terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Será que precisamos nos unir? Ou nos dividir? E o que precisamos aprender com Gramsci?



Sobre o desânimo visto nas manifestações de 29/11, obviamente alguns já encontraram os culpados. Eles são, quem diria, nós, que discordamos do tom das manifestações do Revoltados On Line. Um deles disse algo similar ao seguinte no Facebook:

Parabéns a vocês que conseguiram criar divisões e tacharam de inimigos os próprios aliados. Vocês começaram a criar encrencas e divisões a troco de rigorosamente nada. Infelizmente a tendência é o movimento perder força.

Algumas pessoas cometem o erro gravíssimo de focar na simbologia de palavras, em vez de focar na simbologia de objetivos, valores e princípios. Por exemplo, é incrível o número de indivíduos achando que a proposição de “divisão” (entre adversários do PT) é suficiente para a condenação moral deste proponente. O problema é que não podemos construir princípios e nem valores apenas por palavras. Não há uma palavra sozinha que por si só sustente qualquer princípio moral. É preciso, no mínimo, de contextualização.

Voltemos aos anos 20, na Itália, quando Antonio Gramsci propôs uma ruptura radical de como pensar o socialismo. No primeiro grupo, ficaram os fatalistas, que achavam que mais dia, menos dia o socialismo ocorreria, a partir do colapso do capitalismo. Gramsci, ao contrário, achava que os pragmáticos deveriam entender que o socialismo ocorreria, mas somente a partir de ações práticas avaliadas em resultados tangíveis. Foi um rebuliço só na época. Gramsci chegou a ser odiado por boa parte dos socialistas.

Difícil imaginar uma divisão tão radical entre socialistas (ambos com o mesmo objetivo final, mas com visões completamente opostas de como chegar lá) como essa. E qual socialista atualmente renega o divisionismo interno proposto por Gramsci? Acho difícil encontrar algum socialista moderno que não seja grato às estratégias gramscianas. Era o fim de uma era de expectativas fatalistas, substituídas por uma era de conquista de resultados. Em síntese, o pragmatismo político para a extrema-esquerda.

Agora volte para a atualidade e tente imaginá-la um pouco diferente no Brasil. Imagine que o PT não estivesse no poder e com a mídia contra eles (algo que nunca aconteceu). Será que, a partir do gramscismo inerente ao partido, eles iriam fazer manifestações que facilitassem a vida de seus opositores? Será que iriam defender os símbolos da “luta armada” ao invés de usar expressões como “luta por democracia”? Pois bem, basta analisar como tem surgido os resultados pelo PT, há 12 anos no poder (e tendo mais quatro garantidos pela frente, se não ocorrer um impeachment), para notar como eles tratariam os “queimadores de filme” em suas manifestações. Com certeza, estes sairiam chutados de lá.

Por que o PT agiria desta forma? Por que a partir de Gramsci, há uma verdade para toda a extrema-esquerda: ela se divide, sempre, entre aquela que gera e a que não gera resultados práticos. Até estes últimos podem servir como contraponto do que o PT jamais vai defender em público. Eles só servem como caricatura.

Está na hora de fazermos o mesmo em relação aos republicanos, e, em uma escala menor, à direita (sendo que considero que republicanos podem abranger direitistas, centristas e moderados de esquerda).

Quando alguém fala que “não podemos nos dividir”, significa que não entendeu o ponto principal. O que mais precisamos é nos dividir, desde que um dos lados entenda o ponto chave que marca a divisão: o pragmatismo político.

Em política, usamos os meios à nossa disposição em prol de objetivos. Se esses meios são utilizados para prejudicar a luta em prol desses objetivos, é preciso separar os grupos entre aqueles que favorecem e os que prejudicam a luta. É por isso que a expressão “divisão” não pode ser rejeitada a priori apenas pelo “frame” aparentemente negativo da expressão. A divisão entre os que buscam resultados efetivos e os que buscam manias, ou mesmo o massageamento de seus egos, deve ser clara para que o primeiro grupo consiga obter de fato mais resultados.

