidos por parte dos dois governos do PT; no melhor dos casos, é um espetáculo de inépcia, negligência e imperícia que respeitados juristas já acham vizinho da cumplicidade.
Do fim do ano para cá, a coisa só fez piorar. Seguiu-se, logo de cara, a nuvem de pó desse incompreensível novo ministério. Logo depois veio a revelação de que o Brasil corre o risco de um desastre no fornecimento de energia elétrica — ao contrário da afirmação pública da presidente, um ano atrás, de que graças ao seu governo o país tinha energia de sobra, barata e eterna. As contas públicas de 2014 fecharam com um rombo inédito na história: o governo federal arrecadou por volta de 1,2 trilhão de reais, mas conseguiu gastar quase 350 bilhões de reais a mais do que isso. Enfim, na eleição da Câmara, Dilma e seus grandes estrategistas políticos lançaram-se a uma aventura desesperada. Inventaram de declarar guerra a Eduardo Cunha, embora ele comande uma porção decisiva do PMDB, partido que há doze anos é o principal aliado do próprio governo, perderam e criaram uma nova liderança para a oposição, mais perigosa que todas as que já estavam aí.
A vitória de Cunha parece um desses casos clássicos em que a malícia é superada pela burrice. Dilma queria derrotar o PMDB para pagar menos por seu apoio. Vai pagar mais, e não pode fazer nada contra a bizarra espécie de aliado-adversário que criou. Não pode, é claro, expulsar o PMDB do governo, como não podia desde o começo da briga; não pode retaliar nem os partidos anões que comprou com cargos e que a traíram votando em Cunha. Quem iria colocar em seus lugares? Para piorar, o candidato da presidente ficou com pouco mais de 25% dos votos na eleição — uma soma ridícula, francamente, para quem pretende a “hegemonia” na vida política brasileira, como está escrito nos documentos oficiais do PT. A torcida do governo, agora, tenta se animar com a ajuda que imagina receber de gigantes do movimento de massas como Gilberto Kassab e Renan Calheiros — é a isso que está reduzida.
Mais que tudo, Dilma pôs em circulação, inteiramente de graça, a palavra “impeachment”. É um despropósito, levando-se em conta que não está provada até agora nenhuma conduta criminal em relação a ela. Só está provado que faz um governo horrível, mas a Constituição não diz que o governo tem de ser bom; diz apenas que tem de ser eleito. Se é ruim, o remédio prescrito pela lei são eleições de quatro em quatro anos. Ao mesmo tempo, o Congresso não é obrigado a esperar decisões da Justiça para depor presidente algum; fez exatamente isso, por sinal, com Fernando Collor. Eis aí o que pode acabar sendo, para Dilma Rousseff, a mãe de todas as poeiras.
Por J.R. Guzzo
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