quinta-feira, 7 de maio de 2015

No Planalto, o pato é manco


Lame duck ou pato manco. É assim que a política se refere a um mandatário fraco, sem poderes, que permanece no cargo. Diante da terceirização do governo, conduzido por Michel Temer na política e por Joaquim Levy na economia, não há como não enxergar em Dilma a mais perfeita materialização dessa expressão.

A política está cheia de patos mancos. Em certa medida, Barack Obama também encarna com excelência a figura da ave com deficiência. Chegou ao poder com maioria absoluta no Congresso. Logo depois disso, primeiro perdeu a Câmara e mais recentemente o Senado, tornando-se um legítimo Presidente sem iniciativa parlamentar ou força para implementação de qualquer proposta de política pública. Obama aguarda o fim de seu mandato sentado no Salão Oval, enquanto os republicanos dão as cartas na outra ponta da avenida Pennsylvania.

Se patos mancos geralmente surgem em final de mandato, outros podem aparecer antes. É uma ave rara, mas existe. É uma situação perigosa para o governante. Collor foi abatido desta forma. No caso brasileiro atual, a ocorrência do fenômeno surpreendeu pela rapidez. Dilma tornou-se um pato manco apenas três meses após iniciar seu segundo mandato.

Para evitar o pior, Dilma chamou os caçadores para protegê-la. Resolveu entregar a articulação política, trabalho que lhe causa calafrios, para Michel Temer. O Vice Presidente acalmou os ânimos e tirou o Planalto das cordas. O governo, que quase faleceu, respira novamente, agora por aparelhos, mas que operam sob a supervisão de Eduardo Cunha e Renan Calheiros.

Dilma, que ouviu Lula ao trazer Michel Temer para o palco, precisa conter seu ímpeto imperial caso realmente queira evitar o pior. Está muito claro para o triunvirato Cunha-Renan-Temer que ao menor sinal de vacilo do Planalto, o impeachment pode ser colocado em pauta e o PMDB pode assumir também de direito a condução de um jogo que já comanda de fato. Logo, se Dilma acredita que pode causar intrigas entre os três aliados, é melhor colocar as barbas de molho. Nada é mais prazeroso para os peemedebistas do que manter um governo fraco acuado, recolher benesses e indicações e ainda liderar a oposição.

Joaquim Levy é o outro pilar do governo. Nas suas mãos e medidas residem a possibilidade de ajuste das contas públicas, que começaram a perder o rumo no segundo mandato de Lula, mas que descontrolaram-se completamente nas mãos de Dilma, defensora de uma nova matriz econômica que fracassou. As medidas amargas, que visam resgatar o modelo bem sucedido do Real, precisam do apoio do PMDB e PT para prosperar tanto na Câmara, quanto no Senado. Sem isso, Dilma pode tornar-se uma ave migratória, daquelas que rumam para o sul.

Se Temer é capaz de articular com PMDB, base governista e até a oposição, caberá a Lula acalmar os ânimos de seu próprio partido, fazendo com que seus deputados e senadores votem medidas impopulares que acalmem a economia e os mercados. Seu incentivo é simples: com a economia e a política estabilizadas, ele deseja asfaltar seu caminho de retorno ao Planalto – noves fora a Lava Jato e as investigações dos procuradores federais que já esbarraram em seu nome.

Enquanto os atores se dividem no palco, seja na articulação, na economia ou na oposição, vemos que o governo não possui qualquer projeto para os próximos anos. Dilma é hoje um pato manco em começo de mandato. Alguém que delegou o poder, sob pressão de Lula, para manter sua coroa e as chances de retorno do chefe. O risco de impeachment, por hora, está controlado, mas não descartado. Dilma viverá com esta sombra até a sucessão começar a se desenhar, pois como sabemos, quando manco, o pato é presa fácil.




Por Márcio Coimbra
Mestre em Ciência Política pela Universidad Rey Juan Carlos (Espanha) e diretor-executivo da Coimbra – Assessoria Política (Brasília, DF).

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