É por isso que digo que nada é mais importante no momento para a direita do que uma divisão radical entre aqueles dispostos a aprender a guerra política e a buscar resultados de maneira pragmática, sem purismos contraproducentes, e aqueles que não fazem concessões, buscam metas irrealizáveis e demandas baseadas em ideias fixas. Mesmo que possamos ter o mesmo objetivo final, os não-pragmáticos sempre vão prejudicar a ação dos pragmáticos.

Um pragmático, por exemplo, buscaria fazer propostas o mais inclusivas possíveis, para que suas manifestações falem ao coração da maioria do povo brasileiro. Os não-pragmáticos entendem que todos devem se juntar, mesmo aqueles que pedem intervenção militar, anulação de eleições e até gritam contra nordestinos. Os não-pragmáticos terminam criando situações onde os pragmáticos terão que gastar a maior parte de seu tempo se justificando da propaganda negativa causada pelo primeiro grupo.

Aqui cabe um interlúdio: observe que os não-pragmáticos querem “incluir todo mundo”, mesmo aqueles defendendo demandas que nos isolarão da maioria da população. Os pragmáticos querem manifestações distante dos não-pragmáticos, pois os primeiros querem que suas propostas sejam mais inclusivas, focadas em resultados e menos vulneráveis aos ataques da oposição. Esse tipo de divisão dentro da direita, e, por outra perspectiva, dentro dos republicanos, é mais do que urgente.

O não-pragmático sempre estará prestes a destruir quaisquer resultados dos pragmáticos. Não tanto por intenção, mas pela obsessão contínua pelo próprio ego, sempre em detrimento da estratégia.

Essa é a principal lição que Gramsci ensinou à extrema-esquerda e que, 50 ou 60 anos depois, deve ser compreendida também por nós. A divisão entre os pragmáticos e não-pragmáticos não é apenas uma opção, mas um imperativo estratégico para a verdadeira conquista de resultados.

E como definimos um pragmático e um não-pragmático? Aí é simples demais: basta observar as demandas proferidas. Os pragmáticos sempre estarão focados em resultados práticos, factíveis e dificilmente se colocam em posição facilmente atacável pelo oponente. Eles estão olhando sempre para grandes parcelas do eleitorado. Propostas como liberdade de imprensa, agilidade nas investigações e coisas do tipo não são vulneráveis e geram resultado político positivo claro. Os não-pragmáticos, por sua vez, tendem a olhar para alguns ideais, mas não tanto para resultados possíveis. Por isso, pedem coisas como anulação de eleições. Eles são muito facilmente rotulados de forma negativa pelos donos do poder e, é claro, trazem graves prejuízos para qualquer um lutando contra o status quo.

Para o não-pragmático, é fácil falar em “união de todos”, pois iniciativas sujando a imagem de toda a luta não é algo preocupante para ele. O não-pragmático sempre diz “ah, a extrema-esquerda já vai falar mal de nós mesmo, então que diferença faz?”. O pragmático já pensa: “qual o motivo para facilitarmos a vida da extrema-esquerda?”. Um pragmático tem mais capacidade de entender o valor da divisão interna do que o não-pragmático. O fato é que já passou da hora de sermos um pouco mais gramscianos.

Me perguntam qual o diferencial do PT. Eu costumo dizer que é a extrema habilidade que eles possuem em entender a realidade. Antonio Gramsci é uma influência principal para esse tipo de atitude. Eles entendem facilmente o que funciona e o que não funciona, que passos devem ser dados e quais não devem. É este tipo de percepção de realidade a ser adotado cada vez mais por nós.

Só conseguiremos agir assim se dividirmos a direita em dois blocos: o que conseguem entregar resultados e os que não conseguem. A parte da direita (e dos republicanos) que adotar o pragmatismo como forma de ver o mundo irá finalmente conseguir resultados e fazer a extrema-esquerda se preocupar.





Por Luciano Henrique

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