quarta-feira, 8 de abril de 2015

A mentalidade do atraso: a América Latina no divã


“Ignorância é não saber de algo; estupidez é não admitir sua ignorância” (Daniel Turov)

Um livro muito útil – além de divertido – é Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, escrito por Plínio Mendoza, Álvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner. Com estilo satírico, refuta com sólidos argumentos e dados inúmeros mitos defendidos pela esquerda populista. Conta com um excelente prefácio escrito por Roberto Campos, no qual afirma que “boa parte de nosso subdesenvolvimento se explica em termos culturais; ao contrário dos anglo-saxões, que prezam a racionalidade e a competição, nossos componentes culturais são a cultura ibérica do privilégio, a cultura indígena da indolência e a cultura negra da magia”. Combater os privilégios, a indolência e a irracionalidade é justamente o objetivo dos autores.

Essa mentalidade retrógrada realmente desperta curiosidade. Tendo como regra básica o “jeitinho” em vez do respeito às leis, a inveja como sentimento preponderante, e uma tola esperança de que um Estado clarividente e eficiente seja capaz de nos transformar em potência econômica mundial, os latino-americanos vão permanecendo cada vez mais na miséria. Enquanto isso, os discursos populistas e nacionalistas despertam fortes emoções em nosso povo, que passa a acreditar que nossos recursos naturais são suficientes para nos tornarmos ricos, e que se isso não acontece, a causa está do lado de fora, em algum império colonialista.

Os argumentos nacionalistas são vastos, e são também perfeitos para se encobrir interesses e privilégios de uns poucos, argumentando que precisamos defender a soberania nacional contra as conspirações do capital estrangeiro. Foi nessa base que se criaram monstros como as reservas de mercado. Além disso, pensar em privatizar empresas, entregando o patrimônio “público” para mãos privadas de “capitalistas selvagens”, seria total loucura. Melhor mantê-las sob o controle estatal, tão eficiente e imune à corrupção. O engraçado desse absurdo todo é realmente alguém se achar dono do petróleo nacional, já que “ele é nosso”.

Uma palavra idolatrada pelo nosso povo é “social”. Em nome do social, não só tudo é possível, mas também desejável. Esquece-se totalmente das calculadoras, e ignora-se leis tão simples como não gastar mais do que se tem. A conseqüência natural disso é um aumento explosivo nos gastos públicos, típico do Estado benfeitor, que acaba inevitavelmente em um severo déficit fiscal, gerando inflação via emissão de moedas ou recessão via aumento de impostos ou juros. Isso sem falar de todos os direitos nobres concedidos ao povo, como educação gratuita e obrigatória, moradia digna, transporte gratuito, trabalho bem remunerado, velhice tranqüila e por fim felicidade eterna. Nosso cidadão é um grande sonhador, que detesta se deparar com a dura realidade da vida, cheia de incertezas e insegurança. Ele não se preocupa muito com o fato de que, para garantir tanto privilégio assim a alguns, precisa tirar de outros.

Paradoxalmente, nosso Estado em prol do “social” deixa mais miseráveis do que encontrou, e temos inúmeros exemplos empíricos disso, sendo um dos principais a Argentina de Peron. Eva, sua esposa, confundiu Estado com instituição de caridade, e quem pagou o elevado preço foi a população, que saiu da prosperidade para a miséria. Será que o povo romântico não tem a mínima capacidade intelectual para entender que são justamente todos esses “direitos adquiridos” pelos monopólios dos sindicatos que jogaram metade dos brasileiros na informalidade? Será que os mais de 150 milhões de latino-americanos desempregados estão felizes com todos esses benefícios? Não conseguem perceber que isso é também a causa de um sistema de previdência falido, que até na Europa, principalmente na França, representa uma bomba-relógio insustentável no médio prazo?

As pessoas não se conformam também com as regras do jogo, com as leis naturais de oferta e demanda. Gostariam de fixar os valores dos bens disponíveis na economia, acreditando que alguns poucos burocratas seriam mais eficientes que bilhões de pessoas interagindo. Não entendem que os preços não passam de sinais que o mercado emite para que os processos produtivos possam contar com uma lógica capaz de guiar racionalmente aqueles que executam a difícil tarefa de estimar custos, fixar preços de venda, obter lucros, poupar, investir e perpetuar o ciclo produtivo. Essas pessoas não conseguem entender uma coisa simples que Adam Smith já havia ensinado no século XVIII, que é a diferença entre preço e valor. Não é porque algo é valioso, como a água, por exemplo, que seu preço será elevado. Quem determina o preço “justo” é a lei de oferta e demanda, dependendo intrinsecamente da escassez do produto e da preferência subjetiva dos indivíduos. Sem falar que o lucro é desprezado por aqui, como se fosse um pecado.

