O jeca está preocupado “ca (sic) sua saúde”. A Bíblia é um livro admirável também do ponto de vista literário; a coesão do Deus do Velho Testamento, ou da Bíblia hebraica, é uma preciosidade literária, com a densidade sucinta de uma linguagem próxima à condensação da poesia. “Haja luz”, com somente duas palavras Ele ordena que o existir se ilumine. À parte a agressão à gramática da língua, na gramática moral indigente do caudilho, ele se preocupa “ca” saúde alheia cuidando da própria. Entendo. Mas saúde de quem?
Provavelmente, não a de alguém que conheça, ou o jeca simplesmente largaria o copo, diria um palavrão, pegaria o telefone, diria um palavrão, ligaria para quem o preocupa, diria um palavrão, declararia “tô preocupado ca sua saúde”, diria um palavrão e pegaria o copo de volta. Então, deve ser a saúde de quem ele não conhece – talvez do povo brasileiro. Contudo, se fosse assim, o jeca não teria se valido das doenças da nação para sabotar as chances dela de cura, deformando-lhe as feições para que se parecesse com ele.
O jeca ainda recomenda caminhadas, foi o que fez a nação que resistiu à deformação, indo às ruas, em março e abril, pela saúde do futuro cuja terapêutica contraindica o lulopetismo. Incensado como líder das massas, o jeca, agora restrito a caminhar numa esteira em sessões reservadas como suas aparições, surge envelhecido em imagens nas quais se contempla a expressão da deformação também física empreendida por escolhas as mais livres.
Numa provação ou luta, o pior não é perder, mas se deformar; nelas, talvez mais do que decidirmos o que somos, descobrimos o que somos e vitórias também podem ser uma provação para o caráter. No poder, o homem de origem pobre que nunca foi humilde teve todas as oportunidades de melhorar o país e a si próprio, mas o mau-caratismo provado na vitória venceu a trajetória bem-sucedida: era a deformação se consumando.
Em gozo na degradação a cada conquista, piorou a nação para que jamais sobreviesse a circunstância aterradora de deixar o poder. Não é contrário ao trabalho dos que trabalham por ele; nem ao saber que o tenha como mestre; nem aos capitalistas que financiem o vidão de que se acha merecedor no amor sem ressalvas por si mesmo; nem contra a democracia que o eleja; nem mesmo é contra a mídia paga para ser a favor dele.
Um homem de posições. Todas moralmente miseráveis impondo a marca da degradação na vitória e na derrota porque a perversidade da deformação da figura pública mais deletéria da nossa história não está na sucessão de escolhas indecentes, mas na crença de que tudo pode fazer aquele a quem tudo convém (como exemplifica a matéria de VEJA com o dono da OAS). Da covardia à mentira, passando pela desonestidade, cinismo e o português destroçado, “tô preocupado ca sua saúde” é o “haja escuridão” na quase síntese de um homenzinho deformado, o tempo e a sucessora dele parida nessa escuridão que sucumbem a si mesmos. É que há luz.
Por Augusto Nunes
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