sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Alicerces da Paternidade Cristã

“Decorrido o turno de dias de seus banquetes, chamava Jó a seus filhos e os santificava; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles, pois dizia: Talvez tenham pecado os meus filhos e blasfemado contra Deus em seu coração. Assim o fazia Jó continuamente.” Jó 1.5 


O grande “nó” na educação de filhos nos dias atuais é, sem dúvida, a ausência de autoridade no seio da família. Talvez a própria natureza humana apresente um desconforto não só para estar debaixo de autoridade como para exercer a função de autoridade! Tedd Tripp, em seu livro “Pastoreando o Coração da Criança” suscita várias perguntas que nos levam a pensar na natureza da autoridade dos pais em relação aos seus filhos, das quais eu destaco algumas:

· A autoridade é investida sobre o pai ou a mãe em virtude da diferença de tamanho entre os pais e os filhos?
· Fomos investidos de controle por sermos mais inteligentes e mais experientes?
· Deus nos chamou a orientá-los porque não somos pecadores e eles o são? 1

Por certo a resposta a essas perguntas é “não”. Todavia, na caminhada da maioria das famílias tidas como cristãs, a prática diária responderia “sim”! Muitos pais agem (às vezes também dizem!) de forma a dar a entender que os filhos devem obediência a eles ou porque são pequenos e eles são grandes, ou porque os filhos não têm experiência de vida ou porque olham para os filhos como pecadores reféns de certos comportamentos já há muito tempo vencidos e dominados pelos adultos.

No entanto, os pais são autoridade sobre os seus filhos porque Deus os colocou nesta posição. Mais ainda, os pais precisam exercer o seu papel de autoridade sobre os filhos deixando transparecer que estão fazendo essa tarefa em cumprimento às determinações divinas para o bem estar da família. Isso deve trazer transformações na atitude dos pais e, por certo, no modo como os filhos se sujeitam a eles.

Numa sociedade tão remota e num tempo tão primitivo, Jó demonstrou uma profunda compreensão do seu papel de pai! Ele não era apenas uma figura dentro de uma estrutura familiar, mas um pai ativo que interagia com seus filhos e abraçava a responsabilidade de instruí-los, interceder a favor deles e intervirem suas vidas.

Para tanto, é imprescindível reconstruir alguns alicerces para estabilizar e fortalecer a relação pais e filhos entre os cristãos. Longe de ser uma lista exaustiva, abaixo aponto algumas bases nas quais a paternidade cristã deveria se firmar.

1. Os pais também têm o dever de obedecer!
Pai e mãe precisam estar tomados por uma convicção de que a exigência para que seus filhos os obedeçam tem sua raiz no fato de que Deus os comissionou a criar os filhos na disciplina e na admoestação do Senhor (cf. Ef 6.4) e a ensiná-los no caminho da obediência (Pv 22.6). Nesse sentido, os pais também estão no exercício de sua obediência a Deus, persuadidos de que as ações paternais compostas por instruções, intervenções e até correções de disciplina nada mais são do que o “caminho da vida” (cf. Pv 6.23).

Assim, a relação entre pais e filhos não deveria caminhar no compasso das características pessoais de cada casal, mas na cadência dos mandamentos bíblicos impostos sobre os pais. Sendo bem pragmático, nenhum pai ou mãe deveria deixar transparecer a seus filhos que está exigindo obediência deles por estar simplesmente furioso num dado momento ou porque foi criado de um certo jeito e é conservador ou porque o modo de viver dos filhos está agredindo o seu próprio modo de ver a vida, mas, sobretudo, porque esse pai ou essa mãe está atuando debaixo da lei e da autoridade divina!

Os pais não podem exigir obediência de seus filhos porque seu gosto pessoal é ter filhos obedientes, mas porque Deus disse que eles precisam fazer dessa maneira. Quando os pais ensinam os filhos no caminho da obediência, mais do que realizando um sonho pessoal de ter filhos bem criados e educados, eles estão sendo fiéis às ordens divinas.