Outra característica básica da mentalidade do atraso é a necessidade de bodes expiatórios. É fundamental achar culpados de fora para os males internos. Logo surgiram os “demônios”, como o FMI, a globalização, o “Consenso de Washington” etc. Os ingênuos são tão bombardeados por esta propaganda, muitíssimo interessante para os governantes corruptos, que nenhuma explicação lógica ou fatos concretos seriam capazes de alterar este dogma. Será que não percebem que para os países desenvolvidos seria melhor a existência de um mercado consumidor para seus produtos, e não um bando de miseráveis revoltados? Como repetir o argumento de exploração agora que o Brasil exporta bem mais do que importa? Se acreditam mesmo que o que torna uma nação rica são seus recursos naturais, como explicar o crescimento explosivo de Taiwan, Coréia ou Japão na década de 80? Os exemplos seriam intermináveis, mas é praticamente impossível convencer alguém entorpecido pelos conceitos falaciosos do marxismo.

Alguém precisa explicar que ninguém força nem obriga as nações a comercializarem com outras ou pegarem dinheiro emprestado. Não acham que é mais que natural um banco que empresta dinheiro impor algumas exigências? Pois é justamente isso que faz o FMI. Exige em troca de dólares menores gastos fiscais, de governos irresponsáveis que gastaram mais do que tinham, endividando de maneira insustentável o país. Será que acham que esse empréstimo deveria vir a fundo perdido? Será que teriam essa mesma postura no âmbito pessoal? E quanto ao comércio mundial, chamado de globalização, será que acreditam que existe um plano mirabolante das multinacionais para dominar os povos latino-americanos? A GM, quando emprega mais de 100 mil pessoas nas Américas, pagando milhões em impostos, estaria tentando dominar nosso povo? Se negociar com esses “imperialistas sanguessugas” é tão ruim assim, como explicar a revolta cubana ao embargo americano? Esse embargo não passa da proibição das empresas americanas de fazer negócios com Cuba, já que este país permitiu se tornar uma base militar da União Soviética, apontando mísseis para a Flórida. É no mínimo contraditória a posição do críticos da globalização.

Como alguém pode afirmar seriamente que a exploração das colônias por vorazes metrópoles explica o subdesenvolvimento de umas às expensas de outras? Será que a Espanha e Portugal estão melhores hoje, sem colônias, ou antes, com elas? A riqueza da pequena Holanda é explicada pelas ilhas que dominava no Caribe ou na Ásia? Mais riqueza tem a pequena Suíça sem jamais ter conquistado um palmo de território alheio. O que não dá é alguém achar que, em pleno século XXI, está em condições favoráveis de enriquecer e competir com uma banana em uma mão e uma saca de café na outra. Depois não adianta ficar reclamando dos baixos preços de nossos produtos no mundo, enquanto os “imperialistas” nos “empurram” produtos caros, como computadores e outros bens de alta tecnologia. Em vez de ficar culpando a globalização, os neozelandeses, por exemplo, possuem um nível de desenvolvimento econômico europeu, graças à criação de milhões de ovelhas, exportações de flores e frutas e uma boa oferta de turismo ecológico. Outros povos que preferiram ser pró-ativos a ficar esbravejando de forma imatura e irracional foram Taiwan, Coréia, Cingapura, Hong Kong etc. Alguém pode atribuir o sucesso dessas nações aos recursos naturais delas? Como alguém pode, diante de tantas evidências, ainda ficar culpando a globalização pelos seus fracassos?

Como o francês Jean-François Revel muito bem colocou, “o objetivo do terceiro-mundismo é acusar e, se possível, destruir as sociedades desenvolvidas, não desenvolver as atrasadas”. Como alguém pode progredir com uma mentalidade dessas? De que adianta a postura reativa de se fazer de vítima o tempo todo, a não ser enriquecer a classe dos políticos corruptos e empresários ligados a estes governos clientelistas e corporativistas? Como fazer para que os ludibriados por uma idealização da inveja consigam acordar deste sonho para poder focar nas verdadeiras raízes dos problemas, que residem na própria cultura do povo, e não em fatores exógenos?

