terça-feira, 11 de novembro de 2014

Ateísmo, Burrice e Imagens



Nada mais me assusta neste ambiente social em que vivemos, onde somos vez ou outra, contemplados com algumas manifestações populares que, por falta de uma pauta inteligente, acabam descambando para verdadeiras imbecilidades cênicas. Scott Fitzgerald tinha razão: o senso fundamental de decência é distribuído de maneira desigual no nascimento. Some-se a isso o niilismo pós-moderno, que matou o homem depois que Nietzsche matou Deus, então, o céu é o limite, ou as colunas policiais dos jornais. E, quando a última certeza for desconstruída, não contem com a força do argumento: como a razão já estará sepultada, só restará o argumento da força…

Quando alguém defende o direito à vida ou o espaço público para o exercício de qualquer fé, surge um ateu enrustido e proclama em alto e bom som: “O estado brasileiro é laico!”. Concordo. O estado brasileiro é laico mesmo: a igreja, desde o advento da fase republicana, separou se do estado. Para o bem de ambos, porque, antes, quando reinava o modelo de mútua interferência entre estado e religião, o político pautava o bispo e o bispo pautava o político. Foi o câncer terminal da vida desse modelo, que durou praticamente dois séculos e, para espanto do leitor, não foi criado pela religião para colonizar o estado com seus “dogmas, crenças irracionais e visões de mundo obscurantistas”. Nasceu em Roma, bem antes do advento do cristianismo. E, depois, foi por este adotado, porque seu clero era formado por homens que estavam no meio daquele mundo,
submetidos à mesma mentalidade de qualquer cidadão romano. A civilização romana, à semelhança da grega, era indo-europeia e de acentuado viés religioso. Assim, a experiência da ordem cósmica também constituía o fundamento dessa sociedade, porque, do contrário, tudo retornaria ao caos.

Na órbita política romana, os atos políticos eram protagonizados por um magistrado e um sacerdote e submetidos a um processo dúplice: o magistrado, discricionariamente, escolhia um curso de ação para um problema, que poderia ser desde a construção de um aqueduto num bairro da urbe romana até a solicitação de envio de tropas imperiais para combate nos limites da orbe romana. Depois, o magistrado consultava o sacerdote acerca da conveniência da decisão, o qual respondia afirmativa ou negativamente. Esse procedimentalismo político representava a crença romana na perfeição de um ato político decorrente do consenso entre homens e deuses. Quando o império caiu, o cristianismo valeu-se dessa ideia de consenso, influenciado por Agostinho e, ao longo dos séculos, procurou aprimorá-lo segundo as circunstâncias histórico-políticas, com os erros e acertos que todos conhecemos.

Hoje, de fato, o estado é laico, porque coexistem pública, autônoma e respeitosamente, duas esferas sociais: a política e a religiosa. E, com o perdão do paradoxo, graças a Deus. Mas estado laico não é sinônimo de estado ateu. Aliás, o ateísmo é negócio interessante, porque se pretende uma corrente de pensamento, mas construída sobre a negatividade. É algo desafiante e que nem Hitchens conseguiu levar adiante: a “grandeza” negada por ele a Deus migrou para uma “grandeza” cega na ciência, a qual não conseguiu curar a “grandeza” de seu câncer no esôfago. Diz um amigo meu agnóstico que o ateísmo sofre de “insubstancialidade ontológica”. Em outras palavras, não se sustenta por si mesmo. Recentemente, assistindo à pantomima ateia da meia dúzia de gatos pingados que resolveram quebrar algumas imagens em público durante a JMJ, vieram à mente as linhas desse artigo. Da próxima vez, sugiro aos manifestantes algum respeito. Se a panturrice falar mais alto, proponho que, ao invés de assentar os glúteos sobre imagens de santos, utilizem outros símbolos cristãos, igualmente representativos dessa fé, porém, menos “contundentes” e mais “perfurocortantes”, como uma coroa de espinhos ou mesmo os pregos de uma cruz de madeira. Prometo minha exclusiva atenção quando a notícia passar no telejornal. E, também, pela cena anedótica, minha risada, porque, como já dizia Einstein, duas coisas são infinitas: a burrice e o universo. Mas ele não estava tão certo sobre o universo. Com respeito à divergência, é o que penso. 




Por André Gonçalves Fernandes

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