sábado, 9 de maio de 2015

Populismo: Le peuple c’est moi



Nada atrai mais intelectuais do que o sentimento de que eles representam ‘o povo’. Nada, via de regra, é mais distante da verdade.”– Paul Johnson

O povo está indo às ruas. Qual povo?, perguntaria um membro do palpitariado político de prontidão em blogs e jornais tão em voga no Brasil. Ora, uma pessoa, um indivíduo autônomo, junto a outras pessoas autônomas e independentes. Mas será que são “o povo”?, insistiria a fofocaria travestida de jornalismo.

A esquerda, esquerdistas e direitistas concordariam, foi sempre a corrente política das ruas. Qualquer corrente pode se ver compelida a protestos e mobilizações públicas, mas a esquerda sempre foi campeã no método.

Isto se dá porque a esquerda tem como base de sua mentalidade a igualdade absoluta entre homens.

Não apenas a igualdade perante a lei, comum até a maioria das aristocracias: a igualdade de resultados econômicos. Ou seja, mesmo que duas pessoas que saiam de condições idênticas de oportunidades façam escolhas distintas durante a vida, a esquerda quer “corrigir” a desigualdade resultante, “distribuindo” (ela diria “redistribuindo”) o resultado econômico final.
Para isto, precisa de um Estado interventor e controlador de toda atividade, e para agigantar o Estado para um poder total, precisa de movimentos de rua para que este Estado atue bem além dos limites que a lei lhe impõe para proteção da liberdade.

Todavia, movimentos não-totalitários, ou mesmo anti-totalitários, muitas vezes se vêem obrigados a também tomar as ruas para, pelo contrário, diminuir a atuação do Estado sobre suas vidas, e voltar a ter uma existência normal. É uma situação aparentemente paradoxal, pois passa-se a atuar politicamente justamente para não se ter tanta influência da política na vida.

É a diferença entre uma Primavera de Praga, capaz de legar como liderança um bastião da liberdade como Václav Havel, e os caras-pintadas, que derrubaram um péssimo presidente, mas tinham como liderança protótipos de políticos ainda mais favoráveis a um Estado agigantado sobre a liberdade individual, como Lindberg Farias.

Esta diferença confunde hoje o Brasil, sobretudo sua classe falante, travestida de todas as subformas possíveis de escrevedores de palpites públicos. Ao contrário do movimento de massa de junho de 2013, dissolvido aparentemente apenas no limiar das eleições de 2014, agora temos movimentos de rua com proposições claras – e antagônicas.

Como em eleições de escola de samba, parece que se julga como “vencedor” quem levar o maior número de pessoas às ruas.

O vencedor, então, seria claro: os movimentos que querem o impeachment de Dilma Rousseff, com diversas lideranças e sub-propostas (seja a insana, simplista e contraproducente intervenção militar ou as investigações jurídicas que ensejam o fechamento completo do Partido dos Trabalhadores). Suas mobilizações levam para as ruas mais de 100 vezes mais do que os atos a favor do PT.

A narrativa, então, tornou-se outra: as mobilizações pró-PT e favoráveis à manutenção de estatais como cabidão (ops!) de empregos e fundos de corrupção seriam “do povo”, enquanto as manifestações com mais de um milhão de pessoas nas ruas (sempre contadas como apenas algumas centenas de milhares por institutos de pesquisa de jornais favoráveis ao governo petista) seriam uma manifestação “da elite”.

É a velha crença de que a condição econômica de alguém define seu pensamento, seus objetivos e seus desejos, a superstição das "classes sociais". Curiosamente, todos os divulgadores de tal historieta são da tal “elite” ou “classe média” que tanto criticam, sem nunca atentar para o fato de que se eles próprios são “exceções” à regra que querem impor, talvez quem proteste também possa fazê-lo sem ser por “interesses de classe” (conceito que, de cabo a rabo, não se sustenta).
Agora, então, é preciso saber se somos “o povo” ou não.

