A revista Galileu está preocupada com a Câmara dos Deputados. O órgão do governo que mais depende da vontade popular parece não estar “representando” a sociedade adequadamente.
De acordo com a capa da revista deste mês, a Câmara não representa a população porque a Câmara possui 9,9% de mulheres, enquanto na sociedade brasileira são 51%. 43% dos deputados são empresários, ao contrário do povo. A renda média na Câmara é de R$ 33.763, já a nossa, do povão, é de R$ 2.134.
Para a revista, a Câmara só representará o povo brasileiro quando for exatamente idêntica ao povo brasileiro que vota na composição da Câmara.
Gostaríamos de ajudar a publicação mensal elencando algumas outras discrepâncias. Por exemplo, 87% da população brasileira é favorável à redução da maioridade penal (em São Paulo, estado mais populoso, o índice chega a 93%, ultrapassando até a rejeição a Dilma Rousseff), enquanto a Câmara rejeitou a proposta de redução da maioridade para 16 anos com 184 votos contrários e três abstenções (total de 490 votantes).
Curiosamente, o tema foi capa do mês passado da revista, garantindo que o que funciona mesmo não é punir, e sim “medidas socioeducativas” (não lemos a revista, mas estamos tentando imaginar quais são as “medidas socioeducativas” aventadas para se impedir estupradores de 16 anos; talvez um leilão de virgens. Também caçamos quem foi que disse que reduzir a maioridade penal tem a função de “resolver” alguma coisa, e não apenas de trazer justiça para um caso específico).
Há ainda outras coisas que aparentemente precisam de “representatividade”. Apenas 11% da população possui diploma universitário. Talvez seja o caso de a revista sugerir uma cota negativa, um teto máximo de deputados universitários, exigindo que o restante não tenha frequentado universidade.
E que tal a ideologia? Segundo o Folha Poder, 41% da população se encaixam na direita ou centro-direita. A esquerda fica com 30%, sobrando 21% para o centro. Será que a revista sugerirá que tenhamos 41% de direitistas na Câmara, ficando a esquerda sempre no máximo com 30%?
Algo a se pensar a respeito da própria revista, cujo time de colaboradores, numa passeada rápida em seu site, contém nomes como o cartunista André Dahmer, bastante preocupado em fazer propaganda para o psolista Marcelo Freixo, o portal esquerdista Porta dos Fundos, o outro cartunista Laerte Coutinho (cuja última vez que fez alguém rir data da década de 90), apresentado como “a vez dela”, o Big Brother Jean Wyllys, retratado como “voz das minorias” (sobretudo da extrema-esquerda de que faz parte), Alessandro Molon (relator do Marco Civil da Internet), Felipe Neto (isto é mesmo uma revista que pretende ter algo de… ciência?!), Jefferson Monteiro, o “Dilma Bolada” (que queria que o tigre comesse o braço do Aécio), Bruno Torturra, do Fora do Eixo, e mais um sem número de “ativistas” contribuindo há mais de um ano.
Não parece representar muito bem a sociedade brasileira.
No fundo, o alvo da revista é bem claro desde sua imagem de capa: o presidente da Câmara Eduardo Cunha, figura que quase ninguém sabia da existência até anteontem, mas foi alçado ao estrelato por dois fatores.
Primeiro, estar indo contra o PT, mandando a aliança PT-PMDB (sem a qual o PT nunca se elegeu) às favas.
Segundo, por ser o eventual presidente por três meses caso a presidente Dilma Rousseff tenha sua candidatura impugnada (já são 5 delatores que afirmam que sua campanha de 2014 usou propina, e ainda falta o homem forte da UTC). Graças a isso, é bizarramente chamado de “direitista”, como se tivesse algum mínimo parentesco com as idéias liberais e/ou conservadoras que aprendemos lendo de Tocqueville a Scruton, de Bastiat a Dalrymple.
Dado o staff da revista, não parece muito exagerado supor que sejam pessoas que votam na Dilma que compõe o seu quadro de jornalistas.
Podemos ir ainda para o nível municipal, e ver se os políticos andam mesmo representando a sociedade. Por exemplo, no Espírito Santo, foi proibido que restaurantes deixassem sal em cima da mesa.
Repetindo: foi proibido que restaurantes deixassem sal em cima da mesa.
Em São Paulo, o programa de carona paga, o Uber, foi proibido, depois de lobby dos taxistas. Taxistas em Paris também fizeram uma greve contra o aplicativo – obrigando as pessoas que precisavam de taxi a… usar o Uber. Como afirmou Ricardo Gomes, “o governo querer proibir o Uber para proteger taxista é como querer proibir o aplicativo Tinder para proteger o Bate-Papo UOL”.
Mas vamos para a cereja do bolo. A proposta da senadora petista (e Senado não é para ter contrapeso na “representatividade direta” da Câmara dos Deputados?) Fátima Bezerra, que quer… Segurem-se nas cadeiras; que quer limitar o desconto no preço dos livros a no máximo 10%, para assim diversificar a produção de livros, seja lá como.
Limitar descontos no preço dos livros, para sermos obrigados, por canetada, a pagar mais por livros, em nome da “democratização da cultura”, ou o que quer que tenham inventado desta vez.
Qual a “representatividade” disto na sociedade brasileira? Alguém perguntou a quem se mata para poder comprar todos os livros que quer, passando noites em claro caçando descontos?
É curioso como a “representatividade” é uma bandeira a ser levantada tão somente quando se concorda com a maioria a “representar” ou “ser representada”.
A esquerda perdeu todos os “heróis” com representatividade na sociedade: Lula, seu sucessor original, José Dirceu, seu terceiro sucessor original, Antônio Palocci, tendo de aguentar uma anódina Dilma Rousseff, por ser a “ministra sobrevivente a escândalos de corrupção”.
Sem heróis, sobraram as causas abstratas que marcaram a década de 2010. O discurso sobre “desigualdade social” como explicação para simplesmente qualquer coisa (de reprodução assistida de avestruzes à inclinação da Terra) cansou, então veio o tripé racismo-homofobia-machismo. Ainda mais maçante e irreal, está virando motivo de ridículo com ainda maior rapidez.
Agora, resta apenas atacar a direita. Ou as causas populares que todos defendem, como o fim da imputabilidade penal até os 18 anos (inexistente em todo o mundo civilizado, excetuando-se a Colômbia). Ou partir para ataques pessoais a qualquer um que ameace o poder do PT e da extrema-esquerda.
A quantidade abusiva de revistas com capas tentando garantir à população que a esquerda está certa, que seu método ainda funciona, apesar de sempre ser “traído” quando aplicado na realidade material-histórico-dialética, é prova do desespero, não da tranqüilidade de quem julga que defende “os pobres”.
O debate político brasileiro chegou num ponto que pode ser muito bem aproveitado por quem tenha olhos para ler uma sociedade: agora, a esquerda ficou resumida a defender bandidos e relativizar ditaduras, tendo perdido o seu furor prazeroso pós-68 (quando deixou de ser a esquerda caserna e revolução para ser a esquerda yuppie, sexy e hedonista). E a população cansou do discurso manjado.
Para a esquerda pobrista, que jura que defende pobres, resta entender que existe uma diferença entre pobres e criminosos. Os primeiros são vítimas dos últimos. O que ela defende são apenas os últimos.
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