ÉPOCA - Depois de a campanha de Dilma Rousseff ter questionado a Empiricus, como ficaram as propagandas de vocês?
Felipe Miranda - A situação abrandou, fora algumas ameaças por e-mail e Twitter e os blogs sujos. Nem vou dar nomes, para não dar ibope a eles. Depois que a coligação (de Dilma) perdeu no TSE, não se manifestou mais, pelo menos com a gente. Voltamos a fazer campanhas com os cenários "e se o Aécio ganhar" e "e se a Dilma ganhar". Depois, adicionamos "e se a Marina ganhar".
ÉPOCA - Alguns dados mostram uma resistência da economia brasileira. O desemprego está baixo, e o investimento externo se mantém estável, num nível robusto. Não é exagero falar, como seu livro faz, em crise ou em "fim do Brasil"?
Miranda - Há um esgotamento. O desempenho fraco da economia ainda não bateu no emprego, mas é só questão de tempo. O governo tenta sustentar essa variável, porque ela é a principal na determinação de voto, à frente da inflação e do PIB. (O desempenho fraco) não bateu ainda no emprego por algumas razões. Uma é a menor oferta de gente à procura de trabalho. A População Economicamente Ativa cresce menos e as pessoas param de procurar emprego. Aí, a taxa de desemprego cai. Mas o emprego é o último pilar da economia brasileira. É o único em que Dilma consegue sustentar seu discurso. Se tudo vai mal e só uma variável vai bem, você não pode usar essa única variável como referência para o resto da economia. Nesse caso, ela é usada como instrumento de política eleitoral. É isso que nos ensina a Lei de Goodhart (enunciada pelo economista britânico Charles Goodhart assim: se o governo tenta controlar um aspecto da economia, esse aspecto deixa de ser confiável como referência para a economia em geral). A gente não sabe precisar a relação da produção e do investimento com o emprego, mas sabe que ela existe. Cedo ou tarde, baterá lá. O emprego é, tradicionalmente, a última variável a reagir. Os resultados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho) de agosto foram razoáveis, mas os de maio, junho e julho foram uma pequena tragédia.
ÉPOCA - No outro extremo, muitas variáveis da economia vão mal, como o nível de investimento. Quais você considera mais importantes neste momento?
Miranda - Eficiência, equidade e liberdade. Para a eficiência, uma referência é o crescimento do PIB, que não vai bem. Outra é a produtividade, parada ou em queda. Para a equidade, a referência é o coeficiente Gini, que mede desigualdade na distribuição de renda. Depois de melhorarmos por dez anos, ele parou de cair, de 2012 para 2013. A distribuição de renda parou de melhorar. Em se tratando de liberdade, o governo atual é inferior aos anteriores. Entram aí o ambiente de negócios, o ambiente de investimento, o fluxo de informações. Entram aí a Medida Provisória nº 579, de 2012, que mudou as regras do setor de energia, e as concessões em que o governo tentou controlar ao mesmo tempo a qualidade do serviço e i\.taxa de retorno do investidor. O governo quer controlar demais os empresários, numa espécie de "toma lá dá cá" - "dou uma isenção de imposto, você faz um investimento em concessão"; "agora você tem gasto menor, então investe". Não funciona assim. Não adianta querer levar o empresário pela mão. O "espírito animal" (do empreendedor) é incontrolável por natureza. As regras têm de ser horizontais, para todos, e não criadas por meio de microgerenciamento, que reduz a liberdade. O governo tem de dar liberdade e estabilidade e, assim, despertar as forças dionisíacas de quem quer empreender.
ÉPOCA - Se for adotada uma política econômica mais amigável ao trabalho e ao investimento em janeiro, o senhor acha possível evitar uma crise em 2015?
Miranda - Alguma crise, teremos. Se o governo fizer o que tem de fazer, 2015 será moderadamente ruim, talvez até razoável, e 2016 será bom. Se tentarmos levar essa matriz econômica de agora às últimas consequências, conforme deram a entender o ministro (da Fazenda, Guido) Mantega e a presidente Dilma, teremos um 2015 talvez razoável, talvez até moderadamente bom, mas um 2016 trágico. Uma hora, explodirá essa conta.
