sexta-feira, 3 de abril de 2015

Outro lado do ajuste


A deterioração das contas públicas ficou mais uma vez evidente com a Nota de Política Fiscal divulgada pelo Banco Central. A dívida bruta subiu de novo em fevereiro, o déficit nominal passou de 7% do PIB e houve outro mês de déficit primário. Os empresários acham que o governo precisa cortar mais nos gastos de custeio, ao invés de elevar o peso dos impostos. A indústria afundou 7,1% no primeiro bimestre.

Ao participar de evento em São Paulo, o ministro Joaquim Levy ouviu perguntas para as quais não tem resposta. Os empresários quiseram saber por que o governo não reduz o alto número de ministérios. Como pedir a empresas e contribuintes que paguem mais impostos se o governo não dá o exemplo de reduzir o seu tamanho? Levy deu uma resposta evasiva, para não entrar em atrito com a presidente Dilma.

O ajuste fiscal é urgente, mas uma coisa não se pode perder de vista: é preciso colocar as contas públicas em ordem diminuindo gastos não essenciais em todos os níveis de governo. Uma administração que tem 39 ministérios, e não reduziu o número de funcionários em cargos comissionados, fica sem argumento para pedir que empresas e famílias cortem no seu orçamento.

Palavras e Números


O discurso de austeridade tem sido negado pelos números. Aconteceu de novo, com a divulgação da nota de política fiscal de outubro. O superávit primário para o mês foi o menor da série. O déficit nominal subiu para 3,45% do PIB, o investimento público caiu, despesas cresceram mais que receitas. Mais da metade da economia feita pelo governo teve origem atípica, como nos recursos dos dividendos e das concessões.

O superávit primário é um indicador com várias funções. A primeira é manter a dívida pública sob controle. O governo tem uma dívida de 59% do PIB e fechou suas contas no vermelho em 3,45% do PIB nos últimos 12 meses. Isso quer dizer que precisa pedir dinheiro emprestado para cobrir o rombo. O superávit primário é a economia que sinaliza aos credores que o governo é um bom pagador.

Outra função é ajudar o Banco Central no combate à inflação. Quando o superávit primário é alto, o governo está poupando e gastando menos. Desse jeito, diminui a demanda agregada, que pressiona os preços. Com isso, as famílias podem consumir mais e os empresários podem investir. Há um terceiro benefício, que é contribuir para a taxa de poupança, que permite subir o investimento sem a necessidade de se tomar recursos no exterior. O déficit em conta corrente é de 3,75% do PIB.

Os números do Tesouro Nacional mostram desequilíbrio entre gastos e receitas. Segundo a Tendências, a receita líquida do governo central cresceu 2,5% no ano. Mas a despesa primária cresceu 7,7%. Os investimentos caíram, em termos reais, 0,4%, mas outras despesas de custeio subiram 15,9%. De acordo com a Rosenberg Associados, dos R$ 33 bilhões de superávit primário até outubro, 65% vieram de dividendos e concessões. Estados e municípios também pouparam menos.

“Austeridade fiscal está longe do discurso. A situação piora a cada dia e sem nenhuma sinalização concreta de alteração de rumo. Pelo contrário, o pacto fiscal entre Congresso e Executivo, selado na semana passada, já está prestes a ser rompido com a perspectiva de votação no Senado da medida de alteração e retroatividade dos índices das dívidas dos estados e municípios com a União”, disse a Rosenberg em relatório.

Os números têm sido mais contundentes do que o discurso. Ainda não há sinais de mudança de rumo na condução das contas públicas.

Represamento

O reajuste da gasolina e do diesel anunciado ontem, de 4% e 8%, mostra que o governo continua controlando a inflação por meio de represamento de preços. O aumento veio abaixo do esperado e mantém a defasagem em relação à cotação internacional dos produtos – em torno de 10%, no caso da gasolina, e de 12%, no do diesel, segundo o especialista em energia Adriano Pires, do CBIE –, o que tem provocado perdas bilionárias para a Petrobras. O governo pode conseguir um número menor para o IPCA em 2013, mas as expectativas de inflação permanecerão altas para o ano que vem. “Esse reajuste de 4% e 8% não ajuda quase nada a Petrobras; se fosse de 8% e 14%, sim, ajudaria o caixa da empresa. Para o mercado, o valor do aumento foi frustrante. O viés continua sendo de controle da inflação”, disse.




Por Miriam Leitão

Jornalista, colunista de O Globo (onde o artigo foi originalmente publicado em 2 de abril de 2015)

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