sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A sombra e a escuridão


Imagine-se como um líder de uma tribo africana que tem sido constantemente atacada por alguns leões preferindo comer carne humana ao invés de gazelas, gnus e outras espécies. Imagine também que você tem plenas condições de estabelecer medidas de segurança para eliminar a ameaça, seja pela aniquilação destes leões, seja pela construção de muros ou quaisquer outras formas de proteção plenamente factíveis, principalmente por terem sido implementadas em tribos vizinhas com sucesso. (O leitor há de se questionar por que eu normalmente uso exemplos das antigas eras tribais, longe da civilização. O motivo é que tais cenários nos recobram sensações de “ou agimos, ou morremos”, onde temos que lidar com a responsabilidade de tergiversar ao invés de atuar por nossa sobrevivência.)

Pois bem. Agora realize que você não fez absolutamente nada, ao contrário dos líderes das outras tribos ao redor. E agora você vê uma mulher chorando a morte de uma criança na noite anterior. Quando questionado, você aponta para o sistema ético assassino do leão. Este seria, portanto, o único responsável pela tragédia.

Agora tente sair da pele desse líder tribal, e posicione-se como um membro da tribo que o está questionando. Você realmente acha que essa justificativa, apontando para a amoralidade do leão, serve como argumento para nenhuma tomada de providência que pudesse salvar pessoas inocentes? Não precisa nem responder. Eu sei que dificilmente alguém aceitaria este tipo de argumentação. A culpa não é do leão. Ele fez o que tinha que fazer, de acordo com o seu sistema moral animalesco. O líder tribal é que não fez o que deveria ter feito e, pior, tinha plenas condições de fazê-lo.

Estamos diante de uma boa parte da direita atual, que prefere gastar um tempo considerável apontando as imoralidades petistas como justificativa para a inação diante das monstruosidades que estão prestes a nos vitimar. Por que isso acontece? Primeiramente por uma tendência à negação da política que deve ser continuamente combatida em nosso meio. Segundo, por um colapso mental pela confusão entre métodos e moral do oponente. Como resultado, muitos de nós agem como o líder tribal que prefere transferir a culpa aos leões do que buscar ações que possam resolver o problema. Disto resulta o terceiro fator, a validação de sua inação por causa da imoralidade do outro lado.

Alguns poderiam dizer que há um excesso em comparar o sistema moral de leões com o sistema moral de petistas. Concordo. Mas uma coisa é certa: o sistema moral dessa gente pode causar mais vítimas fatais que os leões. Pergunte aos venezuelanos. Ou cubanos. Ou, em última escala, aos cambodjanos.

Eu também não vejo nenhum problema em alguém apontar o cinismo, a crueldade e a depravação dos petistas enquanto estamos denunciando essa gente ao público. O problema, como já disse, ocorre quando este apontamento da imoralidade oponente serve como desculpa para não se fazer absolutamente nada contra eles. E aí, exatamente neste ponto, incorremos em um problema moral seríssimo.

Para nos facilitar a isolar o problema, imagine a seguinte expressão: “esfera de responsabilidade”. Significa todo aquele conjunto de eventos ou situações do mundo sob os quais eu tenho algum tipo de controle ou posso assumir qualquer tipo de responsabilidade. Daí é só fazer questionamentos óbvios. Eu posso mudar a natureza de leões assassinos? Eu posso mudar a forma de agir de pessoas que moldaram seus sistemas morais com Trotsky e Lenin? Não, eu não posso. Em ambas as questões. Logo, essas coisas estão fora de minha esfera de responsabilidade. Mas eu posso desmascará-los e neutralizar os seus truques, tentando falar em ambientes onde as pessoas possam me escutar? Sim, posso. Logo, isto está em minha esfera de responsabilidade.

Fui criticado algumas vezes por não apontar o quanto o adversário é imoral (exemplo: João Santana mentiu, logo não deve ter seus méritos técnicos apontados). A crítica é injusta, pois acho difícil encontrar algum autor de direita que seja mais incisivo no apontamento das falhas morais da extrema esquerda do que eu. Porém, quando eu estou falando de métodos da guerra política, a imoralidade alheia é o menor dos meus problemas. Isso está além de minha esfera de responsabilidade. O que me importa são os métodos que eu posso utilizar para combater o mal. Repetindo: estou focando em minha esfera de responsabilidade.

Pensar em sua esfera de responsabilidade pode permitir a identificação de erros lógicos como aqueles que tentem transferir culpa ao leão pelas mortes na aldeia, ou transferir culpa às mentiras de João Santana pela vitória do PT. E, logo em seguida, reconhecer os verdadeiros culpados (de acordo com nossa esfera de responsabilidade) é meio caminho para gerarmos uma mudança comportamental que poderá nos fazer vencer as mesmas ameaças no futuro.







Por Luciano Ayan

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