O conflito entre religiosidade e homossexualidade alcançou, no início deste ano, proporções preocupantes no Distrito Federal. No dia 9 de janeiro, o Diário Oficial publicou a reestruturação da pasta de Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e extinguiu oito subsecretarias – que passaram a funcionar como Coordenadorias. Uma das subsecretarias extintas que passou a atuar como coordenadoria é o da Promoção de Direitos da Diversidade. Os representantes da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT) se posicionaram contra e acusaram a bancada evangélica de não favorecem as políticas da militância homossexual. [2]
A confusão e o atrito que se estabeleceu entre religiosidade e homossexualidade, em grande parte, se dá pela incompreensão do conceito de Estado laico no Brasil. Para elucidar a questão, apresento abaixo fragmentos da Declaração Universal da Laicidade no Século XXI e uma proposta de solução, a fim de evitar embates e constrangimentos desnecessários.
A Declaração Universal da Laicidade no Século XXI, foi apresentada no Senado Francês, em 09 de dezembro de 2005. A Declaração assegura ao cidadão liberdade para aderir ou não a uma religião e ou a convicções filosóficas (Art 1). Preconiza que os Estados devem garantir o tratamento igualitário as pessoas e suas crenças. Que as normas coletivas não podem permitir que alguma religião ou crença domine o poder e as instituições públicas. E ainda, que as religiões e os grupos de convicção devem participar livremente dos debates da sociedade civil (Art 2). Para que a liberdade seja assegurada, admite a declaração, serem necessárias “acomodações razoáveis” entre as tradições nacionais surgidas de grupos majoritários e as de grupos minoritários (Art 3)
De acordo com estas premissas o princípio fundamental de laicidade é entendido como sendo o direito de livre-escolha que é assegurado ao cidadão. Esta liberdade implica na garantia de livre pensamento e de manifestação pública de sua religiosidade (não apenas no privado). Deste modo, os poderes constituídos do Estado não podem decidir questões que causem repercussão na crença e nos valores morais do cidadão livre. O Estado deve viabilizar e criar o espaço necessário para o amplo debate destas questões no âmbito da sociedade civil.
Assim, de acordo com a Declaração, os direitos e deveres de uma nação dependem em maior ou menor grau da cultura, dos valores morais e da religiosidade de seu povo. O Estado deve estar a serviço dos anseios da sociedade e não para atender o interesse de quem monopoliza e centraliza as ideias fazendo prevalecer suas convicções laicas ou religiosas, sejam elas da maioria ou da minoria.
As questões que afetam ao cidadão quanto a sua religiosidade deve ser alvo de amplo debate. Não pode ficar restrito aos poderes constituídos. As decisões que atingem a liberdade de pensamento, de culto e de crença do cidadão livre, devem ter participação efetiva do povo. Os direitos humanos devem respeitar, nas devidas proporções, os limites dos valores religiosos e de crença da população.
O limite da decisão estatal e a gradação de laicidade devem ser decididos por meio da deliberação da sociedade. A democracia possui instrumentos que atendem esta demanda, entre eles, o plebiscito e o referendo. O cidadão é que deve decidir acerca de sua sexualidade, casamento misto, adoção de filhos, aborto, eutanásia, ensino religioso e outros temas. Negar este direito à sociedade é o mesmo que negar os ideais de liberdade do Estado Laico.
Estes problemas da laicidade do século XXI são causa de polêmicas no Brasil. Em especial os problemas provenientes de divergências entre a lei civil e as normas religiosas e de crença. Estas questões não podem ser decididas por um grupo de pseudointelectuais. Não se pode abolir, rejeitar ou ignorar os princípios da religião. A sociedade em constantes mutações deve decidir o grau de laicidade de sua pátria e a influência ou não da religião da vida em sociedade. Ninguém pode ser discriminado por sua raça, crença religiosa ou filosófica e nem por orientação sexual, por outro lado, ninguém pode ser obrigado a viver sobre a égide de crença alheia.
A proposta para o debate no Brasil é a busca de uma relação Estado-Igreja sem incorrer nos extremos do discurso religioso e ou anti-religioso. A sociedade brasileira não deve ser refém das decisões impostas pelo Executivo, nem viver limitada pelas votações arbitrárias do Legislativo ou ter sua religiosidade julgada e decidida pelo Judiciário. Os poderes do Estado de direito democrático não podem ignorar os princípios da religiosidade da população.
A sociedade de um Estado laico possui o direito de protestar e discordar das decisões tomadas pelos poderes constituídos. A liberdade de professar, de crer e de viver de acordo com os fundamentos de uma determinada religião ou crença é um direito do cidadão assegurado pelo texto constitucional. Por isso, o grau de laicidade no Brasil precisa ser definido e delimitado. O conceito de Religião na Esfera Pública, igualmente, precisa ser melhor compreendido. Um debate atual que exemplifica o conflito e as contradições destes conceitos é a questão da homossexualidade.
Quanto a laicidade, a homossexualidade é um direito garantido e reconhecido, tanto por religiosos como não-religiosos. Este direito assegura a união civil entre pessoas do mesmo sexo e gera outros direitos a ele relacionados. No entanto, quanto a Religião na Esfera Pública o direito de livre expressão tem sido cerceado pelo discurso anti-religioso. Esta é uma clara demonstração tendenciosa de parcialidade.
A manifestação religiosa de discordar da prática homossexual é legítima e assegurada pelo mesmo direito de adesão ao homossexualismo. Não se pode negar nem um e nem outro direito. No entanto, militantes radicais da causa homossexual negam este direito aos religiosos. Por meio do patrulhamento ideológico perseguem e acusam os contrários de discriminação e homofobia. Esta grave discrepância deve ser corrigida.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) cumpriu o seu papel na esfera do Estado Laico. Mandou averiguar a denúncia e intimou os acusados. Na audiência, o promotor de Justiça tomou ciência do conteúdo do curso, seguiu o conceito de laicidade aqui apresentado e determinou o arquivamento da improcedente denúncia. Oficialmente o MPDFT declarou:
“não é possível proibir as pessoas de, no âmbito de sua liberdade de religião, discutirem temas ligados a sua concepção de correção dos comportamentos sexuais e nem proibi-las de conversarem com pessoas sobre tais temas. Se a abordagem a uma pessoa ocorrer com constrangimento ou exposição ao ridículo, certamente haverá a discriminação, ato ilícito não tolerado pelo Estado” [3]
Por Douglas Roberto de Almeida Baptista
“não é possível proibir as pessoas de, no âmbito de sua liberdade de religião, discutirem temas ligados a sua concepção de correção dos comportamentos sexuais e nem proibi-las de conversarem com pessoas sobre tais temas. Se a abordagem a uma pessoa ocorrer com constrangimento ou exposição ao ridículo, certamente haverá a discriminação, ato ilícito não tolerado pelo Estado” [3]
Por Douglas Roberto de Almeida Baptista
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