O capitalismo liberal é o que não aceita a existência de oligarquias cobiçadas pelo poder, grupos de privilegiados apenas por serem “amigos do rei”, empresários que “mamam nas tetas” de um Estado cada vez mais inchado. Capitalismo livre não combina com excesso de intervenção estatal, que distorce as leis naturais de oferta e demanda, criando resultados ineficientes. Como pode então alguém ter a coragem de atrelar os problemas da América Latina ao capitalismo “selvagem” importado dos americanos? Onde está esse capitalismo liberal na América Latina? Por quê não olham a renda per capita acima de US$ 10 mil da Coréia do Sul, comparada a menos de US$ 500 da irmã socialista do Norte? Qual seria a explicação, já que a população tem a mesma origem, assim como recursos naturais? Basta comparar a renda per capita de países como Estados Unidos, Cingapura, Holanda e Inglaterra com a de países como China, Coréia do Norte, Cuba e Vietnã para entender de vez qual modelo defende mais o interesse dos pobres. Basta comparar também dentro de alguns países os períodos de socialismo e pós-socialismo, como o Chile antes e depois de Allende, para deixar claro qual modelo realmente defende os pobres.

O arsenal de besteiras fruto dessa mentalidade do atraso parece infindável. Suas vítimas não conseguem enxergar coisas óbvias, como o fato de onde existe mais Estado, criando barreiras alfandegárias, licenças prévias de importação, controle de preços e câmbio, subsídios e burocracia, existe também mais miséria e desigualdade social. O crescimento abusivo do Estado cria uma total asfixia nos empresários, fundamentais para a criação de riqueza e empregos. Esse Estado interventor é o pai de uma burocracia parasitária e de empresas públicas paquidérmicas e profundamente ineficientes. Mas diante de tais evidências, qual a solução apresentada? Mais Estado, mais regulamentações, mais controles e mais dirigismo, que são justamente as causas fundamentais dos problemas. Querem curar a leucemia com sanguessugas!

Em uma coisa pelo menos é preciso dar crédito aos defensores do atraso: seu linguajar. São mestres na arte de vender sonhos e utopias através da pura retórica. Seus “argumentos” são românticos e emocionados, acalentando os frágeis corações das pessoas que precisam desesperadamente de alguma explicação fácil e algum culpado direto pelas desgraças e misérias que assolam suas vidas. Alimentam a fúria irracional que o desprezível sentimento de inveja cria. Saciam o desejo de vingança dos povos atrasados, dando uma saída muito mais fácil do que a de reconhecer os próprios erros e mudar. Acontece que não é de sonhos e utopias que o mundo precisa. Não é através de desculpas fervorosas nem de discursos românticos que a miséria acaba. Não é a retórica emocionada que coloca pão na mesa das pessoas. O mundo precisa, para reduzir a miséria, da única coisa que a esquerda nunca foi capaz de gerar: resultado! *

* Os três autores se uniram novamente, uma década depois, para lançar A Volta do Idiota. No prólogo, escrito por Mário Vargas Llosa, consta que os autores voltaram a desembainhar as espadas pois, em vez de diminuir, os exércitos de “idiotas” latino-americanos parecem “reproduzir-se com a velocidade dos coelhos e das baratas, animais de fecundidade proverbial”. No novo livro, eles dividem a esquerda em “carnívora” e “vegetariana”, sendo Chávez o grande ícone da primeira, mais raivosa e violenta. Os idiotas provêm, em sua maioria, da classe média espremida, que alimenta um surdo ressentimento quando compara sua condição com a da classe alta, “cuja vida social é frivolamente exibida em jornais e revistas”. Como os autores explicam, “o populismo e a esquerda oferecem uma válvula de escape”. Há “complexos ulcerados e urgências de vingança” presentes nessas pessoas. Assim como o velho idiota, o novo é um comprador de milagres, e o sonho é para ele “uma fuga para frustrações e desejos reprimidos”. A ideologia “lhe permite achar falsas explicações e falsas saídas para a realidade”. Mentiras são repetidas reiteradas vezes, e os mesmos inimigos fantasmas são usados para justificar o populismo: globalização e neoliberalismo. Os fatos não importam. Que a globalização retirou milhões da miséria, por exemplo, é um fato que deve ser ignorado em nome da ideologia. A realidade refuta o “perfeito idiota”, mas isso não é suficiente para acordá-lo do sonho. Ele enxerga a riqueza como “um bolo que só precisa ser bem repartido para que se acabe a pobreza”. Não importa que o Estado, idolatrado por ele, tenha sempre intensificado as desigualdades, em vez de corrigi-las. Quanto mais espaço ele confiscou à sociedade civil, “mais a desigualdade cresceu, e a corrupção, o clientelismo, o desemprego, a burocracia, a má prestação de serviços, os impostos e tantas outras carências”. Para os autores, presenciamos o retorno de uma epidemia, e com ela, seu fiel companheiro: o nacionalismo. O livro refuta – uma vez mais – as diversas falácias dessa esquerda populista. Os autores mantêm a esperança na razão. Afinal, o mal não está em ter sido um idiota, mas sim em continuar sendo. E a leitura deste livro é uma vacina contra a idiotice.




Por Rodrigo Constantino

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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