2. Os pais funcionam como agentes de Deus!
Quando saímos a campo e dialogamos com papais e mamães aqui e ali, não é difícil perceber que os casais (ou o pai sozinho e a mãe sozinha em alguns casos!) têm reduzido a tarefa da paternidade ao suprimento das necessidades básicas dos filhos, isto é, dar alimento, abrigo, vestimentas, lazer e educação escolar. Tedd Tripp lembra que Deus chamou os pais “a uma tarefa mais profunda do que alguém que cuida”2.

Os pais deveriam se ver como agentes de Deus e abraçar intensamente a tarefa de instruir, corrigir e treinar seus filhos, não apenas como “cuidadores”, mas fazendo o papel “discipuladores” que apontam aos filhos a todo momento à quem realmente estão submissos. No livro de Deuteronômio, a instrução à Israel foi “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” (6.6-7).

Cabe aos pais fazer dos seus filhos discípulos comprometidos com os valores sociais, morais e espirituais claramente estabelecidos na Palavra de Deus. Em última análise, a questão não é se o filho obedece ao pai ou à mãe como um escravo ao seu senhor, mas se ele os segue como um discípulo ao seu mestre.

3. Os pais fazem o papel de treinadores com alvos claros e bem definidos!
Uma parcela significativa dos pais não tem alvos bem definidos para seus filhos. Em linhas gerais as metas dos pais acabam sendo imediatistas (por exemplo, se tem um filho bebê somente querem que ele durma a noite toda!), circunstanciais (por exemplo, se tem uma filha adolescente somente não querem que ela namore tão cedo aquele garoto indesejável!) e egocêntricos (por exemplo, alguns pais querem que o filho se torne um profissional numa determinada área visando ganhar muito dinheiro!).

Os pais correm o risco de canalizarem todas as suas energias para uma paternidade marcada pela autossafistação. Neste caso, a pergunta aos pais não é “o que querem para si mesmos”, mas sim, “o que querem para os seus filhos?” Lançando mão de uma linguagem da área da saúde, quando os pais não têm alvos claros e bem definidos para os filhos, acabam fazendo até um bom trabalho de “correção”, mas deixam a desejar no que tange à “prevenção”!

A educação de um filho pode ser reduzida a correções de comportamento que emergem de situações onde, ou os pais foram envergonhados, ou estão profundamente irritados com a criança (ou adolescente, ou jovem). E isso não é bom! As ações dos filhos podem ganhar uma dimensão que ocultará as atitudes do coração. Os alvos dos pais precisam estar voltados para o coração de seus filhos, na expectativa de que, quanto às instruções dadas, eles as prenderão perpetuamente aos seus corações e serão como colares no pescoço (cf. Pv 1.8-9).

O texto de Provérbios 6.20-23, além de belíssimo, é bastante adequado aqui: “Filho meu, guarda o mandamento de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe; ata-os perpetuamente ao teu coração, pendura-os ao pescoço. Quando caminhares, isso te guiará; quando te deitares, te guardará; quando acordares, falará contigo. Porque o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e as repreensões da disciplina são o caminho da vida”. Se os pais não apontarem aos seus filhos a direção para onde devem ir, se não lhes mostrarem o “caminho da vida”, a possibilidade de estarem totalmente perdidos e distantes dos ideais divinos será significativamente real.

Concluindo, pode ser que alguém dirá: “Mas o problema é que meus filhos não me ouvem!” No entanto, eu creio que os pais podem persuadir seus filhos a uma melhor aceitação da instrução e correção. Pais e mães cristãos precisam encontrar sabedoria nas Escrituras Sagradas para lidar com seus filhos de tal modo que o coração deles se curvará em obediência e todos os processos neurais em suas mentes irão se convencer de que “o que rejeita a disciplina menospreza a sua alma, porém o que atende à repreensão adquire entendimento.” (Provérbios 15.32)


1TRIPP, Ted. Pastoreando o Coração da Criança. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2000. p. 42.
2Ibid, p.46.







Fonte: Revista Teologia Brasileira

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