Ou não exatamente agora. Ainda em 1987 Barry Rubin publicava o clássico Modern Dictators: Third World Coup Makers, Strongmen, and Populist Tyrants, em que define um novo tipo de ditadura. Não apenas a ditadura autoritária que se impõe pela força contra o povo nem a tirania ideológica dos totalitarismos do século XX (comunismo, nazismo e o totalitarismo islâmico), mas um misto de ambas com um toque bem típico ao terceiro mundo: o populismo.

É a crença revanchista e propagandista da auto-comiseração, que se prolifera como doenças tropicais em países de Terceiro Mundo, que debita todo o fracasso dos pobres que abundam nestes países aos ricos – sejam do próprio país, sejam os estrangeiros. Nunca, é claro, a quem toma dinheiro dos pobres para projetos de poder.

É o auto-coitadismo, a inveja como método, a tomada da riqueza alheia como fim. Para tal, o Estado é visto como algo a ser dominado hegemonicamente, para então ser usado como a força capaz de tomar a riqueza alheia legalmente. Os políticos, ao invés de competentes gestores da coisa pública (res publica), são escolhidos simplesmente por serem líderes carismáticos com um maçante discurso repetitivo sobre atacar os “poderosos” ou “ricos” e salvar os pobres através de seu beneplácito e de sua caridade política com o dinheiro tomado dos primeiros.

Uma situação que qualquer latino-americano conhece bem.

Se o populismo antigo, aquele do panem et circenses do tardio Império Romano anunciando sua ruína, é apenas o provimento de diversão e fartura fácil e gratuita para o povo em troca de obediência política, o novo populismo é aliado ao bode expiatório da acusação a “poderosos”, anunciando um estado (e um Estado) de paranoia premente que está sempre encontrando “inimigos do povo” que estragam o fracassado projeto populista em todo lugar.

Aprendemos com René Girard que toda a civilização nasce com o bode expiatório: não são os projetos comuns de homens errantes que se juntam para iniciar uma civilização assentada e sedentária, e sim o medo de uma ameaça maior comum que une homens indóceis uns aos outros sob o mesmo manto de proteção.

O populismo, primitivo como sói, apenas encontra “poderosos” falsos para iniciar sua pseudo-civilização de ícones de pés-de-barro: os ricos, os judeus, os poderosos estrangeiros – todos aqueles que não acatam seu projeto de supressão de um Estado de lei para um Estado total de liderança populista (exatamente por esta razão, o nazismo é incompreendido como uma mentalidade “intolerante” e de supremacia, e não como o que foi: um populismo sindicalista que visa destruir um grupo economicamente “poderoso” que os ameaçava, os judeus).

Um dos principais teóricos que fomentou o populismo foi Nicolau Maquiavel, que, em seu O Príncipe, preconizava uma separação brutal entre a moral e o objetivo político. Assim, a melhor situação para um príncipe seria ser amado e temido pelo povo, mas caso fosse necessário escolher apenas entre um dos dois, era melhor ser temido, pois o próprio populismo enfraquece o povo (pois precisa deste povo em estado eterno de dependência), não mais sendo o povo útil para defender o príncipe. Não à toa, é influência cabal de Marx e Lenin.

O populismo moderno apenas esconde mais seus tentáculos: não se mostra temível, mas quando afugenta investidores, quando permite que a criminalidade atinja proporções ionosféricas, quando a imprensa é sufocada economica, judicial e civilmente, quando aqueles que trabalham se sentem ultrajados por terem os frutos de seu trabalho tomados por impostos apenas para as benesses da nova realeza populista, os gerentes do populismo usam seus acólitos no poder, na imprensa e na cultura para ridicularizar e acusar aqueles sedentos de liberdade por irem contra o planejamento central.

Foi o que explicou, de maneira direta e simples, a ativista guatemalteca Glória Álvarez, em entrevista ao indispensável programa The Noite, com Danilo Gentili. Analisando a situação política da América Latina da “privilegiada” e difícil posição de quem vive sob a ameaça de um de seus governos populistas, Glória Álvarez explicou que o continente inteiro sucumbiu a este novo tipo de ditadura, ou governo supostamente “democrático”, mas tomado inteiramente pela hegemonia do pensamento único.







Por Flavio Morgenstern

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