quarta-feira, 1 de abril de 2015

O custo proibitivo da legalidade num país com governo obeso e intervencionista


Quando vazou parte da lista dos supostos detentores de contas na Suíça, o famoso SwissLeaks, escrevi um texto, reconheço, polêmico. Alguns o interpretaram como uma defesa da sonegação, e não era nada disso. Era apenas a tentativa de separar o joio do trigo e reconhecer que há crimes e “crimes”, especialmente num país como o Brasil.

O leitor pode não saber, mas na década de 1990 não havia sequer cartão de crédito internacional, os planos de governo confiscavam o dinheiro legítimo dos cidadãos, e era preciso levar dinheiro vivo só para alugar um carro na viagem. Eram tempos selvagens, o que não justifica abrir uma conta não-declarada no exterior, mas que sem dúvida coloca tal ato em contexto e bem distante de corruptos que recebem propina lá fora de verbas públicas desviadas.

Já disse algumas vezes e repito: o custo da legalidade plena no Brasil é quase proibitivo. A informalidade é, muitas vezes, o ar rarefeito que indivíduos e empresas respiram para não morrerem asfixiados pelo excesso de governo. Basta pensar no que aconteceria se todas as leis, regras e normas estatais fossem aplicadas na íntegra hoje. Eu digo: o Brasil parava e depois quebrava (o que talvez seja necessário para repensarmos todo o modelo).

Afirmar essa verdade não é proteger quem apela para a informalidade (eufemismo para ilegalidade) ou para o pagamento de suborno para fugir do fisco, e sim admitir que o buraco é mais embaixo e que devemos olhar para onde escorregamos, não onde caímos. Um médico ou um psicanalista que não emite recibo para o paciente está praticando ato da mesma natureza que uma empresa que adota “planejamento fiscal” em zonas cinzentas.

“Ou restaure-se a moralidade, ou nos locupletemos todos”, disse Stanislaw Ponte Preta, personagem satírico de Sérgio Porto. O pior efeito desse excesso de estado é justamente a perda do respeito pelas regras e leis, o clima de “vale tudo” que percola pelo país, a transformação do “jeitinho” de vício em virtude ou questão de sobrevivência às vezes. Perde-se a clareza dos conceitos de certo e errado em alguns casos.

Converse com amigos empresários, grandes ou pequenos, para compreender melhor o que estou dizendo. São tantas normas burocráticas vagas, tantos tributos, taxas e impostos, tanta arbitrariedade, que um fiscal sozinho tem o poder de praticamente fechar qualquer estabelecimento se assim desejar. A solução, muitas vezes, é pagar o suborno exigido, ou seja, aceitar a chantagem ou fechar as portas.

Agrava o quadro o fato de que, apesar de pagarmos 40% de impostos, não vemos retorno algum deles. Temos que pagar por segurança particular nos condomínios em que moramos, colocamos nossos filhos em escolas particulares e sequer podemos abater dos impostos o que é gasto duplamente, necessitamos de planos de saúde particulares para não dependermos do terrível SUS. O governo é o vilão aqui, pois extorque todos nós sem contrapartida alguma.

O novo escândalo envolvendo a Receita Federal, portanto, deve ser analisado sob esta ótica. O editorial do GLOBO de hoje também seguiu linha de raciocínio semelhante. Repito, pois nunca é demais e porque conhecemos a desonestidade do lado de lá: isso não é o mesmo que defender sonegadores (que devem pagar por seus crimes), e sim tentar atacar o mal em sua raiz. Diz o editorial:

Países com Estados obesos, muito presentes na economia, de estratosféricos custos de manutenção, e, portanto, insaciáveis coletores de impostos, tendem a apresentar elevados índices de corrupção. Pois, quanto maior a ingerência da burocracia estatal na vida da sociedade, seja de forma direta, pela administração central, ou indireta, por meio de companhias públicas, mais amplas são as possibilidades de o dinheiro do contribuinte ser surrupiado. Afinal, enorme poder fica concentrado em um pequeno grupo de servidores, de carreira ou não, sempre a salvo de controles independentes.

Por uma coincidência pedagógica, o Brasil dos dias que correm apresenta exemplos bem-acabados de assaltos ao Erário. No petrolão, desviam-se recursos do Tesouro por um esquema montado na Petrobras, com fins pecuniários privados e para lubrificar finanças partidárias (PT,PP, PMDB) e de políticos. E acaba de surgir, também de uma operação da Polícia Federal — Zelotes, uma espécie de Lava-Jato —, um outro esquema, este construído nada menos do que no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), instância em que são julgados pedidos de suspensão de multas e outras penalidades lavradas por fiscais da Receita Federal junto a contribuintes.


A constatação do jornal é bastante clara: “Num país de carga tributária pesada, como o Brasil, o Erário é um espaço aberto a corruptos e corruptores”. O governo cria as dificuldades legais para vender as facilidades ilegais depois. Quando analisamos a lista de empresas envolvidas no suposto pagamento de propina para se livrar de dívidas enormes com o fisco, percebemos que são tantas, de setores tão diversos, e de renome internacional, que não seria razoável imaginar que estamos lidando com um bando de ladrões.

Mais provável é considerar a possibilidade de que o governo achaca tais empresas, impondo um fardo proibitivo para depois oferecer seus “serviços”. Os conselheiros do Carf devem ser o principal alvo de investigação. Tentar jogar no mesmo saco podre os corruptos e os “corruptores” é um erro, ou uma estratégia deliberada de parte da esquerda que adoraria condenar a priori todos os empresários e pregar ainda mais poder estatal, a causa primária do problema.

O império da lei é fundamental para o progresso de um país, e é uma bandeira muito cara aos liberais. É esse o objetivo: ter leis isonômicas, válidas igualmente para todos, e que sejam cumpridas com rigor. Para tanto, é preciso caminhar na direção de uma drástica redução do estado, e também da criação de regras básicas e simples, mais objetivas e menos arbitrárias. O fardo do governo precisa diminuir. O custo da legalidade não pode ser proibitivo, não pode ser fatal para aqueles que criam riquezas e empregos.




Por Rodrigo Constantino

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