segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Um Papai Noel verde e amarelo?


A fantasia de Papai Noel, você sabe, é como o verbo "bimbalhar". Só tem emprego no Natal. Repare que os sinos só "bimbalham" nas festas natalinas; no resto do ano, eles simplesmente "tocam", no máximo "ressoam". Quando muito literários, "dobram". "Tocar", "ressoar" e "dobrar" são verbos menos cintilantes. Bimbalhar não. Bimbalhar é gongórico, saltitante, borbulhante, parece traduzir melhor esse frenesi de "jingle bells" que toma conta das ruas mais movimentadas e das casas de família, à medida que dezembro descamba para o peru, o espumante e as férias coletivas. É uma tradição idiomática: no Natal, os sinos bimbalham. Não só eles. Além dos sinos, todos se enfeitam e também saem por aí bimbalhando vivamente.

É isso mesmo que você pensou: o verbo bimbalhar tem sentidos nem tão católicos assim. É Natal, bimbalham as abelhas, bimbalham as estrelas do céu, bimbalham os corpos. (A propósito, o substantivo "bimbalho" não existe. Deveríamos inventá-lo quanto antes.) Entre todos, quem bimbalha mais, e bimbalha sem parar, são as lojas de quinquilharias. No resto do ano, os consumidores se açoitam uns aos outros. No Natal, vão às compras na ilusão de que, com um presentinho, dirão que têm amor a quem maltratam. Eis que bimbalham as caixas registradoras.

Dito isso, chega de bimbalho. Voltemos quanto antes à fantasia de Papai Noel. Ela é vermelha, como você já deve ter notado. Vermelha como um caminhão de bombeiros. Intensamente vermelha, vermelha mesmo, vermelha como o logotipo daquela bebida gasosa e recreativa cujo nome começa com "Coca" e termina com "Cola" - nos anos 30 do século passado, ela cuidou de massificar a rubra figura do bom velhinho em suas campanhas publicitárias nos Estados Unidos. Papai Noel, o vermelho de barbas brancas, como Karl Marx, deve sua existência a uma propaganda de refrigerante. Sem a publicidade, nunca teria ficado mais famoso do que Jesus Cristo, e o consumismo natalino não teria virado a religião que virou. A humanidade inteira acredita que a união das famílias, a reconciliação dos desafetos, a harmonia conjugal, a paz entre as nações e a solidariedade são mercadorias que a gente pode mandar embrulhar para presente.

Traduzindo: a humanidade inteira acredita em Papai Noel. As criancinhas são quem acredita menos. Apenas concedem que exista, em algum lugar da casa, um bom espírito que se realiza em distribuir alegria desinteressada a quem ainda não conheceu a ambição material e o desejo de matar o semelhante. É só nisso que elas acreditam. Os adultos acreditam em fantasias mais mirabolantes. Acreditam que podem tapear as crianças. Acreditam que uma camisa de algodão egípcio, um telefone celular que conta as batidas do coração ou uma passagem de primeira classe podem amolecer o coração daquele saco de pancadas ali ao lado. Acreditam que, se ganharam de presente uma traquitana de preço tão alto, é porque são amados e desejados com ardor. Os adultos acreditam em cobrar dívidas amorosas na forma de regalos arrematados em dez vezes no cartão. Acreditam que presentear é como pagar promessa em prestações. Adultos acreditam em Papai Noel como um embuste que funciona. Adultos acreditam em Papai Noel como acreditam no dinheiro. São muito mais crédulos que as criancinhas. Elas apenas enxergam no sujeito fantasiado de vermelho uma verdade que não existe nos mentirosos que a paparicam.

Bimbalhando feito louco, o Papai Noel dá tungadas em todo mundo. Não poupa ninguém. Das miseráveis ilusões dos adultos espertos e das inocentes esperanças infantis, Papai Noel extrai os cifrões que inflarão o ego do mercado. Só quem pode ganhar algum lucro com ele é o comerciante e, se o comerciante ganhar, o ministro da Fazenda ficará contente, sorrindo feito criança. O ministro da Fazenda acredita em Papai Noel porque acredita em números. Acredita que Papai Noel não é vermelho, mas verde e amarelo. Acredita que Papai Noel aquecerá "nossa" economia. Acredita que, no fim, todos aqueles presentes que depois não caberão no guarda-roupa, as caixas fechadas de panetone que atravessarão o prazo de validade e as pilhas elétricas que enferrujarão nos brinquedos terão ajudado pelo menos a espantar o fantasma da recessão. É pouco, é ridículo, é uma alucinação macroeconômica - e é tudo o que o governo pediu para Papai Noel.

Assim sendo, Feliz Natal para o Brasil. E que o Ano Novo seja próspero, mas próspero de verdade, próspero no sentido pecuniário da palavra.





Por Eugênio Bucci

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