quinta-feira, 30 de julho de 2015

Família: perdeu-se um tesouro?


É provável que só com ler o título deste artigo alguém já me esteja admoestando mentalmente: "Olha que Estado é laico!". Como se eu não soubesse! Tal advertência, tantas vezes lida e ouvida, tem por finalidade silenciar qualquer opinião que, objetiva ou subjetivamente, mantenha relação com alguma orientação religiosa cristã. Isso leva ao seguinte disparate: o ateu, o comunista, o materialista, o maria-vai-com-as-outras, o iletrado e o doutor, podem falar sobre quaisquer assunto, especialmente sobre moral e valores. Admitem-se, inclusive, com reverências e como referências, posições das mais diferentes culturas, da txucarramãe à budista. Calem-se, contudo, os que pretendam dizer algo que guarde relação com a tradição judaico-cristã, fundadora, com a filosofia grega e o direito romano, da civilização ocidental.

O tema "família" sempre foi conteúdo importante nas posições filosóficas e ideológicas. Os totalitarismos investem contra a instituição familiar dado seu notável efeito na transmissão dos valores através das gerações. Procuram afastar os filhos dos pais, entregando-os pelo maior tempo possível às orientações do Estado. Incentivam os jovens a delatar os genitores por posições ou atividades contra o Estado. Engels, em "A origem da família, da propriedade e do Estado", vai na esteira aberta por Marx que pretendeu ter diagnosticado a família - mais do que a propriedade - como origem da desigualdade. Fabulou ele que, no microcosmo da família, o pai opressor desempenhava papel análogo ao do capitalista em relação ao proletário. Ali habitava a matriz das desigualdades a ser combatida por aqueles que consideram toda desigualdade como um mal em si mesmo - o que, aliás, é absolutamente falso.

Convém lembrar, de outra parte, que não apenas os coletivismos e os totalitarismos investem contra a instituição familiar. Também os defensores do individualismo exacerbado, anarco-individualistas, a atacam, embora por outra frente. Consideram que a família, por se constituir em um "coletivo" a influenciar fortemente os indivíduos, acaba opondo obstáculos à liberdade de cada um. Portanto, em benefício da liberdade de todos, é preciso reduzir a força desses vínculos internos. É preciso abri-la. E então, surpresa! Estes últimos, que desconsideram a dimensão social da pessoa humana, acabaram sendo mais eficazes na erosão da instituição familiar do que os próprios marxistas. Entende-se. Os marxistas se acasalaram com um sistema econômico inviável e o fracasso econômico acabou desacreditando seu arcabouço filosófico. Restou apenas a mentalidade totalitária como participante do jogo político.

A ideologia de gênero, tão em voga, assedia o mesmo inimigo comum, ou seja, a instituição familiar. Em nome do coletivismo e do igualitarismo, desconhece o sexo com que se nasce para fazer, do gênero, objeto de uma construção. Não havendo sexo, extinguir-se-ia a diferença e se instauraria a igualdade. Convencer as crianças disso, é proclamado indispensável à "desnaturalização dos papéis de gênero e sexualidade". Pelo viés oposto, a ideologia de gênero, em nome do individualismo anárquico, faz dessa "pedagogia" uma educação para a liberdade.

Não é difícil perceber o que vai acontecer com a família à medida em que forem prosperando os ataques ao seu sentido natural, à sua finalidade essencial, e sendo adelgaçados, por vários modos e motivos, os vínculos entre seus membros. Combater a instituição familiar é atentar contra a humanidade e a liberdade. A família é essência do espaço privado, grupo humano em relação ao qual o Estado só deve agir para proteger e onde não deve entrar sem expressa e muito bem justificada determinação judicial. Ela é o porto seguro, escola do amor afetivo e efetivo, do serviço mútuo, do sacrifício pelo bem do outro, do martírio e do êxtase. Onde mais se haverá de prover tudo isso, geração após geração?

Alguém dirá que o parágrafo acima é ficcional. Que não se pode tomar a exceção por regra. Admitamos. Admitamos que o descrito é exceção e que a regra, agora, é outra. Perdeu-se, então, um tesouro.





Por Percival Puggina

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