ÉPOCA - Alguns temas específicos ganharam espaço no debate eleitoral, como o grau de autonomia do Banco Central. O senhor acha necessário o extremo da independência formal?
Miranda - É engraçado. Quando já parecia que a independência formal talvez não fosse necessária, o debate ganhou contornos esdrúxulos. Mostrou que é necessária. Esse debate estaria ultrapassado se não fosse a subserviência do BC ao Palácio do Planalto atualmente. Ou se tivéssemos mantido uma política de autonomia na prática do BC, corno no tempo de Henrique Meirelles (presidente do BC entre 2003 e 2011) - e aqui defendo alguém que esteve num governo do PT.Demos um passo para trás tão grande na política de defesa da moeda, que é um sinal. Talvez a autonomia (informal, vigente hoje) não seja suficiente. Se, em algum momento, o BC deixa de ser autônomo, então temos de dar a ele, sim, a independência formal. Isso não tem nada a ver com dar poder aos bancos. Ao contrário. É a garantia de estabilidade da moeda no longo prazo. A independência serve para que técnicos possam conter a tendência inflacionária e eleitoreira do governo. O governo tende a privilegiar crescimento e emprego, no . curto prazo, por razões eleitoreiras. Mas sabemos que, no médio e longo prazo, não há uma troca de mais inflação por menos desemprego. Com mais inflação, você pode gerar um pouco mais de emprego no curto prazo, mas ele logo volta ao nível natural. Com inflação mais alta. Isso piora mais a vida do pobre que a do rico.
ÉPOCA - Outro debate é sobre quanto o governo tem de deixar de gastar e investir, para pagar a dívida pública. Quanto seria razoável o governo economizar?
Miranda - Fazer um superavit primário (saldo para pagar juros da dívida) de 2,5% do PIE seria razoável. Já bastaria para estabilizar a dívida líquida e bruta. Sem contar os malabarismos contábeis do governo, hoje estamos com zero de superavit. Precisamos caminhar para 2% ou 2,5% em dois ou três anos. Não é problema termos superavit de só 2% em 2015, e a dívida subir um pouco, pontualmente. O importante é que, a partir daí, ela embique para baixo. Mais importante que o tamanho do superavit, é o governo apresentar um plano de voo crível e transparente. Atualmente, tanto a credibilidade quanto a transparência estão péssimas.
ÉPOCA - Entre os países que cresceram muito nas últimas décadas, destacam-se casos como Coreia do Sul e índia, onde os governos atuam muito sobre a economia. Existem governos que sabem fazer isso de forma competente?
Miranda - Acho que sim. A discussão não precisa ser tão ideológica. Não vejo problema em o Estado ter políticas para melhorar a distribuição de renda. Não questiono gastos com educação, saúde e renda mínima. Sou contra o microgerenciamento e a macrocefalia estatal. Não dá é para aumentar o tamanho do Estado de forma arbitrária. Estamos num sistema de "quem não chora não mama". O empresário que vai a Brasília e reclama ganha um benefício. O que não chora, não leva. Ao adotar uma política, o governo deveria informar o que faz, medir o resultado e, se der errado, voltar atrás e partir para outra. Sobre a Coreia do Sul, lembro que o país apresentou um grande ganho de produtividade após investir em qualidade de educação, uma política liberal. O liberalismo defende ferrenhamente a igualdade de oportunidades, que exige investimento em educação.
ÉPOCA - Que dica de investimento o senhor dá atualmente?
Miranda- O dólar. Você ganha dos dois jeitos. Se der Dilma, haverá uma fuga de investimento estrangeiro do Brasil, porque o investidor estrangeiro se incomoda com o intervencionismo (com menos dólares entrando no país, ele se valorizará). Se der Marina, haverá menos pressão vendedora (tentativa do BC de baixar o preço do dólar), deixando o dólar flutuar ao sabor do mercado. O mercado sugere que a cotação vá para algo entre R$ 2,50 e R$ 2,80. É dólar para cima em qualquer dos cenários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário